Paulo Rangel: “Insisto. O ar é hoje bem mais respirável do que em 2009 e 2011.”
Ouvem o vento a passar na copa dos arvoredos? Não é um murmúrio, um perpassar, uma brisa; ele uiva e geme, retorce os ramos, atira para o ar folhas soltas, revolteia-as, dobra as árvores.
Ouve-se ao longe o repicar dos sinos, não daquelas badaladas suaves e compassadas que chamam ao dever dominical, mas aquele toque a rebate, ou a finados, que instila um vago alarme, instala um medo idiota, refrigera os ânimos.
Mal conheço o Paulo Rangel. Encontrei-o duas ou três vezes, uma delas num surpreendente debate pré-eleitoral, em 2005, em que lhe vi uma estranha animosidade contra o Governo que o tinha precedido, acusações vagas mas agressivas, que me impressionaram vindas do representante do partido com quem o CDS, de que eu então fazia parte, esteve coligado nesse governo.
Já na altura me pareceu que Paulo Rangel, fresco dos seus seis incipientes meses na Justiça, pensava que era dono dela, o único que podia dizer coisas pensadas e estruturadas… Recordo com particular acuidade o desprezo zeloso com que se referiu aos dois anos e meio de mandato que eu tinha desempenhado. Fiquei surpreendido.
Agora já não: vir alguém dizer – ele – que a Justiça tem hoje um alento e uma coragem que não tinha há quatro anos e meio, insinuando que este governo lhe propiciou o ambiente para que assim fosse, a ponto de prender um ex-primeiro ministro e deter o ex-mais-poderoso-banqueiro do País, já não me surpreende.
Faltava até saber quando é que o PSD (sobre essa matéria o CDS está e tem todo o interesse em estar calado) havia de trazer Sócrates para a campanha. Mas era inevitável que o fizesse. Rangel, paradoxalmente, é um dos mais bem equipados para o fazer: fala de fora, não sendo do Governo e aparenta saber do que fala, relacionando, do ponto de vista sociológico, a Justiça com o ambiente que a rodeia e com a exigência acrescida de prestação de contas que, segundo ele, o povo agora tem.
No entanto, devo dizer que a mim não me convenceu. Convencia-me se o caso BPN, por exemplo, estivesse a ter o devido tratamento; se certos tratantes, ladrões notórios que para aí andam, louvados como excelentes empresários pelo nosso Primeiro-Ministro, tivessem já sido detidos e estivessem a ser rapidamente julgados.
Convencia-me, se os estranhos fluxos financeiros a que deu azo a compra de dois submarinos tivessem sido devidamente investigados e se a visível fraude fiscal, e a mais do que evidente concussão com dinheiros públicos, tivesse merecido dessa Justiça mais do que um desabusado encolher de ombros.
Ao fim e ao cabo, há uma pergunta que me assombra: que estranhas comissões de 30 milhões de euros foram essas, que não constavam de qualquer factura, documento oficial ou contrato e podiam ser livremente distribuídas pelos supostos membros do clã Espirito Santo? Suspeitando toda a gente onde foi parar esse ou parte desse dinheiro, vejo aí uma, como dizer, modorra, inércia, desinteresse, estranhos.
A quantidade de casos estranhos, de desgovernos públicos, de falências fraudulentas que vão ficando para trás, sem que ninguém as investigue ou por elas se interesse, é surpreendente, e mais ainda quando contrastadas com o extraordinário caso Sócrates em que, a partir de indícios de grande generosidade de um amigo, se deduzem crimes horríveis mas inobjectivados, corrupções sabe Deus de quê, fraudes fiscais e lavagens de capitais devidamente acauteladas pelo RERT, como se este não tivesse existido.
Em casos em que há evidência, crime bem definido, imenso prejuízo para o erário público e para os contribuintes, parece não haver nem prova, nem suspeita, nem vontade. Em casos em que se fala de garrafas de vinho (Vistos Gold) ou da munificência de um amigo, zás, toda a severidade da Justiça se abate.
