domingo, 28 de julho de 2013

Personagens da crise (8): Florinda e Florindo, os sábios da TV


O facto era já conhecido há algumas décadas. Mas foi a televisão que, nos nossos dias, o consagrou e popularizou.

Quase um século de aturada investigação nas melhores escolas de pensamento das áreas de Ciência Política e Economia Política, com particular incidência no domínio das Finanças Públicas, estabeleceram-no com grande segurança: os ministros ficam particularmente sábios depois de deixarem de o ser. E este facto é particularmente notório e relevante no domínio das Finanças – ou da Fazenda, como antigamente se dizia.

As escolas de Viena, de Londres e de Chicago haviam já consagrado o chamado “PEP - Postulado de Exercício Pretérito”, tendo-o consolidado a partir da observação empírica de casos sucessivos: “independentemente do sucesso ou insucesso da respectiva acção governativa, todo(a) o(a) ministro(a) se torna sábio(a) e absolutamente certeiro(a) depois de cessar funções.” 

A evidência, que as melhores escolas conseguiram recolher e analisar na área das Finanças Públicas, firmou-se como absolutamente sólida e inequívoca. Alguns investigadores chegaram mesmo a propor que o grau de sabedoria póstuma dos ministros varia exactamente na razão inversa do sucesso da respectiva acção ministerial: "quanto maior fosse o fracasso, maior seria a sabedoria resultante; e quanto maior o sucesso, menor o incremento de sabedoria posterior."  Este outro axioma, contudo, também conhecido como o “PSI - Paradoxo da Sabedoria Inversa”, ainda não conheceu o mesmo grau de reconhecimento académico. Mantém-se sob estudo.

Mas foi a moderna cultura mediática que retirou o PEP da mera intimidade universitária, elevando-o à categoria de evidência televisiva. A comentocracia reinante, voraz como ninguém, consome ex-ministros como quem devora pistachos. Não há canal de sinal aberto ou codificado, por cabo ou satélite, que não disponha de uma mão cheia de ex-ministros. E, tratando-se de matérias que têm tanto de obscuras como de atraentes, como os assuntos de dinheiro e finanças, os ex-ministros das Finanças tornaram-se cobiçada presença obrigatória nos écrans.

Florinda e Florindo apareceram assim nas nossas casas. E, com o aprofundar da crise, rapidamente se tornaram celebridades da TV. 

E que bom tem sido! Nunca se vira, nem ouvira, tanta sabedoria junta: o défice resolve-se num instante, os impostos podem ser todos aliviados, a dívida já não atormenta, a despesa deixou de pesar, o crescimento volta quando se quer, a evasão fiscal nunca mais assombra, o investimento público não constitui problema, a Comissão Europeia e o BCE tudo entendem, o FMI é um compincha, a troika não passa de um tigre de papel.

Ouvi-los é uma constante fonte de água fresca. Como outra face da moeda do mesmo PEP - Postulado de Exercício Pretérito, os ministros das Finanças em exercício têm sempre as orelhas a arder e certificado garantido de burros, ignorantes e incompetentes. Mas não se queixem muito: mal saem ou vierem a sair, viram sábios de repente, tanto ou mais que Florinda e Florindo.

Alguns lamentam, todavia, que Florinda e Florindo não tenham aplicado tanta ciência quando exerceram responsabilidades governativas. Poderiam talvez, é certo, ter-nos poupado ao ingresso na crise. Mas que importância tem isso? Se assim tivesse sido, ter-nos-iam furtado o privilégio único de, hoje, podermos usufruir de tamanha sabedoria em directo e ao vivo pela TV.

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