Transcrevo o texto escrito pelo Contra-Almirante Engenheiro Construtor Naval
Victor Gonçalves de Brito, publicado inicialmente, no passado dia 24 de Março, no
blog A Voz da Abita (na Reforma):
EM MEMÓRIA DE FERNANDO RIBEIRO E CASTRO
Depois da doença ter vencido a vontade indomável de viver do Fernando Ribeiro e Castro, sinto o dever moral de testemunhar a grandeza e o mérito de tão ilustre Camarada e Colega de profissão.
Com o seu falecimento, a comunicação social assinalou a actividade do Fernando Ribeiro e Castro (FRC) como fundador e principal dinamizador da acção cívica da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas.
O meu testemunho cinge-se às actividades profissionais do FRC como oficial de Marinha e, mais recentemente, como Secretário-Geral do Fórum Empresarial da Economia do Mar.
Com diferença de 5 anos no ingresso na Armada, conheci episodicamente o FRC em 1973, quando regressei de comissão no Ultramar e “estagiei” algumas semanas na Escola Naval quando ele era o “penico” do curso mais antigo. Notava-se claramente que era um líder carismático e uma personalidade forte e de referência.
Mais tarde, em conversa com um camarada de curso, Comandante de Navio Patrulha em Angola onde o FRC era Oficial Imediato, ouvi rasgados elogios à sua acção, pela sua dinâmica, iniciativa e liderança.
Regressado do MIT, em 1979, transitando da Classe de Martinha para a de Engenheiros Construtores Navais, o FRC rendeu-me na então 3ª Repartição da Direcção do Serviço de Manutenção, como Chefe da Secção Técnica de Estruturas, onde deu continuidade a um projecto, por mim desenhado e iniciado, de conservação estrutural das querenas dos navios da Armada, que terminou uma longa saga de problemas com as pinturas das obras vivas dos navios – assunto recorrentemente objecto de conversa entre os ECN mais antigos na antiga Inspecção das Construções Navais (a quem era cometida responsabilidade da gestão das docagens dos navios da Armada, onde o problema das tintas para as obras vivas era sempre atribuído ao mais moderno como assunto menor, insolúvel).
Posteriormente, o FRC prestou provas e assumiu funções docentes na Escola Naval (EN). Nesse período, no exercício de profissão liberal, executou o primeiro anteprojecto de alteração do “Creoula”, para adaptação a “navio de treino de mar”, quando o navio ainda estava sob tutela da Secretaria de Estado das Pescas.
Ainda como docente da EN, num período crítico e frágil da Direcção-Geral do Material Naval e do seu Gabinete de Estudos, o FRC foi pessoalmente incumbido pelo VAlm VCEMA de iniciar o projecto básico da Lanchas Costeiras, do que posteriormente seria a Classe “Argos”.
Entretanto o FRC transitou para o Arsenal do Alfeite (AA) e “arrastou” consigo esse projecto que foi assumido em pleno e concretizado. As lanchas permanecem ao serviço da Armada, julgo que com satisfação generalizada.
No período em que o FRC desempenhou funções de Chefe da Divisão de Projectos do AA, pude verificar a sua elevada dinâmica, determinação e capacidade intelectual. Para além do desenvolvimento do projecto das “Argos”, em especial com os esforços numa solução para a concepção e concretização do embarque/desembarque rápido e seguro da embarcação semi-rígida, que ainda hoje deve ser a única solução viabilizada em navios de pequenas dimensões (recordo-me, a propósito, das prelecções recorrentes a propósito de “Inovação” a que estamos sujeitos no dia-a-dia), recordo todas as iniciativas da altura no sentido de viabilizar novos projectos que por uma ou outra razão não se concretizaram (recordo em particular o projecto de um navio patrulha oceânico para a Argentina e do navio hidro-oceanográfico ALBA – sigla de junção do AA com a Empresa Nacional BAZAN). Dos projectos concretizados posteriormente recordo o das lanchas de fiscalização para República da Guiné-Bissau.
Recordo também o entusiasmo e empenho do FRC na transição da informática do AA da esfera financeira (a época da mecanografia) para a área técnica, percursora da criação do SIAGIP, sistema de informação de gestão da produção com características avançadas, que muito beneficiou o funcionamento do AA e que nunca foi devidamente valorizado fora do estaleiro.
Na realidade, o FRC, no AA, confirmou que era um entusiasta lúcido e interveniente, isto é, não se limitava a apoiar – nunca se negava a novos desafios e empenhava-se ao máximo nos projectos que lhe eram cometidos.
