quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Europa: de utopia a pesadelo?


O comentário de há dias atrás de Miguel Sousa Tavares na SIC é um bom ponto de partida. Podia haver vários, tantas têm sido, nos últimos meses, as notícias que adensam o dia-a-dia europeu e os horizontes da União Europeia. Mas este comentário que evoca a Europa como “a maior, a melhor, a mais atraente utopia política” do nosso tempo é um excelente referente. 

Vale a pena ouvi-lo e meditar uns minutos, retendo as suas palavras:


Já em 2009, no final de dois mandatos no Parlamento Europeu, ouvi, nos corredores, um comentário entre jovens que me marcou e nunca mais esqueci: “The EU, what a magnificent concept!” (“A UE, que conceito magnífico!”).

Era um grupo de jovens, multinacional, produto do que chamo a “geração ERASMUS”. Respiravam frescura e optimismo, energia e confiança. Conversavam sobre a União Europeia e, repudiando o clima de crise que, já então, era sensível,  remate unânime da conversa foi aquela interjeição do “magnificent concept” que é esta Europa em construção foi o. 

Este comentário vem-se sempre à memória quando ouço – e corroboro – os comentários constantes sobre as actuais lideranças tacanhas, fechadas ou medíocres, sem a visão e a determinação fundadora de Adenauer, Schuman ou De Gasperi, ou sequer a envergadura de grandes estadistas europeus de Helmut Kohl, Mitterand, Delors, Willy Brandt, Schmidt, Delors. É dramático – e pode tornar-se trágico – que as lideranças actuais, encerradas em pequenas agendas focadas, centradas nos calculismos eleitorais nacionais estão a erodir, desacreditar e desmantelar o processo europeu. E esses calculismos são, aliás, tudo o indica, totalmente inúteis, senão contraproducentes. Fraca gente! 

Pior que isso, atentando contra o presente dos europeus e contra a esperança daqueles jovens, esses líderes destroem e impedem a respiração daquele “sonho europeu” que, à semelhança do tão mítico, quanto espantosamente real “american dream”, é o cimento e a alavanca indispensável para alimentar e construir a Europa contemporânea e do futuro. 

Várias vezes, ao longo do meu último mandato no Parlamento Europeu, vendo emergir preocupações medíocres, falta de visão democrática europeia e lideranças tão pedantes e cheias de si, quanto ausentes de densidade e projecto real, veio-me ao espírito a assombração de que o processo de integração europeia, que começou no rescaldo de uma guerra terrível, pudesse vir a terminar, afinal, noutra. 

Seria uma pesada e terrível ironia da História que a Europa, que laboriosamente se construiu na ressaca da II Grande Guerra e, por isso, se inspirou crucialmente na Paz (além da Liberdade e Prosperidade), viesse a querer provar outra vez essa mesma catástrofe por ter passado a beber de novo exactamente do mesmo veneno: egoísmo e divisão. 

Quando muitos negam, de modo simplista, a simples possibilidade desse risco, eu sempre dizia – e digo: lembrem-se da Jugoslávia. 

A crise da Jugoslávia o que foi, afinal? Foi uma federação supranacional que se desagregou. E a crise da Jugoslávia, como foi? Foi como sabemos. Lembremos que, um ano antes daquela desgraça terrível, que desenterrou à escala própria, os piores horrores de 1939/45, toda a gente desdenhava de que uma só bala pudesse ser disparada entre os que durante décadas tinham vivido em comum. Mas… foi o que foi… 

Ao longo dos dois últimos anos, a assombração jugoslava tem vindo, de modo recorrente, ao meu espírito, diante do agravar contínuo da crise do euro e dos sinais gravíssimos que não cessam de se acumular. Ao mesmo tempo, a pergunta: e, perante isto, o que fazem os dirigentes? Nada!!?? 

Hoje, de manhã, estremeci ao ler o apelo do ministro dos Negócios Estrangeiros polaco. Gostei da gravidade – e sobretudo da oportunidade – do seu apelo. Mas a mesma assombração jugoslava, que me tem inquietado desde há anos, lá aparece. E muito bem. 

A Europa não é somente o “sonho europeu”, que tem que abraçar de novo, sob pena de morrer. Nem é só a Liberdade, ou a Democracia (já doente), ou a Prosperidade (já tão abalada). É também e, diria, sobretudo, a Paz. Importa nunca o esquecer. Sobretudo os que realmente não querem voltar a provar da guerra. 



Está anunciado que a chancelarina alemã, Angela Merkel, fará um importante discurso sobre a Europa na próxima sexta-feira. O que dirá Merkel, desta vez? O egoísmo que tem sido o seu costume, inspirando sempre medidas fracas e retardatárias? Ou, finalmente, um golpe de asa corajoso, ousado e empreendedor, reconstruindo a esperança da Europa, Casa Comum? 

É triste que a Europa que, para tornar a guerra impossível, começou pela inteligência prática de pôr em comum o Carvão e o Aço, as matérias-primas do belicismo, esteja a revisitar os fantasmas negros da guerra por não saber pôr em comum e gerir em comum uma moeda e as suas consequências.

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