No passado dia 4 de Abril, quinta-feira, numa sessão muito participada que se realizou na Ordem dos Economistas, um vasto grupo da sociedade civil apresentou um manifesto intitulado DESPESA PÚBLICA MENOR PARA UM FUTURO MELHOR. Deixo aqui o texto com as palavras que proferi a encerrar a sessão, depois da detalhada apresentação por António Pinho Cardão e das intervenções também de Alexandre Patrício Gouveia e Clemente Pedro Nunes.
INTERVENÇÃO DE JOSÉ RIBEIRO E CASTRO
Apresentação do Manifesto "Despesa Pública Menor para um Futuro Melhor"
Ordem dos Economistas, 4 de Abril de 2013
Senhores Bastonários,
Senhoras e senhores jornalistas,
Caros companheiros, amigos e convidados,
Ao nível e ao estado a que chegou, a despesa pública é o cancro da economia. O excesso da despesa pública e a má despesa pública são o cancro das finanças do Estado e espalham as suas metástases por todo o lado, contaminando e matando a economia. Sugam recursos pela voragem esfaimada dos impostos, taxas e tributos de toda a ordem. Cavam o endividamento e secam o crédito para as empresas. Multiplicam ineficiências, engordam burocracia, acastelam custos inúteis, geram corrupção, afogam-nos em encargos. Viciam.
Se Portugal está na bancarrota e teve que recorrer à ajuda externa, sujeitando-se à intervenção da troika e à alienação da liberdade orçamental, deve-o a anos consecutivos de galope da despesa e aos três DDD da desgraça: despesa a mais, défice excessivo, dívida pública acumulada e gigante.
Foi isto que minou o crédito da República, depois de, sofregamente, ter carregado em cima de empresas, famílias e cidadãos. É isto que verdadeiramente alienou a nossa liberdade orçamental e que constitui uma temível ameaça permanente sobre a capacidade de cada empresa que ainda sobrevive, sobre a segurança de cada cidadão que ainda tem emprego, sobre a tranquilidade de cada família que ainda consegue sobre-nadar e poupar.
De tal modo que, mesmo que a troika se fosse embora, ficaríamos ainda mais esmagados e continuaríamos sem liberdade orçamental, condenados, mês a mês, ano após ano, a responder a rotinas pesadas de despesa em moto contínuo, a sorver recursos para financiar o défice e a sacar mais e mais, sempre mais, para responder à dívida e ao seu rasto devastador.
O excesso da despesa pública parasita a nossa vida, mói o nosso presente, seca o nosso futuro. Há demasiados anos que é assim. Basta!
É tempo de resolvermos o problema. Daí, este Manifesto. Porque o Estado não cumpre e a política não responde, é a hora de a sociedade levantar voz e exigir que o Estado trate de si para deixar os portugueses e Portugal seguirem o nosso caminho.
Darei apenas, muito rapidamente, um breve relance do problema entre nós e da minha própria experiência, como político, a lidar com ele.
Creio que as campainhas de alarme a este respeito soaram no célebre “discurso da tanga” de Durão Barroso, quando iniciava funções como primeiro-ministro: «O país está de tanga», avisou Durão Barroso em 17 de Abril de 2002, no início do debate do programa do XV governo constitucional. Sabemos tudo o que se passou a seguir, nesse governo e nos três seguintes: o breve de Santana Lopes e os dois de José Sócrates. Sabemos também como ainda hoje andamos engasgados, ora que sim, ora que não.
Mas todos ficámos a saber, desde 2002, que o défice era o Adamastor - um Adamastor obstinado, duro e resiliente - que nos atormentava e que, sem o vencermos, não teríamos destino que não fosse a ruína. A despesa pública ainda andava a caminho dos 45% do PIB, o défice real à volta dos 5% do PIB e a dívida abaixo dos 60% do PIB. Que saudades... Mas a vertigem continuou: a despesa a subir, o défice sem controlo e a dívida a engordar. O Estado não quis saber e a política fez de conta.
Quando fui presidente do CDS, entre Abril de 2005 e Abril de 2007, procurei fazer desta questão o ponto central da agenda politica e o eixo dos decisores. Repetidas vezes apelei a um pacto alargado que fixasse a meta e, depois, o tecto máximo de 40% de despesa pública como compromisso solene e sagrado da nossa vida politica. Foram dezenas e dezenas as vezes que falei nisso. E, lançados que estávamos já todos na preocupação do défice e do combate ao défice, defini e repeti várias este estribilho: «O problema do défice não é o défice, é a despesa. Enquanto atacarmos o défice pelo défice nunca resolveremos o problema. O défice é o sintoma do problema e consequência do excesso de despesa, que é a real fonte do problema.»
Das dezenas, talvez mais de uma centena de vezes em que abordei o tema nesses dois anos, cito duas abordagens.
A primeira é um comunicado formal, logo em 24 de Maio de 2005:
«4. [B] O CDS/PP não pode deixar de chamar a atenção para que esta extensão e esta profundidade do problema do défice público representa a crise de um certo modelo de Estado e o fim do mito das "gratuitidades", que muitos ainda alimentam em diferentes sectores. O que a frieza destes e doutros números evidenciam uma vez mais é que a possibilidade de o Estado português desempenhar capazmente as funções que o justificam e de garantir também efectivamente a boa prestação dos serviços sociais, depende urgentemente da sua própria reforma.
Tudo tem que ser pago. E a questão, em termos de modelo de sociedade e de Estado, está apenas em saber "Quanto?" e "Como?". A primeira é a questão da dimensão e do peso do Estado. A segunda é a questão dos limites intransponíveis a uma contínua e sôfrega pressão fiscal do Estado sobre a sociedade e a economia.