As circunstâncias práticas da vida e as limitações dos vencimentos no Estado levaram-no a pedir a passagem à situação de reserva, o que não lhe foi concedido, devido a uma daquelas decisões – “agora é que vamos pôr isto no são” – que morrem cedo. O FRC, como Capitão-de-Fragata ECN, foi obrigado, juntamente com mais dois ou três camaradas, a requerer o abate ao efectivo da Armada. Recordo, com muita tristeza que, na altura, um justo louvor militar do Administrador do Arsenal do Alfeite não foi superiormente avocado, inviabilizado o que em condições normais levaria a uma justíssima concessão de medalha de serviços distintos. As decisões ficam na consciência de quem as aconselha e de quem as toma.
Depois de quase duas décadas de actividade fora do meio naval e marítimo, foi com satisfação que o vi contratado para Secretário-Geral do Fórum Empresarial da Economia do Mar (FEEM), onde novamente a sua inteligência, natural empatia, empenho e determinação, foram postos ao serviço das actividades marítimas, agora num âmbito alargado ao todo nacional. A acção do FRC no FEEM foi e tem sido publicamente reconhecida nestes últimos tempos.
Como Secretário-Geral do FEEM, nunca se furtou a divulgar as oportunidades de actuação nos assuntos do mar e a diligenciar por demover as barreiras burocráticas existentes que dificultavam novos projectos e iniciativas. Aceitava todos os convites para divulgar a mensagem do aproveitamento económico do mar, por vezes, no último ano, com grande sacrifício físico, embora sempre com grande entusiasmo e minimizando os efeitos da doença.
Já com a saúde muitíssimo debilitada, reuni-me com o FRC por sua convocação como SG do FEEM, no dia 13 de Março. Ficou-me na memória a frase: “o médico quer que eu pare de trabalhar – eu disse-lhe que tinha de mudar o discurso, pois eu continuaria a trabalhar”. Nunca mais o vi, embora ainda tivéssemos trocado mails de circunstância.
Este é o meu testemunho sentido sobre uma vertente de actuação de um Homem cujo falecimento muito lamento. Ninguém será perfeito e sobre o FRC haverá por certo quem tenha opiniões menos abonatórias.
Mas para mim foi das pessoas que mais me marcaram, pela sua humanidade, apego à família, brilhantismo intelectual, simplicidade, desprendimento, determinação e entusiasmo por causas.
Por estar impedido fora de Lisboa não pude estar presente nas cerimónias fúnebres, o que muito lamentei. Mas não quero deixar de testemunhar o meu apreço e homenagear quem, com o seu passamento, muita falta faz.
Lisboa, 24 de Março de 2014
Victor Gonçalves de Brito
CAlm ECN (ref)
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Cadete (1969) |
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Aspirante (1970) |
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2º Tenente (1980) |
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2º Tenente (1980) |
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1º Tenente (1981) |
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Capitão-Tenente (1983) |
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Capitão-de-Fragata (1987) |
1 comentário:
Durante tantos anos, sempre que Jose Ribeiro e Castro surgia na televisão, eu chamava os meus filhos pequenos, para lhes mostrar, com uma pontinha de orgulho, o homem que tinha sido Imediato no navio da Armada onde servi, o NRP Rovuma, P1143.
A fotografia de Fernando, publicada neste post, mostra-me que confundi os irmãos, confusão perdoável entre dois homens parecidos, inteligentes, desenvoltos no discurso e íntegros de carácter.
E era assim o Fernando, Segundo Tenente da Armada, Imediato do Rovuma, líder estimado de uma guarnição. Estimado e respeitado, apesar da juventude de todos e dele próprio , pela disciplina que impunha e pelo sentido de humanismo e justica que guiavam as suas decisões. Manter a moral a bordo, com uma guarniçao maioritariamente jovem confinada a um espaço exíguo, semanas a fio sem avistar terra, tendo por companhia peixes voadores e mar de proa, exige qualidades de lideranca que poucas pessoas possuem. O Fernando tinha essas qualidades.
Tantos episódios que guardo na memoria, da forma exímia como atracava o navio “à primeira”, ou de como competia com as orcas nos mares de Moçâmedes, interpondo-se entre elas e os pescadores de atum, afastando-as da rota desses barcos frágeis. Ou de como era o primeiro em prontidão, nas madrugadas em que o infurtúnio de outros, exigia a saída imidiata para accões de busca e salvamento na nossa costa ocidental.
Mas a imagem que permanece límpida na minha memória, é a de um jovem oficial da Armada, fardado a rigor, com um filho ao colo subindo o portaló, acompanhado de uma mulher lindíssima, a que sempre o esperava a cada regresso. Uma imagem de comunhão, irradiando felicidade, como se uma aura especial envolvesse a ambos, tornando impossível esconder dos demais. Bom prenúncio do que viriam a ser as vidas de Fernando e Leonor.
Morreu o meu Imediato, um homem estimado entre Filhos da Escola. Também eu estou de luto
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