quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Porque este não serve, que regime queremos?

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.
Temos hoje partidos fechados em si mesmos que em função de interesses promovem e despromovem a eleitos os membros do grupo. 

Porque este não serve, que regime queremos?

Vivemos tempos onde de uma forma regular verificamos a falta de preparação, sentido de Estado e ausência de visão estratégica para o país por parte de uma parte muito significativa da classe política. Deputados mal preparados, presidentes de câmara sem a mínima noção da importância da sua actuação para a vida das pessoas e para a qualidade do território e, mais grave, líderes partidários de fraquíssima dimensão.
O livro recém-publicado do ex-Presidente da República Cavaco Silva vem reforçar muito essa noção, facilmente perceptível ao cidadão mais atento e interessado. A fragilidade emocional e técnica de Passos Coelho para galvanizar o país era evidente e apenas ultrapassada pela completa ausência de segurança do então líder do PS, António José Seguro, a quem o ex-presidente apelida de medroso e incapaz de liderar. Tanto um como o outro cresceram juntos dentro dos respectivos partidos políticos e não se conheceu a nenhum dos dois nenhum mérito extra. Um foi primeiro-ministro e o outro esteve perto. Por outro lado, temos um conjunto de líderes que pensam em si acima de qualquer outro interesse e que tudo fazem para sobreviver. Cavaco apelida António Costa de artista e taticista, o que de facto é bem patente na forma mestre como salvou a respectiva sobrevivência política negociando com o Partido Comunista e a extrema-esquerda a constituição de um governo que muito pouco tem contribuído para as reformas essenciais de que o país necessita, mantendo o regime de fascismo fiscal perfeitamente activo com a benesse de toda a esquerda, constituindo esse número a grande mestria daquele a que o ex-Presidente apelida de artista. Por fim, Paulo Portas foi classificado de infantil e pouco patriótico. Ambos passaram grande parte da sua vida dentro dos respectivos partidos.

Há muitos anos que escrevo e manifesto a minha preocupação com o sistema político assente na partidocracia que efectivamente promove este tipo de perfis ao desempenho dos mais altos cargos da gestão dos destinos do país, e por isso, de um modo geral subscrevo a interpretação que o ex-Presidente agora publica, o que confesso constitui uma raridade. Fico contudo uma vez mais admirado com o tempo escolhido para o ex-Presidente reclamar. Enquanto Presidente da República não o vimos nunca intervir no sentido da regeneração do regime. Quando podia de forma ponderada e devidamente alicerçada contribuir para a alteração do regime pura e simplesmente não o fez. São as oportunidades perdidas que atrasam as sociedades.

Pessoalmente defendo um regime onde a carreira dentro dos partidos políticos não constitua a plataforma de acesso ao poder. Defendo um regime onde os cidadãos antes de chegarem ao poder dão provas do seu contributo para a sociedade, onde as juventudes partidárias são juventudes de solidariedade social, onde os cargos políticos sejam muito bem remunerados, e onde os eleitores elegem directamente os seus representantes, nomeadamente através de círculos uninominais. Defendo um regime meritocrático onde antes de se ser Presidente da República, primeiro ministro, ministro, Presidente de Câmara ou deputado seja necessário provar sistematicamente ao longo da vida o respectivo valor. O que temos hoje são partidos fechados em si mesmos que em função de interesses promovem e despromovem a eleitos os membros do grupo.

Este regime tem ainda como consequência contaminar a sociedade com os maus hábitos que ex-políticos e governantes levam para as instituições a que muitos depois de terminarem as suas carreiras lhe são entregues para governarem. Estão neste domínio empresas e instituições publicas, universidades e fundações. De facto, deveria ser ao contrário. Seria o desenvolvimento de boas práticas ao longo da vida que deveria possibilitar aos mais bem preparados serem escolhidos para governar o país. Incomoda-me profundamente verificar que na constituição de alguns dos governos pós-25 de Abril a qualidade da formação e da ética daqueles que ocupavam pastas governamentais não é comparável em medida alguma com o que hoje se passa na forma com a gestão dos interesses que não os públicos, condiciona a constituição dos governos.

Estou absolutamente convicto de que o desenvolvimento de uma nação está intrinsecamente ligado à qualidade do aparelho de Estado e para isso em Portugal necessitamos de mudar o regime. O povo português está cada vez mais consciente dessa necessidade.

Há muito para desenvolver e evoluir na democracia portuguesa.

Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político
Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"

NOTA: artigo publicado no jornal i

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