2035 - a fila para a sopa
Nem vou perder muito tempo com o
tipo de criticas que foram dirigidas ao célebre manifesto sobre a
reestruturação da divida.
Na maior parte dos casos, essas critticas parecem
encomendas de um poder aborrecido por haver quem se atreva a pensar pela sua
própria cabeça.
Quando as criticas são intuitu
personae tornam-se apenas grosseiras.
Aquilo que quero comentar é a
oportunidade e a substância do manifesto.
Quanto à oportunidade, uma questão das que mais criticas mereceu, ocorre-me
o seguinte: «se não agora, quando?». De facto, neste momento ainda estamos sob
intervenção e a forma de sair do Programa de Ajustamento [eufemismo] está sob
discussão. Cito aqui o Economist desta semana, que considera que Portugal teria
necessidade de um programa cautelar, mas que não vai tê-lo – o que é do dominio
público – porque a tanto se opõe a Alemanha.
Não é dificil de ver que discutir
qualquer espécie de discussão sobre reestruturação da divida depois de sair-mos do programa, é
seguramente mais dificil do que discutir isso agora.
A questão que se coloca é
precisamente a de saber que rumo vai o País tomar depois de sair do ajustamento
[eufemismo]. A questão do “rumo” a tomar é mesmo a mais decisiva com que
Portugal se confronta, e um Governo que se preze tem de a encarar de frente e
tomar posição sobre ela.
Vem aqui a questão da substância: a discussão à volta do tema
«é possível pagar a divida ou não?», parece-me de todo inócua. Há dias ouvia
Vitor Bento na TSF a dizer (com a habitual clareza e concisão) que essa questão não era decisiva, porque
nenhuma divida é paga , sendo paga ao tostão: o que os governos fazem é o roll
over da divida. Necessário é que por conta de juros e mais deficites, a divida
não se avolume.
É uma visão financeira da
questão. Daqui decorre que a divida seria sempre possível de ser paga. Essa é a
posição do governo.
O que não entra aqui em conta são
os custos sociais e politicos do pagamento da divida. Talvez a História ajude:
depois da Iª Guerra Mundial, a Alemanha ficou sobrecarregada com uma divida brutal.
O encargo dessa divida e a mesquinhez dos credores conduziu quase em linha
recta à IIª Guerra Mundial.
Bem que o Keynes avisou, mas deve
ter havido uns «maduros» e uns «moedas» que acharam que ele só estava a pensar
na sua própria pensão, ou coisa que o valha.
Apesar de tudo, o que então
estava em causa, há 94 anos, era o perdão parcial ou total da divida alemã.
O manifesto parte do princípio de
que a divida é para pagar. Mas
reconhece que o seu pagamento constituirá um encargo extremamente violento e um
ónus brutal sobre gerações de portugueses. Para mais, boa parte da divida está
colocada no estrangeiro, e logo, o seu encargo é um dreno permanente na balança
de pagamentos nacional.
Acresce que a divida não é um
plano de pagamentos linear, tem flats e vagalhões, e implica uma gestão por
vezes muito apertada das finanças públicas.
Daí que a ideia, de pura gestão
financeira, de consolidar a divida acima de 60% do PIB em 40 anualidades
iguais, com juros calculados com um curto spead sobre a taxa básica do BCE não
seja nem descabida, nem irrealista.
Esta ideia pressupõe duas coisas:
1ª que o Estado Português terá
de manter a partir de 2015 um saldo orçamental positivo, incluindo os encargos
da divida, de forma a poder amortizar a divida abaixo dos 60%.
2ª que o imenso esforço de
contenção orçamental que isto implica, implica uma verdadeira reforma das
funções do Estado, de forma a garantir que as suas obrigações básicas perante
os cidadãos serão cumpridas ao longo deste ciclo de pagamento de divida.
O que pode ser feito para chegar
aqui?
Desde logo, encontrar no quadro
europeu uma fórmula de assunção da «divida excessiva» (acima dos 60%) pelos
mecanismos europeus de intervenção financeira. É para isso que existem.
Neste âmbito, podem ser
encontrados vários mecanismos em que ninguem fique a perder e Portugal fique
numa situação muito mais sólida.
O nosso País já provou que pode
ultrapassar a sua circunstância. O esforço nem sequer está a meio, está no
início. O momento de encontrar um road
map para o futuro é agora.
Esta discussão vai dominar a vida
nacional ao longo dos próximos anos porque o peso insuportável da divida nos
vai subjugar ao longo dos próximos anos.
Evitar esta discussão é o caminho
dos imbecis e dos cobardes. Evitá-la quando pode ser útil e não meramente
académica, é o caminho dos calculistas da pequena politica, que nos trouxe até aqui,
aliás.
Um estadista entenderá que chegar
a 2035 com o País exangue e envelhecido, pobre e sem horizontes, mas com a
divida paga, não é um caminho, é um atalho para a desgraça.
1 comentário:
Excelente texto, caro JLMC. Partilharei com óbvia menção da fonte no
www.memoriaspoliticas.blogs.sapo.pt
Abraço.
João Pedro Dias
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