O manifesto que Mário Soares e outras figuras da esquerda
democrática ontem divulgaram começa por coisas boas:
- o repúdio da “anarquia financeira internacional”,
- a denúncia de a UE ter acordado tarde – e continua a acordar tarde todas as semanas, acrescento eu – para “a resolução da crise monetária financeira e política”,
- o apelo a “um novo paradigma para a UE”, a referência a um certo lastro comum – europeu, democrático e social, digo eu – das “correntes trabalhistas, socialistas e sociais-democratas adeptas da da 3ª via, bem como a democracia cristã”,
- a vontade de promover a “reconciliação dos cidadãos com a política”,
- a exigência de “clarificar o papel dos poderes públicos e do Estado que deverá estar ao serviço exclusivo do interesse geral”,
- a chamada de que “os obscuros jogos do capital podem fazer desaparecer a própria democracia, como reconheceu a Igreja”,
- a proclamação de que “a UE só se pode fazer e refazer assente na legitimidade e na força da soberania popular e do regular funcionamento das instituições democráticas”.
Está ainda muito bem, de seguida, ao pôr o coração – e a
cabeça também – ao lado dos aflitos: “há
muita gente aflita entre nós: os desempregados desamparados, a velhice digna
ameaçada, os trabalhadores cada vez mais precários, a juventude sem
perspectivas e empurrada para emigrar”.
Até aqui, também eu podia assinar. E, embora tendo já que
chamar a atenção para os últimos anúncios de José Sócrates nesta matéria e para
o memorando com a troika que ele negociou
e assinou, até poderia subscrever ainda a afirmação do manifesto a “denunciar a imposição de uma política de
privatizações a efectuar num calendário adverso e que não percebe que certas
empresas públicas têm uma importância estratégica fundamental para a soberania”
– até não é só por isto, mas tudo bem.
Onde já não assino de
todo é no coração do documento: o protesto final, opondo-se “a políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão,
sufocando a recuperação da economia”. Não é porque eu goste destas
políticas, que não gosto nada. É porque, infelizmente, não podemos fugir a elas.
Graças à política socialista dos últimos anos – desperdício
e endividamento, engorda do Estado e aumento da despesa pública, promoção
contínua de um regime de asfixia tributária sobre as famílias e as empresas, chocante
regabofe das SCUT, negociações esquisitas, PPP e clima de “desbunda” na apropriação
do Estado por interesses particularistas – chegámos a um estado de necessidade
gritante, em que as politicas financeiras duras e de reequilíbrio são
absolutamente inescapáveis. No pior contexto, aliás, diga-se, porque a
consolidação orçamental foi adiada até à pior altura possível.
Foram os socialistas que deixaram as nossas finanças num
estado de desequilíbrio calamitoso, a economia em extrema debilidade e Portugal
altamente vulnerável – depois, o contexto internacional adverso fez o resto. E
tudo piorou porque, na verdade, em matéria de endividamento excessivo, não
fomos só nós a fazê-lo . A UE consentiu e fomentou irresponsavelmente as políticas
de economia botox e finanças com
silicone, que a muitos nos deixou inchados… e falidos. Não é só Portugal a não
ter dinheiro; quase ninguém realmente o tem na nossa Europa.
Por isso, o manifesto Soares & Outros faria bem em
lembrar que os “desemprego e recessão”
e o sufoco da economia vêm da governação José Sócrates, onde, aliás, começaram:
a recessão já vem detrás e, o que eu nunca pensei viver, o desemprego ultrapassou
os dois dígitos (!!!) há muito tempo. Até o corte de remunerações começou com
Sócrates, depois de uma última rodada da Grande Festa Socialista que foi aquele
aumento de 2,9% da função pública, já em plena crise, no ano eleitoral de 2009.
Um escândalo! E bem efémero.
Sem este elementar apontamento de verdade e de mea culpa, reclamando também um “novo paradigma”no rumo do PS e da
esquerda democrática, o manifesto Soares & Outros não soa de todo ao “Novo
Rumo”, que põe em título. Antes apenas a um eco saudoso do Velho Rumo. E isso… não, obrigado!
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