quarta-feira, 5 de março de 2014

O abandono do interior

O último que apague a luz
Segundo a imprensa, o ex-Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, tem palavras fortes a propósito do fecho dos tribunais: «Pinto Monteiro comparou o fecho de serviços no interior do país aos “guetos” criados pelo regime nazi.» E mais adiante: «“Quem vive aqui sabe que as terras do interior estão a morrer”, acrescentou, aconselhando os ministros a fazer “uma incursão pela Beira interior para perceberem isso”. “Não há nenhuma poupança que justifique a deslocação de populações, o encerramento de tribunais onde só já há os tribunais”, defendeu.»

São palavras certeiras. Mas não podemos limitá-las apenas à questão, agora, dos tribunais. Nem ficar pelo lamento ou pelo protesto. É um problema que se arrasta desde há duas décadas, pelo menos: a desertificação do interior, diante da passividade e da impotência do Estado.

Quando, há coisa de um ano, ano e meio, a ministra da Justiça, entre outras matérias do seu pelouro, foi debater também esta contingência com os deputados da maioria, pedi a palavra para chamar a atenção para a necessidade imperativa de uma politica do território: o Estado tem que dizer o que quer do território e manter sempre, em coerência, aquela rede estruturante que é indispensável a uma sua ocupação equilibrada, orientando políticas de repovoamento onde necessário. E afirmei que, sem isto, o Estado limita-se a actuar como espectador passivo, agravando o problema em vez de o sanar: fecham os quartéis, fecham os correios, fecham as escolas, fecham as finanças, fecham as urgências, fecham os tribunais... até ao zero.

O problema não é deste ou daquele ministério, mas de todos no seu conjunto - um problema de governo, um problema de política geral, um problema dos partidos.

Na passada sexta-feira, na Assembleia Municipal de Odemira, onde se discutiu o mesmo problema (nalgumas áreas, Odemira vai passar a ter que ir ao tribunal a 100 km de distância!...), fiz uma intervenção com um apelo no mesmo sentido: que, indo além do protesto, os partidos - todos os partidos - saibam fazer subir na sua agenda a questão da política do território. Sem isso... nada feito.

Sei do que falo. Quando fui Presidente do CDS, em 2005/07, procurei puxar por esta agenda. Tinha sensibilidade para um problema que conhecia e que, nessa altura, já era muito sensível. Além da "Aliança do Mundo Rural" (que veio a ter alguma continuidade), organizei o que chamei as "Jornadas do Interior". Fiz três sessões destas: em Bragança, em Castelo Branco e em Portalegre. Esse esforço foi deixado sozinho (alguns sabotaram-no até); e, depois, não teve qualquer continuidade. Procurava alertar para a seriedade da questão da desertificação e para a insuficiência dos instrumentos existentes para lhe fazer face, ao mesmo tempo que congregar a solidariedade transpartidária na faixa longitudinal Bragança/Guarda/Castelo Branco/Portalegre/Margem Esquerda/Alcoutim, bem como de outras regiões que chamo "o interior do interior": por exemplo, Arouca, Oliveira do Hospital, outros concelhos assim. A receptividade local até era grande e crescente. Mas, depois, não houve qualquer continuidade.

Ora. ou se faz isso com continuidade e consistência, ou o plano inclinado da desertificação continua - e cada vez mais íngreme. Com protestos, mas sem que ninguém faça realmente nada.

Tudo pode acabar do modo para que eu advertia a abrir cada uma das sessões das "Jornadas do Interior": um dia, o governo nomeará o último que lá irá apagar a luz. 

Há zonas do país em que já só falta isso. E muitas aldeias onde isso já aconteceu.

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