Está hoje o ar mais respirável, deste ponto de vista?
De facto, para quem goste do seu cheirinho a lixo e a enxofre, é capaz de estar. E a arbítrio, já agora…
Talvez convenha marcar esta palavra e introduzi-la no léxico da Justiça, em vez de citar Tito Lívio: «arbítrio». Não lhes faz medo? Então, nada vos faz medo. Porque a seguir assim, não quero nem saber do que se segue.
Já na altura me pareceu que Paulo Rangel, fresco dos seus seis incipientes meses na Justiça, pensava que era dono dela, o único que podia dizer coisas pensadas e estruturadas… Recordo com particular acuidade o desprezo zeloso com que se referiu aos dois anos e meio de mandato que eu tinha desempenhado. Fiquei surpreendido.
Agora já não: vir alguém dizer – ele – que a Justiça tem hoje um alento e uma coragem que não tinha há quatro anos e meio, insinuando que este governo lhe propiciou o ambiente para que assim fosse, a ponto de prender um ex-primeiro ministro e deter o ex-mais-poderoso-banqueiro do País, já não me surpreende.
Faltava até saber quando é que o PSD (sobre essa matéria o CDS está e tem todo o interesse em estar calado) havia de trazer Sócrates para a campanha. Mas era inevitável que o fizesse. Rangel, paradoxalmente, é um dos mais bem equipados para o fazer: fala de fora, não sendo do Governo e aparenta saber do que fala, relacionando, do ponto de vista sociológico, a Justiça com o ambiente que a rodeia e com a exigência acrescida de prestação de contas que, segundo ele, o povo agora tem.
No entanto, devo dizer que a mim não me convenceu. Convencia-me se o caso BPN, por exemplo, estivesse a ter o devido tratamento; se certos tratantes, ladrões notórios que para aí andam, louvados como excelentes empresários pelo nosso Primeiro-Ministro, tivessem já sido detidos e estivessem a ser rapidamente julgados.
Convencia-me, se os estranhos fluxos financeiros a que deu azo a compra de dois submarinos tivessem sido devidamente investigados e se a visível fraude fiscal, e a mais do que evidente concussão com dinheiros públicos, tivesse merecido dessa Justiça mais do que um desabusado encolher de ombros.
Ao fim e ao cabo, há uma pergunta que me assombra: que estranhas comissões de 30 milhões de euros foram essas, que não constavam de qualquer factura, documento oficial ou contrato e podiam ser livremente distribuídas pelos supostos membros do clã Espirito Santo? Suspeitando toda a gente onde foi parar esse ou parte desse dinheiro, vejo aí uma, como dizer, modorra, inércia, desinteresse, estranhos.
A quantidade de casos estranhos, de desgovernos públicos, de falências fraudulentas que vão ficando para trás, sem que ninguém as investigue ou por elas se interesse, é surpreendente, e mais ainda quando contrastadas com o extraordinário caso Sócrates em que, a partir de indícios de grande generosidade de um amigo, se deduzem crimes horríveis mas inobjectivados, corrupções sabe Deus de quê, fraudes fiscais e lavagens de capitais devidamente acauteladas pelo RERT, como se este não tivesse existido.
Em casos em que há evidência, crime bem definido, imenso prejuízo para o erário público e para os contribuintes, parece não haver nem prova, nem suspeita, nem vontade. Em casos em que se fala de garrafas de vinho (Vistos Gold) ou da munificência de um amigo, zás, toda a severidade da Justiça se abate.
Está hoje o ar mais respirável, deste ponto de vista?
De facto, para quem goste do seu cheirinho a lixo e a enxofre, é capaz de estar. E a arbítrio, já agora…
Talvez convenha marcar esta palavra e introduzi-la no léxico da Justiça, em vez de citar Tito Lívio: «arbítrio». Não lhes faz medo? Então, nada vos faz medo. Porque a seguir assim, não quero nem saber do que se segue.
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