Alta Tensão
Os argumentos são do mais
simples: os brasileiros da OI teriam incumprido os pressupostos do acordo de
fusão feito. Os brasileiros, por seu turno, pretendem que não «descumpriram» (é
o que dão os acordos ortográficos, lá se vai a sintaxe) o acordo nem isso seria
causa de rescisão (expressão que também desconhecem), uma vez que cumpre à PT
SGPS votar ou vetar a venda à Altice.
Têm toda a razão, do ponto de
vista formal: de facto, a venda à Altice depende do acordo da PT SGPS e,
espantosamente, os accionistas de referência da PT parecem inclinados a
concordar com esta venda, que os transformaria em accionistas de uma empresa
puramente brasileira e altamente endividada e sem dinâmica comercial de
crescimento.
Perante estes factos, o governo
português limita-se a estar calado. Quando fala, é para dizer que não tem nada
a acrescentar e que a matéria é apenas do domínio dos accionistas da PT.
Talvez pudessem ter reparado que
em Julho do ano passado, o governo brasileiro falou, e muito, sobre a fusão,
impondo às empresas que controla e são accionistas da OI uma linha de rumo. Não
nós.
Convém notar que vários dos
accionistas de referência da PT, entre os quais o Novo Banco ou o Fundo de
Pensões da Segurança Social, são parte do Estado ou dominados por ele. Estão em
roda livre e parece terem perdido a noção do seu próprio interesse.
No último ano, as acções da PT
SGPS caíram cerca de 80% do seu valor, o que significa que o Novo Banco e
outros accionistas neo-públicos perderam centenas de milhões de euros de valor.
Parece não os afectar nada, nem ao Estado, que é dono deles.
A ideia da venda à Altice, como
os próprios brasileiros discorrem sem vergonha, visa essencialmente
«desalavancar» a OI e permitir-lhe participar no «processo de consolidação em
curso» das telecomunicações brasileiras.
Porquê as brasileiras e não as portuguesas? Porque se há-de vender o que há em
Portugal e não o que há no Brasil, que parece nem poder sobreviver se não
vender a PT?
Sendo a PT SGPS o maior
accionista da OI (futura CorpsCO?), a pergunta é porque é que os accionistas
portugueses da OI, reunidos na PT SGPS, hão-de dar o seu acordo à venda daquilo
que era seu, para salvar aquilo que é dos outros?
Se o futuro da PT é indiferente
aos accionistas brasileiros, porque há-de o futuro da OI ser importante para os
accionistas portugueses?
Dito isto, parece-me que reina em
toda esta história uma enorme confusão quanto ao que está em discussão e quanto
aos objectivos a atingir:
A discussão não pode estar ao
nível de saber se se vende à Altice ou se se rescinde a fusão. Essa discussão,
nos termos em que está a ser discutida, não conduz a nada.
Como se sabe, no ano passado, o
acordo de fusão entre a PT e a OI foi objecto de uma rectificação, consequente à
constatação do incumprimento da Rioforte do pagamento na maturidade de um
empréstimo que a PT lhe fez, de cerca de 900 milhões de euros.
Nos termos dessa correcção, a posição
da PT SGPS na OI, futura CorpsCo, passou de 38% para 25,6%, mantendo a PT uma
opção de compra de mais 12% da OI, caso pague à OI os 900 milhões de euros da
Rioforte.
Analisando o valor real da OI /
PT, os analistas concluíram que esta opção de compra vale entre 250 e 350
milhões de euros, consoante o valor atribuído à empresa. Desde logo, portanto,
o exercício da opção, valoriza as acções da PT SGPS em cerca de 300 milhões de
euros, metade da capitalização bolsista da empresa hoje.
Isto chega para uma primeira
conclusão: com 25% a PT SGPS já é a maior accionista da OI. Com 37,5% seria
hegemónica. Ao exercer a opção de compra, a PT SGPS torna-se de longe o maior
accionista da OI e valoriza as acções dos seus accionistas em 300 milhões de
euros, só por esse facto.
O problema é que à PT SGPS faltam duas coisas, ambas
fundamentais: liderança através de um núcleo duro de accionistas de
referência e dinheiro.
Qualquer destas duas coisas se
pode resolver com simplicidade, através de um aumento de capital feito em
condições tais que permita a sua subscrição por dois ou três accionistas que
mereçam o acordo dos outros. (não, não é fácil. Se fosse qualquer um o teria já
feito.)
Um aumento de capital de 900 ou
1000 milhões, corresponderia a 40 a 45% do capital da PT SGPS, considerando a
valorização actual desse capital em 1200 milhões, valor considerado na OPA de
Isabel dos Santos sobre a PT SGPS.
Fazendo este aumento de capital,
a PT SGPS ficaria a dispor imediatamente de meios para exercer uma opção de compra
que lhe custaria 900 milhões e vale 1200 milhões, e passaria a dispor de um
núcleo duro de accionistas que passasse a mandar nela e na Oi. E na OI.
Com isto, podia-se regressar ao blueprint original: a constituição de
uma grande operadora de telecomunicações de língua portuguesa, presente, ao menos,
em Portugal e no Brasil.
Como se vê, é simples. Os
Brasileiros têm razão numa coisa: resolver a fusão, nesta fase adiantada, se
não é impossível (é a teoria do tubo e da pasta de dentes: a pasta saiu, é
impossível voltar a pô-la no tubo) daria azo a anos de conflitos cruzados, em
que as duas empresas se auto-destruiriam.
Por outro lado, a venda à Altice
é uma esperteza saloia dos brasileiros, que estão apenas a aproveitar sem
vergonha a falta de liderança da PT SGPS e a aparente traição do governo
português e dos accionistas de referência por ele controlados.
A solução simples para este
problema, que passa por fazer um aumento de capital da PT SGPS de 900 ou mil
milhões de euros e retomar a posição de 37/38% na OI que é a sua, depende em
grande medida do impulso que o governo queira dar: através da CGD, que devia
servir para isto, e da liderança do processo que o Novo Banco seja levado a
ter.
Esta solução suscita vários
problemas jurídicos caseiros, mas nenhum que não se resolva, a nível de CMVM,
Concorrência e sobretudo de timings,
uma vez que estamos em cima do acontecimento. Tenho a certeza que uma equipa
dedicada, e multidisciplinar, que envolvesse a CMVM e a Autoridade da
Concorrência, permitiria resolver todos os problemas, seguramente mais simples
que o problema de uma rescisão da fusão, ou os múltiplos problemas suscitados
pela venda à Altice.
Desta forma, na próxima AG de dia
22, para além de vetarem a venda da PT Portugal à Altice, os accionistas da PT
SGPS devem deliberar convocar uma nova AG para deliberar um aumento de capital
da holding, em condições tais que os subscritores de capital se reduzam a duas
ou três empresas de referência. Esse é que é o caminho para a frente.
Sem governo de Portugal e sem
Novo Banco, é impossível. Esta é a fasquia por que eu os vou julgar.
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