segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

PT: muito complicado, ou muito simples?

Alta Tensão

A três dias da Assembleia geral da PT SGPS, cuja agenda de trabalhos prevê a deliberação sobre a venda da PT Portugal à Altice, e depois de vários altos responsáveis se terem pronunciado sobre esta matéria em termos que levariam ao fim do processo de fusão em curso, por os respectivos pressupostos estarem destruídos, surgiu na Imprensa uma nova discussão, não sobre a venda à Altice, mas sobre a rescisão da fusão.


Os argumentos são do mais simples: os brasileiros da OI teriam incumprido os pressupostos do acordo de fusão feito. Os brasileiros, por seu turno, pretendem que não «descumpriram» (é o que dão os acordos ortográficos, lá se vai a sintaxe) o acordo nem isso seria causa de rescisão (expressão que também desconhecem), uma vez que cumpre à PT SGPS votar ou vetar a venda à Altice.

Têm toda a razão, do ponto de vista formal: de facto, a venda à Altice depende do acordo da PT SGPS e, espantosamente, os accionistas de referência da PT parecem inclinados a concordar com esta venda, que os transformaria em accionistas de uma empresa puramente brasileira e altamente endividada e sem dinâmica comercial de crescimento.

Perante estes factos, o governo português limita-se a estar calado. Quando fala, é para dizer que não tem nada a acrescentar e que a matéria é apenas do domínio dos accionistas da PT.

Talvez pudessem ter reparado que em Julho do ano passado, o governo brasileiro falou, e muito, sobre a fusão, impondo às empresas que controla e são accionistas da OI uma linha de rumo. Não nós.

Convém notar que vários dos accionistas de referência da PT, entre os quais o Novo Banco ou o Fundo de Pensões da Segurança Social, são parte do Estado ou dominados por ele. Estão em roda livre e parece terem perdido a noção do seu próprio interesse.

No último ano, as acções da PT SGPS caíram cerca de 80% do seu valor, o que significa que o Novo Banco e outros accionistas neo-públicos perderam centenas de milhões de euros de valor. Parece não os afectar nada, nem ao Estado, que é dono deles.

A ideia da venda à Altice, como os próprios brasileiros discorrem sem vergonha, visa essencialmente «desalavancar» a OI e permitir-lhe participar no «processo de consolidação em curso» das telecomunicações brasileiras. Porquê as brasileiras e não as portuguesas? Porque se há-de vender o que há em Portugal e não o que há no Brasil, que parece nem poder sobreviver se não vender a PT?

Sendo a PT SGPS o maior accionista da OI (futura CorpsCO?), a pergunta é porque é que os accionistas portugueses da OI, reunidos na PT SGPS, hão-de dar o seu acordo à venda daquilo que era seu, para salvar aquilo que é dos outros?

Se o futuro da PT é indiferente aos accionistas brasileiros, porque há-de o futuro da OI ser importante para os accionistas portugueses?

Dito isto, parece-me que reina em toda esta história uma enorme confusão quanto ao que está em discussão e quanto aos objectivos a atingir:

A discussão não pode estar ao nível de saber se se vende à Altice ou se se rescinde a fusão. Essa discussão, nos termos em que está a ser discutida, não conduz a nada.

Como se sabe, no ano passado, o acordo de fusão entre a PT e a OI foi objecto de uma rectificação, consequente à constatação do incumprimento da Rioforte do pagamento na maturidade de um empréstimo que a PT lhe fez, de cerca de 900 milhões de euros.

Nos termos dessa correcção, a posição da PT SGPS na OI, futura CorpsCo, passou de 38% para 25,6%, mantendo a PT uma opção de compra de mais 12% da OI, caso pague à OI os 900 milhões de euros da Rioforte.

Analisando o valor real da OI / PT, os analistas concluíram que esta opção de compra vale entre 250 e 350 milhões de euros, consoante o valor atribuído à empresa. Desde logo, portanto, o exercício da opção, valoriza as acções da PT SGPS em cerca de 300 milhões de euros, metade da capitalização bolsista da empresa hoje.

Isto chega para uma primeira conclusão: com 25% a PT SGPS já é a maior accionista da OI. Com 37,5% seria hegemónica. Ao exercer a opção de compra, a PT SGPS torna-se de longe o maior accionista da OI e valoriza as acções dos seus accionistas em 300 milhões de euros, só por esse facto.
O problema é que à PT SGPS faltam duas coisas, ambas fundamentais: liderança através de um núcleo duro de accionistas de referência e dinheiro.

Qualquer destas duas coisas se pode resolver com simplicidade, através de um aumento de capital feito em condições tais que permita a sua subscrição por dois ou três accionistas que mereçam o acordo dos outros. (não, não é fácil. Se fosse qualquer um o teria já feito.)

Um aumento de capital de 900 ou 1000 milhões, corresponderia a 40 a 45% do capital da PT SGPS, considerando a valorização actual desse capital em 1200 milhões, valor considerado na OPA de Isabel dos Santos sobre a PT SGPS.

Fazendo este aumento de capital, a PT SGPS ficaria a dispor imediatamente de meios para exercer uma opção de compra que lhe custaria 900 milhões e vale 1200 milhões, e passaria a dispor de um núcleo duro de accionistas que passasse a mandar nela e na Oi. E na OI.

Com isto, podia-se regressar ao blueprint original: a constituição de uma grande operadora de telecomunicações de língua portuguesa, presente, ao menos, em Portugal e no Brasil.

Como se vê, é simples. Os Brasileiros têm razão numa coisa: resolver a fusão, nesta fase adiantada, se não é impossível (é a teoria do tubo e da pasta de dentes: a pasta saiu, é impossível voltar a pô-la no tubo) daria azo a anos de conflitos cruzados, em que as duas empresas se auto-destruiriam.

Por outro lado, a venda à Altice é uma esperteza saloia dos brasileiros, que estão apenas a aproveitar sem vergonha a falta de liderança da PT SGPS e a aparente traição do governo português e dos accionistas de referência por ele controlados.

A solução simples para este problema, que passa por fazer um aumento de capital da PT SGPS de 900 ou mil milhões de euros e retomar a posição de 37/38% na OI que é a sua, depende em grande medida do impulso que o governo queira dar: através da CGD, que devia servir para isto, e da liderança do processo que o Novo Banco seja levado a ter.

Esta solução suscita vários problemas jurídicos caseiros, mas nenhum que não se resolva, a nível de CMVM, Concorrência e sobretudo de timings, uma vez que estamos em cima do acontecimento. Tenho a certeza que uma equipa dedicada, e multidisciplinar, que envolvesse a CMVM e a Autoridade da Concorrência, permitiria resolver todos os problemas, seguramente mais simples que o problema de uma rescisão da fusão, ou os múltiplos problemas suscitados pela venda à Altice.

Desta forma, na próxima AG de dia 22, para além de vetarem a venda da PT Portugal à Altice, os accionistas da PT SGPS devem deliberar convocar uma nova AG para deliberar um aumento de capital da holding, em condições tais que os subscritores de capital se reduzam a duas ou três empresas de referência. Esse é que é o caminho para a frente.

Sem governo de Portugal e sem Novo Banco, é impossível. Esta é a fasquia por que eu os vou julgar.

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