Infelizmente, não tenho podido participar nos debates abertos
que o CDS tem organizado sobre a reforma da Administração Local, que foi
anunciada e a que vai proceder-se. Tive pena, em especial, de não ter podido
estar nas sessões de Lisboa, do Porto e do Montijo, que, pelos ecos que recebi,
foram vivas e muito interessantes.
Hoje, estarei num debate no Porto, por ocasião dos 175 anos da freguesia de Lordelo do Ouro, e aí direi pela primeira vez, publicamente, as minhas observações principais neste momento, após o “Documento Verde da Reforma da Administração Local” que, em boa hora, o Governo pôs a debate público, na sequência das obrigações contraídas pelo Estado português no memorando subscrito com a UE e o FMI.
Tenho três observações principais ao Documento Verde:
- Primeira, a Regionalização.
A Regionalização é, porém, uma pendência constitucional e legislativa e a sua paralisação tem encravado e encrava a clarificação definitiva do patamar intermédio da Administração Pública, seja no que é de descentralizar, seja também no que fique apenas na esfera da desconcentração. Aqui, somos “um país adiado” há mais de 35 anos!
A verdade também é que as Regiões Administrativas estão previstas como autarquias locais. Ora, não é correcto avançar-se para uma reforma global da Administração Autárquica, esquecendo essa pendência e saltando ao lado dela – tanto mais que a reforma a empreender deverá potenciar a cooperação e interacção intermunicipal, ou seja, a um nível superior do quadro territorial actual dos Municípios.
O problema agrava-se, ainda, quando pomos em equação a necessidade urgente de dar mais fôlego, consistência e capacidade às Áreas Metropolitanas – sempre adiadas – ou às ainda muito indefinidas Comunidades Intermunicipais.
Não creio que seja possível rearrumar o quadro de competências e redefinir estes quadros territoriais municipais e intermunicipais, sem arrumar de vez a pendência da Regionalização. Ou então repetiremos, na arquitectura do Estado e da Administração Pública, o péssimo hábito das obras dos arruamentos e da praga dos “buracos”: feita a reconstrução de uma avenida e posto um tapete novo de alcatrão, logo vêm, meses depois, e cada um à sua vez, os buracos dos telefones e TV – porque se esqueceram da fibra óptica -, da EDP – porque os cabos de electricidade tinham que ser mudados – e da água – porque era preciso substituir manilhas ou condutas.
Além disso, a estabilização definitiva e duradoura do quadro das circunscrições territoriais intermédias ajuda o avanço coerente de outra reforma anunciada: a revisão da composição parlamentar com a possível reforma também dos círculos eleitorais.
- Segunda, tenho as maiores reservas à ideia dos executivos homogéneos, isto é, de um só partido (ou coligação pré-eleitoral ou pós-eleitoral).
Não é só porque os executivos monocolores são contrários à
tradição municipalista do país e apagam a discussão plural e crítica no próprio
momento das tomadas de decisão. Mas é também porque esse sistema, deslocando
para as Assembleias Municipais a totalidade da discussão contraditória e da
fiscalização, será ineficiente e muito mais caro. Uma reforma nesse sentido
iria favorecer uma deriva nefasta (a que já se assiste, aliás, e deveria ser
contrariada) para a parlamentarização da vida local, replicando em cada
Assembleia Municipal uma mini-Assembleia da República.
Os cidadãos nada ganham com isso. E pagarão o sistema muito
mais caro. A multiplicação das reuniões das Assembleias Municipais aumentará
exponencialmente os custos com senhas de presença e outros gastos, além de que
alguns “deputados municipais” iriam exigir – e, aí, até razoavelmente – a sua
profissionalização, sob pena de não conseguirem desempenhar capazmente as
responsabilidades acrescidas de fiscalização.
