Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Luís Campos e Cunha, hoje saído no jornal i.
Boas políticas defendidas por um incompetente (para não dizer pior) não merecem o nosso voto.
Crise da política
Muito se tem falado de crise política. Mas devíamos falar de crise da política. Aliás, sou dos que defendem que as crises económicas têm frequentemente a sua raiz na política, pelo menos nos últimos tempos e em Portugal.
Todos pensamos saber quais os problemas a curto e longo prazo do país. No entanto, os diagnósticos não estão feitos e as políticas são sempre de emergência. Porquê? Porque o problema está na crise da política, que todos sentimos, mas à maioria dos políticos não interessa solucionar, naturalmente.
Neste sentido, a crise da política é muito profunda e vê-se na degradação dos partidos que são os pilares da democracia. Como reformar os partidos? Tal só é possível através da alteração de regras de funcionamento da política, por um lado, e por pressão da sociedade civil, por outro. As regras vão das leis eleitorais à lei de financiamento dos partidos, passando pela remuneração dos políticos e pela transparência no mundo dos negócios com o Estado. A sociedade civil é, infelizmente, incapaz, pelo menos por agora...
Desta profunda crise da política quase ninguém deseja falar. Desde logo, se esta fosse resolvida, ou pelo menos debelada, um vasto número dos políticos activos actuais passavam à história. Logo, não lhes interessa, salvo honrosas excepções, que é necessário e justo salientar.
Este (ou o próximo) governo não tem dinheiro para fazer obras, mas pode fazer obra. A reforma do sistema eleitoral e do financiamento dos partidos é barata e teria grandes ganhos para o país.
Quando era mais jovem dizia-se que em política as pessoas não interessavam, o que interessava eram as políticas. Infelizmente não é verdade: interessam as políticas e as pessoas que as propõem. Boas políticas defendidas por um incompetente (para não dizer pior) não merecem o nosso voto.
O sistema eleitoral tem de assentar no voto em pessoas. Pessoas apoiadas por partidos em círculos pequenos para haver um fácil escrutínio curricular.
Os círculos uninominais já seriam um grande avanço face à situação actual, mas preferia os tais círculos pequenos, e assim poderíamos escolher o partido e a pessoa.
A criação de um círculo nacional conduziria a uma distribuição de lugares que não desvirtuaria a representação de pequenos partidos, muito relevante para a nossa vida democrática.
Os votos em branco (não a abstenção) deveriam estar representados no parlamento por lugares vazios. Quem se dá ao trabalho de ir votar (e não se abster), e negar o apoio a todos os partidos concorrentes, tem um significado político e cívico que não pode ser confundido com a abstenção. Hoje, este é o caso.
Em segundo lugar, o financiamento dos partidos deveria ser fundamentalmente público, porque é por aí que os partidos ficam cativos dos interesses particulares. E, mais cedo ou mais tarde, o próprio governo e o Estado também deixam de defender o bem comum para o sacrificar aos interesses de grupos.
Naturalmente, as contas partidárias teriam de ser devidamente auditadas. Não refiro as contas das eleições para o parlamento ou as autarquias, mas todas as contas partidárias. Incluo aqui as contas das eleições internas dentro da nova moda das directas para seleccionar o presidente ou o secretário-geral.
Há certamente mais elementos para uma reforma da política em Portugal, mas a lei eleitoral e o financiamento dos partidos estão no topo da lista. Para tal será necessário um grande movimento da opinião pública (e publicada) para forçar a mudança. Vale a pena defender a qualidade dos partidos porque estes são os pilares de qualquer democracia. E, se não forem estes a agir, outros partidos surgirão. É escolherem...
LUÍS CAMPOS E CUNHA
Professor da Universidade Nova de Lisboa
Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.
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