quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Está aí a reforma eleitoral

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, saído hoje no jornal i.
Com a petição pública “Legislar o poder de os Cidadãos escolherem e elegerem os seus Deputados”, está finalmente em cima da mesa a reforma eleitoral. Agora, já podemos tomar posição e puxar o tema para o centro dos debates da Assembleia da República.


Está aí a reforma eleitoral

Com a petição pública “Legislar o poder de os Cidadãos escolherem e elegerem os seus Deputados”, está finalmente em cima da mesa a reforma eleitoral. Agora, já podemos tomar posição e puxar o tema para o centro dos debates da Assembleia da República. 
A petição, lançada pela histórica SEDES e pela APDQ, outra associação cívica mais recente, contém um projecto de lei cuja adopção muda para melhor, num instante, o sistema eleitoral português. Além de podermos escolher os partidos ou coligações da nossa preferência, determinando a proporção das representações parlamentares, passaríamos a eleger também os deputados que representam os territórios de maior proximidade e a influenciar o processo de escolha dos demais. Com esta lei, que concretiza plena e rigorosamente a Constituição, deixará de haver deputados mais dependentes dos directórios que do eleitorado. Entraremos numa democracia de qualidade e a abstenção cairá, de imediato, para perto dos 20% ou menos ainda.

Estamos à espera de quê?

No projecto agora apresentado, o total de deputados passa a 229. Nos dois círculos da emigração mantém-se o sistema actual, com quatro deputados. O novo sistema misto de representação proporcional personalizada é aplicado para atribuir 210 mandatos distribuídos pelos círculos em que se divide o território nacional, na proporção do eleitorado. Estes 210 mandatos territoriais – o eixo fundamental do sistema e da representação política – são repartidos, de modo paritário (105+105), entre círculos uninominais e círculos plurinominais, correspondendo estes às regiões autónomas e aos distritos (ou, nalguns casos, agregação de distritos). Os últimos 15 mandatos são reservados para atribuição por um círculo nacional que assegura, por um lado, a máxima expressão possível da liberdade de escolha da cidadania e, por outro, ao mesmo tempo, a garantia da proporcionalidade da votação.

No espírito deste sistema misto de representação proporcional personalizada, os vencedores nos círculos uninominais não são imediatamente eleitos, mas ficam investidos nos primeiros lugares de eleição dentro da quota proporcional obtida pela sua candidatura na circunscrição territorial em que o círculo uninominal se integra. Numa circunscrição a que caibam, por exemplo, 14 deputados, haverá sete círculos uninominais e listas plurinominais de sete candidatos. Escolhidos directamente pelos eleitores, os vencedores nos uninominais entram, com precedência, nos lugares de eleição ganhos pelo respectivo partido ou coligação na mesma circunscrição territorial eleitoral. O problema põe-se, porém, no caso de um candidato de um determinado partido vencer num círculo uninominal e o partido já não dispor de lugares na sua quota territorial para acomodar mais esse mandato – são os chamados mandatos supranumerários, em alemão Überhangmandate.

O modelo alemão, que é o melhor dos modelos internacionais de sistemas mistos, apresenta duas dificuldades. Uma é a cláusula-barreira: só têm acesso ao parlamento as candidaturas que obtenham um mínimo de 5% na percentagem nacional plurinominal ou vençam, pelo menos, em três círculos uninominais. A outra é a dos deputados supranumerários: a eleição dos que vençam em círculos uninominais para além da quota do respectivo partido, indo acrescer ao total de deputados e fazendo, como na Alemanha, com que o parlamento tenha sempre um número variável de membros.

A primeira dificuldade é fácil de resolver: não há cláusula-barreira. Somos contra. Ponto final! Já a segunda é mais complexa. A solução alemã não nos é possível em Portugal: nós temos um limite máximo de deputados e, por isso, mesmo que se o achasse razoável, a Assembleia da República não pode crescer indefinidamente, sob o impulso aleatório dos supranumerários. Além disso, a situação tem-se tornado cada vez mais complexa na Alemanha, em virtude da evolução do sistema partidário. Nas eleições de 1949 a 1990, o problema não suscitou preocupação, ainda que, em rigor, um deputado supranumerário seja sempre uma distorção da proporcionalidade: os supranumerários eram poucos (muitas vezes nenhum, um, dois, três e só uma vez cinco), com peso quase insignificante, não se gerando querela. Nos últimos anos, porém, o número de supranumerários começou a crescer quase continuamente, de eleição para eleição, levando o Tribunal Constitucional, para garantir a proporcionalidade, a ordenar que fosse arbitrado aos partidos não beneficiados com Überhangmandate o número suficiente de mandatos complementares (Ausgleichsmandate), para repor a proporcionalidade do voto plurinominal. Este remédio ampliou a dimensão do problema: nas últimas eleições, o Bundestag recebeu nada mais nada menos do que 111 deputados adicionais (46 supranumerários e 65 complementares), passando dos 598 mandatos de candidatura aos 709 mandatos de eleição. Isto, para a Alemanha, não será um problema; para nós, é.

O projecto de reforma dá solução a este problema bicudo. Tenha-se presente que a resposta aos supranumerários pode ser, basicamente, uma de três. A primeira é como na Alemanha: são todos eleitos, e… logo se vê. A segunda é: nenhum é eleito – o sistema é de representação proporcional personalizada e, portanto, não há representação personalizada para ninguém acima e fora da representação proporcional. A terceira é intermédia: admitir supranumerários até um limite máximo nacional, sujeito ainda ao sistema de compensação correctiva.

Optou-se por esta última solução, que se construiu, por a considerar equilibrada, aceitável e justa. Essa gestão final é efectuada dentro da bolsa de 15 mandatos do círculo nacional: no total nacional, podem ser confirmados de zero a oito mandatos supranumerários; e há 15 a sete mandatos complementares para corrigir as distorções de proporcionalidade que tenham ocorrido no apuramento territorial. Tenha-se presente que, como aconteceu várias vezes na Alemanha, pode não haver qualquer mandato supranumerário, caso em que os 15 mandatos do círculo nacional serão todos para efeitos de compensação.

A divisão 8/7, nos mandatos do círculo nacional, sinaliza o igual peso do factor cidadania (uninominais) e do factor proporcionalidade (plurinominais, correção complementar), dando um sinal mais forte para a cidadania. Mas pode preferir-se inverter para 7/8. Ou alterar para repartições mais acentuadas, como uma fórmula 10/5 ou 5/10. Ou qualquer outra conjugação que gere o maior consenso, assegurando sempre as finalidades do sistema. O importante é assinalar que o problema deixou de ser um problema: há solução.

Será óptimo quando estivermos já nessa fase de especialidade e a afinar outros pormenores. O modelo está pronto para ser assumido, a partir da petição pública. Cabe aos cidadãos levantar a voz. E aos deputados fazerem o seu trabalho.

Para o eleitor, este novo sistema de representação proporcional personalizada é de grande simplicidade e liberdade. No boletim de voto, cada eleitor assinala: quanto às listas candidatas no círculo plurinominal, o partido da sua escolha; e, entre os candidatos no seu círculo uninominal, o deputado que prefere. E, ao exercer o direito de voto, cada eleitor tem a garantia de que receberá um parlamento a representar, de forma fiel, o peso percentual das correntes políticas, mas também todo o território e, finalmente com poder de escolha, os cidadãos.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i



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