segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Euronews: contra o apagão


[Hoje sai, no Público, este meu artigo. Para quem não tenha acesso ao jornal online, aqui fica o texto.]



Ando inquieto com o possível fim da emissão portuguesa do Euronews. Não pode ser. 

Já em 2002-03, o destino desse serviço andou tremido. Nessa altura, agi nalgumas frentes a partir da posição de deputado ao Parlamento Europeu. E, por várias diligências, minhas e doutros, os problemas resolveram-se: o futuro ficou assegurado no que é o figurino actual.

Hoje, a RTP garante o canal por dois instrumentos: um, a quotização como accionista em 338 mil euros anuais, com direitos de utilização integral do Euronews; outro, um contrato de produção em português, no valor de 1,66 milhões de euros por ano. É este acordo que estará em risco com a falada reestruturação da RTP: diz-se que o canal acaba em Janeiro de 2013, com denúncia até Julho de 2012. 

Não pode ser. A lesão aos interesses do português como língua internacional seria de tal ordem que não acredito que isso aconteça. O que está em causa? Três coisas: a nossa língua; a Europa e a ideia que fazemos dela; e o serviço público.

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Em primeiro lugar, a língua. Não podemos dizer que o português é a "terceira língua europeia mais falada no mundo" e, depois, apagá-la por inteiro do ecrã no único canal europeu. O apagão do português do Euronews colocar-nos-ia não na segunda, mas na terceira divisão da competição linguística europeia, atrás, pelo menos, de 12 outras línguas: cairíamos de 3º para 13º.

Imaginemos o Euronews emitindo o Presidente da República a presidir ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, no passado dia 9 de Novembro: falou em português e referiu-se à nossa língua. E imagine-se que nós poderíamos ouvi-lo em inglês, em espanhol, em alemão, em francês, em italiano, em romeno, até em russo, em árabe, em turco ou em farsi, mas... não em português! Quando Cavaco recordou que somos a "terceira língua europeia", qualquer espectador desinformado acharia que estaria a mentir ou a brincar. 

Segundo, a Europa. Que ideia fazemos dela e de Portugal na Europa? Saímos da União Europeia? Já desistimos da Europa? Então que sentido faz que deixássemos desaparecer a nossa língua do único projecto europeu de notícias, transnacional e comum, um canal oficioso da União Europeia? Que sentido faz destruir o uso do português nessa alameda central, quando por aí passam interesses e valores estratégicos da nossa afirmação na Europa e no mundo, bem como da lusofonia e da sua percepção global? O apagão no Euronews ajudaria a afundar-nos na periferia e na irrelevância.

Terceiro, o serviço público. A consolidação global do português como grande língua internacional é, sem dúvida, uma missão de serviço público - e de primeira linha. Está adequadamente confiada à RTP, estação de serviço público. Não é ela que paga, somos nós que pagamos. E pagamos bem através da RTP, porque, sendo do meio, é o instrumento público mais adequado para agir no projecto comum Euronews, dele extraindo todas as virtualidades - o que, de resto, bem pode ser melhorado. Mas qualquer outro organismo (como o sugerido Instituto Camões) ou departamento, que fosse escolhido para canalizar a comparticipação portuguesa, andaria perdido e seria um estranho no meio, porque estrangeiro à arte. Ou seja, a cooperação com o Euronews está muito bem confiada à RTP - tem é que ser bem feita, com exigência, critério e propósito estratégico.

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O Euronews cresceu muito, desde a criação em 1993. Quando da minha última intervenção em 2002-03, já chegava a 125 milhões de lares em 78 países. Hoje, é recebido em 256 milhões de lares em 155 países - duplicou! E há ainda o portal Internet, também em português. Por aqui, avaliamos bem o dano colossal à nossa língua, como língua global, que resultaria do apagão no Euronews. Só o serviço televisivo em português é, hoje, recebido em 98 milhões de lares em todo o mundo. Tem 800 mil espectadores diários só em Portugal, mais do que a CNN, a Sky ou a BBC no cabo. E há, acima de tudo, os países da CPLP e outros a que chega e pode chegar. 

Compreendo o aperto em que o país vive; e as medidas de rigor a que a RTP não é excepção. Apoio isso. Mas não pode dizer-se que, prevendo a RTP dispensar 300 pessoas, não há como manter o Euronews. Decidir o fim deste canal corresponderia a subir os dispensados para 333 - são 33 no canal europeu em português.

A austeridade e o rigor têm que ser compatíveis com a preservação de interesses estratégicos do país. Exige-se essa finura. E a nossa língua, língua internacional de comunicação, é um deles - e dos principais. Por isso, confio no fim da resposta a uma pergunta parlamentar minha: "O Governo, conforme assumido no seu programa, assegurará e privilegiará a difusão da língua portuguesa no mundo, independentemente do medium." 

Importa garantir que a RTP siga no circuito e tentar negociar melhor com a gestão do Euronews e a Comissão Europeia, pondo em cima da mesa os precedentes do espanhol, do árabe ou do farsi. Mas, se isto não se conseguir e for mesmo impossível assegurar a contribuição financeira via RTP, há que buscar alternativas, como a convocação dos operadores de cabo ao financiamento da produção do canal que também distribuem - mesmo repercutindo o custo nos subscritores, só custaria 75 cêntimos por ano por cliente.

Há que evitar um desenlace totalmente inaceitável: o apagão do português do Euronews. Ninguém pode conformar-se com tal destino. Antes pelo contrário: o caminho é a crescente afirmação e circulação da nossa língua como grande língua internacional.

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