quinta-feira, 7 de maio de 2015

Tempo de acção e não apenas de palavras

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, ontem saído no jornal i.
A questão é saber se temos no horizonte personalidades políticas com a experiência, a coragem e a ausência de compromissos partidários ou económicos para fazer as mudanças necessárias. 
Tempo de acção e não apenas de palavras
Vamos ter eleições legislativas este ano e receio que saiamos das eleições sem projecto e estratégia para Portugal e sem fazer uma avaliação séria do passado. Ora foram os erros do passado, nomeadamente das três últimas legislaturas, que conduziram o país à estagnação económica, ao empobrecimento das famílias e ao mal-estar social e político que a corrupção e os sucessivos escândalos têm agravado.

Trata-se, como já aqui escrevi, de uma questão essencialmente política, que o “Manifesto para Uma Democracia de Qualidade” escalpelizou, nomeadamente através do reconhecimento de que os deputados da Assembleia da República, escolhidos pelas direcções partidárias e votados em listas fechadas, não representam os eleitores, e, consequentemente, não fiscalizam os governos como era seu dever.

Consequentemente, acumularam-se custos enormes para os portugueses, resultantes da má gestão política, alguns provocados por uma aparente infantilidade, custos que num país mais devotado à defesa do interesse público seriam completamente inaceitáveis, porventura com implicações criminais. Por exemplo: a duplicação de tantas auto-estradas com fraca utilização, para mais à custa de um abandono da rede de caminho-de-ferro que transformou Portugal numa ilha ferroviária; os estádios de futebol caros e sem utilização económica; a generalização pelo país de estações de carregamento de energia dos inexistentes carros movidos a electricidade; o aeroporto fantasma de Beja; um Museu dos Coches desnecessário e que poderia ficar nas suas anteriores instalações; tudo feito a crédito em condições ruinosas para os contribuintes, através de parcerias público-privadas sem qualquer controlo público digno do nome.

Muitos dos erros raiam o absurdo, como construir novas vias férreas em bitola ibérica quando em Espanha, que teremos de atravessar, há anos se fez a opção de construir milhares de quilómetros de novas vias em bitola europeia. Ou, em vez de investir no futuro da ferrovia em novas linhas e comboios, gastar rios de dinheiro em estações faraónicas, como em Castanheira do Ribatejo ou Braga, ambas um case study de desperdício de dinheiros públicos, como aliás tudo o resto.

Os acontecimentos que levaram à prisão de políticos e funcionários e as acusações e condenações já formuladas sugerem que muita desta febre gastadora tinha o objectivo de servir interesses privados ilegítimos, mas, seja assim ou não, são factos incontroversos que revelam a gestão ruinosa de um número assustador de projectos executados nos últimos 20 anos, em que as revisões de preços orçamentados foram regra.
A probabilidade de que cheguem neste ano ao fim três legislaturas consecutivas sem o apuramento de responsabilidades diz muito sobre o regime político nacional e a necessidade de reformas profundas.
Em ano de eleições a questão é saber se temos no horizonte personalidades políticas com a experiência, a coragem e a ausência de compromissos partidários ou económicos para fazer as mudanças necessárias no sentido de limpar a casa e fornecer os recursos exigidos pela justiça para que esta faça o que lhe compete sem deixar dúvidas acerca da intervenção, activa ou passiva, do poder político. E temos assistido a demasiados silêncios partidários para podermos acreditar que isso aconteça. De facto, não é de esperar que quem foi parte do problema, ou esteve calado durante todos estes anos, possa agora ser parte da solução.

Por isso é essencial que nas campanhas eleitorais deste e do próximo ano os portugueses se pronunciem de forma clara sobre estas questões – questões centrais numa democracia feita de valores e de gente honrada, questões que não podem ser iludidas uma vez mais.

E que escolham novos interlocutores com o currículo, a coragem e a determinação que a tragédia portuguesa justifica, porque enfrentamos desafios que não se resolvem com discursos ideológicos ou líricos, mas com uma acção experiente e determinada.
Henrique NETO
Empresário
NOTA: artigo publicado no jornal i.

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