Creio que o novo sistema, a definir, deve assegurar o poder claro da maioria – de um só partido vencedor ou da coligação vencedora ou maioritária pós-eleitoral – e estabelecer que só os seus vereadores poderão ter responsabilidades executivas, como é propósito correcto da reforma. Mas, ao mesmo tempo, é importante (e também mais barato) manter a oposição na Câmara, participando com um só vereador por partido, acima de um limiar mínimo de representatividade, e exercendo directamente o contraditório nas reuniões semanais de deliberação da Câmara. E há vários sistemas para o assegurar, sem prejudicar minimamente a coesão, a liderança e a clareza política do Executivo municipal. Quanto às Assembleias Municipais, não deverão ir além da meia dúzia de reuniões anuais que são de lei.
O que defendo, portanto? É simples: nas Câmaras Municipais, homogeneidade sem exclusão.
- Terceira observação: sobre o número de vereadores.
Aí, creio que a reforma prevista no Documento Verde é demasiado tímida. Em muitos casos, apesar da redução proposta, o número de
Vereadores eleitos e daqueles que o seriam a tempo inteiro é ainda, a meu ver,
excessivo e desnecessário, sobretudo num quadro de poder homogéneo como é o da
reforma proposta. Creio, por exemplo, que, nos municípios com menos de 10.000
eleitores, não se justifica a existência de um Vereador a tempo inteiro; basta
o Presidente a tempo inteiro. E penso também, no outro lado, que as Câmaras
Municipais de Lisboa e Porto não precisam de, respectivamente, 6 ou 5
vereadores a tempo inteiro, além do Presidente; bastam 4 em cada uma, para
assegurar uma boa gestão desses municípios, com os directores municipais e
responsáveis de organismos diversos. Similarmente, a todos os níveis do mapa governamental,
são possíveis reduções diversas, levando mais longe a reforma proposta e a inerente
economia estrutural.
Pelos meus cálculos, é possível ter ganhos adicionais muito significativos, reduzindo para 758 o total de vereadores eleitos “homogéneos” (em vez de 1772 hoje, ou de 1152 na reforma proposta) e para apenas 267 o total de vereadores a tempo inteiro, em todo o país (em vez de 836 hoje, ou de 576 na reforma proposta). Mesmo que aditemos os vereadores da oposição, como acima defendo, e que o seriam sempre a tempo parcial para a fiscalização e o contraditório do deliberativo municipal, os ganhos de eficiência e as economias financeiras seriam muito importantes, se soubermos ser ainda um pouco mais ousados. E a Administração Local será também menos palavrosa e mais eficiente.
Este é este um debate que importa aprofundar e levar mais longe. Passado o Orçamento de Estado para 2012, é o debate estrutural mais importante. Todos estamos convocados.
Logo ouvirei as reacções que as minhas ideias suscitarão no debate na cidade do Porto, em Lordelo do Ouro.
3 comentários:
Meu caro amigo, Ribeiro e Castro, as três observações vem na linha do que escrevi já há vários anos, aquando da regionalização e da necessidade dos governos civis, bem como à dois anos aquando das eleições autárquicas, onde alguns Presidentes de Câmaras aproveitaram para nomear mais vereadores a tempo inteiro, à sombra da possíveis transferências de competências do governo para as autarquias, como foi o caso da Batalha, voltei a prenunciar-me em Setembro deste ano na carta aberta no facebook entre outros sites e comentários em diversos jornais, num documento tipo carta aberta ao Primeiro Ministro e Ministro dos Negocio Estrangeiros, ou seja ao actual governo de coligação PSD/PP.
Obviamente que esta é uma reflexão de um homem do CDS/ Democrata Cristão.
Desejo um bom debate.
Um forte abraço
Horácio Moita Francisco
caro José Ribeiro e Castro,
Dada a temática abordada e a qualidade da reflexão, tomei a liberdade de publicar este seu "post", com o respectivo link, no
.
Regionalização
.
Cumprimentos
Honra-me muito.
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