quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Os gregos (que não somos) e os troianos (que nos fizeram ser…)

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, ontem saído no jornal i.
Também aqui as atraentes ofertas alojadas no cavalo socialista não passam de ilusão, aliás, já desfeita pelos golpes sofridos e sobretudo porque a guerra a vencer é a da competitividade da economia.

Os gregos (que não somos) e os troianos (que nos fizeram ser…)
“Temo os gregos, sobretudo quando nos trazem ofertas”, proclamava das muralhas de Troia o sábio guerreiro evocado na Eneida, aconselhando a rejeição do cavalo grego. 
De visita a Esparta, Páris raptou Helena e fugiu com ela para Troia, valendo--se da ausência em Creta do marido desta, Menelau, no funeral do avô. Furioso, Menelau declarou guerra àquela cidade. O cerco já durava anos e os combates, ferimentos e mortes provocavam um cansaço entre os gregos que nem os solenes rituais de glorificação dos heróis conseguia atenuar. Foi então que o oráculo Calcas deixou o aviso de que não seria o cerco que faria cair as muralhas troianas e só um ardil possibilitaria a tomada da cidade. 
Interpretando o oráculo, Ulisses construiu um cavalo de madeira, capaz de esconder guerreiros na sua estrutura e que, esperava, oferecido aos troianos como dádiva de paz, possibilitaria a tomada da cidade por dentro. Embora muitos generais considerassem o ardil indigno da honra grega, a saturação da guerra levou a que fosse aprovada a armadilha para tornar rápida a vitória. 
Acordaram então os troianos com a armada grega em retirada e um gigantesco cavalo de madeira na praia. Convencidos pelos símbolos de paz, festejaram e acolheram a oferta. Mas ao cair da noite, desprevenidos, deixaram o inimigo sair das entranhas do cavalo e, abertas as portas, viram a cidade invadida pelos sitiantes escondidos, que logo acorreram. 
Diz Homero que a guerra por Helena terminou aí. Mas diz a história que a guerra continuou, agora entre as cidades gregas que queriam chamar a si as rotas dos produtos caros, das cerâmicas, dos metais, armas, perfumes, marfim e ouro, cujo comércio Troia controlava das costas da Ásia Menor às portas do mar Negro. A aliança das várias cidades gregas não era por Helena, que apenas interessava a Menelau, mas por um objetivo bem maior. 
Terminada a batalha, diz a lenda, Ulisses vagueou pelos mares e veio a fundar Lisboa. E, pasme-se, reincarnado e vivo, continua por cá, teimando em oferecer, agora aos portugueses, novos cavalos carregados de ofertas enganosas. 
Travestido de político de esquerda, começou por introduzir um primeiro cavalo no âmago das hostes socialistas. Embora alguns temessem a oferta, logo os dirigentes viram nela um sinal da paz que lhes servia para cavalgar outro cavalo, o do poder. E nele novos Ulisses logo introduziram reposições de salários, diminuições de tempos de trabalho, aumentos da despesa aprimorados com multiplicadores à maneira para o conveniente aumento da riqueza e diminuição dos défices e da dívida. E, assim ajaezado, o ofereceram aos cidadãos. 
Mas se o objetivo comum que possibilitou, em Troia, a aliança com Menelau, não impediu invasões na terra-mãe, com vista à predominância de cada cidade, também por cá, invadida por dentro, a armada socialista estilhaçou-se na última refrega eleitoral, tornando o invasor mais forte e ficando mais frágil para conduzir as próximas batalhas. 
E, assim como para os troianos a ilusão da oferenda provocou a derrota, e para os gregos não trouxe a paz, que a luta intestina pelo domínio económico continuou, também aqui as atraentes ofertas alojadas no cavalo socialista não passam de ilusão, aliás, já desfeita pelos golpes sofridos e sobretudo porque a guerra a vencer é a da competitividade da economia – mas essa, por completo, ficou de fora do bojo do cavalo do governo. 
Também eu temo os governos quando nos fazem ofertas ilusórias que, como em Troia, e apesar dos avisos, conduzem ao desastre. O cavalo com que Ulisses derrotou Troia ressuscitou em Lisboa. Por artes e manhas de uma democracia sem qualidade.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Isto nos últimos 15 anos:

Por artes e manhas de uma democracia sem qualidade.