Co-envolvido com o défice público, está um outro problema no panorama de fundo: o do crescimento económico de Portugal. E, por isso mesmo, o CDS renova e insiste no seu apelo a que o Governo PS encontre e adopte respostas que actuem sobretudo sobre o lado da despesa pública e o redimensionamento do Estado e não numa linha de subida dos impostos, aumentando ainda mais a carga já existente sobre as famílias e as empresas.
O CDS-PP, embora na oposição, declara abertamente a sua disposição para apoiar patrioticamente as medidas que o Governo entenda adoptar, neste contexto que é difícil e estreito, no sentido do controlo, da contenção e da redução da despesa pública.
Actuar sobre a despesa pública e sobre um novo desenho das funções do Estado e do modo do seu exercício é agir no sentido da resolução efectiva e duradoura do problema. Não o fazer é não só prolongar o problema; é também manter a sua raiz e degradar a sua fonte.»
A segunda, em 11 de Junho de 2005, é o convite insistentemente feito e repetido desde então:
«O presidente do CDS-PP, Ribeiro e Castro, propôs hoje, no Funchal, ao PS e PSD, um "pacto de regime sobre a situação das finanças públicas em Portugal".
O dirigente nacional dos populares disse que esta proposta é "um convite para um consenso semelhante ao que existe, com bons resultados, na vizinha Espanha", acrescentando haver disponibilidade do CDS-PP para uma conjugação que permita "definir as grandes linhas de um programa que, no prazo de seis a oito anos, ponha a despesa pública num nível não superior aos 40 por cento do Produto Interno Bruto".
Segundo Ribeiro e Castro, em matéria da situação das finanças públicas, "o défice é o sintoma do problema" e a sua origem está no facto de o "Estado pesar excessivamente na economia" nacional.
O convite do CDS-PP visa assim "uma reforma profunda do Estado, um novo entendimento das funções do Estado, da forma como presta serviços à sociedade e ao país, em ordem à libertação da economia para que possa crescer e desenvolver-se", disse.
Adiantou ficar "à espera de uma resposta positiva, porque ganharemos tempo se conseguirmos resolver este problema profundo das finanças públicas".»
Nos inícios de 2007, antes de deixar a presidência do CDS, eu continuava em discursos formais ou tomadas de posição avulsas, a insistir neste propósito e a convidar outros actores políticos para esse pacto: colocar, estruturadamente, até 2013 (o ano em que estamos, hoje...), a nossa despesa pública sempre abaixo dos 40% do PIB. O governo PS nunca quis. O PSD não acompanhou e preferiu outros pactos, que se esfumaram aliás. E no meu próprio partido, o CDS, boa parte também escolheu desfocar a linha e preferiu andar noutras folestrias, entreter-se por outras querelas.
A evolução do país é conhecida. Houve um fingimento de consolidação pelo aumento contínuo da carga fiscal e algum sucesso do combate à evasão fiscal, iniciado por Paulo Macedo na direcção tributária. A despesa nunca baixou e subiu sempre. A miragem da frágil consolidação esfumou-se com os alvores da crise em 2008. A dívida continuou sempre a aumentar, ultrapassando os 60% do PIB, a regra de Maastricht. A despesa chegou a ir para cima de 50% do PIB. E a dívida galgou os 100% do PIB, estando já nos 120%. Afundámo-nos na bancarrota e estamos submetidos. Chega.
Boa parte da minha saturação e desapontamento é, por isso, com o sistema político, que se tem revelado incapaz de responder aos problemas da sociedade, dos cidadãos, do país, mesmo quando é dele – do sistema político – que soam as campainhas e tocam as trombetas de alarme. Isto é, atingimos um tal estado de habituação ao erro e de submissão ao teatrinho da política-espectáculo, à superficialidade dos clichés, dos preconceitos e dos lugares comuns, que o Estado falha não só quando é cego, mas também quando vê – e até quando diz e denuncia. O Estado falha também, não só quando é surdo, mas também quando ouve – e até quando é ele a falar, a acusar e a prometer. Não pode ser.
Por isso, eu também creio que esta é uma tarefa fundamental para a sociedade civil levantar como coisa sua. Temos o direito à indignação - e temos o direito de resistência, que a Constituição consagra. Este pesadelo não pode continuar a esmagar-nos.
É de baixo para cima, bottom up, que vamos construir a resposta, já que top down não funcionou. Já esperámos tempo demais. A raiz que somos é a pura razão cidadã; e a força a que apelamos é ao músculo da nossa cidadania, cada um trazendo, com inteira liberdade, a sua consciência individual e o testemunho da sua experiência em diferentes áreas e sectores – com todas as frustrações e desilusões acumuladas, mas com a vontade e a determinação dos resolutos e inconformados. Havemos de vencer.
Temos consciência de que, enquanto houver um grama de défice a mais, há toneladas de impostos que nos ameaçam e esmagam. E já chega. É tempo de arrepiar caminho e reestruturar o Estado. Queremos uma profunda e capaz Reforma do Estado com impacto estrutural e duradouro no volume e na qualidade da despesa pública. Não aceitamos ser submergidos por rotinas irracionais em auto-gestão.
Queremos recuperar a nossa liberdade de decidir e o pleno senhorio das nossas próprias escolhas a cada momento. É tempo de acabar com a dividocracia e voltarmos à democracia.
Por isso, a partir da trincheira comum da sociedade civil, trabalhamos para uma Despesa Pública Menor e para um Futuro Melhor.
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