sábado, 21 de fevereiro de 2015

A paz grega


Agora, que acabou a dança negocial entre o novo governo grego e as autoridades europeias, é que chegou o tempo de balanço.

Primeiro, uma saudação: ainda bem que houve acordo. O acordo parece equilibrado, como ressalta da síntese apresentada pela RR: Os cinco pontos do acordo entre Grécia e instituições europeias.

Depois, uma previsão quanto à "comentocracia" reinante: do lado das agendas alinhadas, cada um, conforme o seu lado, procurará sublinhar ora que foram os gregos que triunfaram ("viva a coragem do Syriza que desafiou e venceu os eurocratas!"), ora que foi o governo grego que recuou em toda a linha num remake do que acontecera já com François Hollande em França ("a Europa não é para irresponsáveis e a Grécia também teve que entrar na linha"). Quanto aos ministros gregos, procurarão naturalmente exaltar uma "vitória", pois têm que se justificar perante os seus eleitores; e, em países com eleições à porta, como Espanha e Portugal, as oposições também irão "syrizar" em abundância, mostrando-se mais gregos do que os gregos, na crença de que assim entalam os seus governos nacionais. 

É a tudo isso que já estamos a assistir, como a RR ilustra neste breve apanhado: Reacções ao acordo do Eurogrupo com a Grécia. Ou neste artigo de opinião de Paulo Ferreira, no OBSERVADOR: A Grécia cedeu. A zona euro ganhou. E para uma melhor compreensão de tudo o que se passou, temos também este interessante balanço no mesmo OBSERVADOR: Acordo? Onde houve fumo branco e onde houve fumo cinzento. Tudo elementos importantes de ponderação e análise para formarmos a nossa própria opinião. 

A minha previsão final, porém, é acabarmos por chegar a um armistício dos "comentocratas" e tudo se saldará pela fórmula que faz as delícias da tecnocracia: foi uma solução win/win, isto é, ambos ganharam, ninguém perdeu. Maravilha. Há palavras para tudo.

Por cá, as orquestras, ecoando os interesses e sopros da oposição, já começaram a tocar contra o Governo português, colocando-os do lado dos "maus", assim como se todos os outros fossem os "bons". É o caso do PÚBLICO: Em Atenas diz-se que Portugal e Espanha foram os que mais dificultaram o acordo. Também do DN: Lisboa e Madrid exigem conhecer compromissos assumidos por Atenas. E o enredo aparece também mais explicado no OBSERVADOR: Governo português fez pressão para exigir mais à Grécia, não discordou das conclusões – fonte do Governo.

Estas "leituras" parecem, à partida, demasiado ridículas, quando todos conhecemos as posições sempre assumidas pelo Presidente do eurogrupo, o socialista holandês Jeroen Dijsselbloem, as constantes advertências fortes dos alemães, o facto de em cima da hora a Eslováquia e a Estónia terem aparecido publicamente a empurrar a Grécia para fora do euro e as resistências habituais da Holanda e da Finlândia. Há também um relato mais desenvolvido pelo EL MUNDO - Las casi 10 largas horas para salvar el euro - que ajuda a compreender o filme do dia, a ser verdade o que aí se conta. A certa altura da reunião, ainda numa fase precoce, haveria, sob batuta de Dijsselbloem e da Alemanha, um grupo de "falcões" que o jornal não identifica na íntegra - é de presumir que o espanhol De Guindos também aí estivesse, até porque é o próximo candidato a liderar o eurogrupo. Acrescenta o jornal, que aos "falcões" se juntaram, a seguir, Finlândia, Holanda, Eslováquia, Estónia, Bélgica e Portugal, assim como logo depois (ora, vejam lá...) o ministro austríaco, que tinha sido apresentado como "amigo" do governo grego. É apenas, já com a reunião quase a terminar, que o jornal conta: «Grecia deja caer que España y Portugal están bloqueando el posible acuerdo. Fuerte malestar entre los helenos.» O que cheira bastante a jogos partidários do Syriza com os amigos do Podemos e do BE. O baile do dia já estava a acabar. E bem. 

Seja como for, feito o acordo, resta agora o fundamental: o futuro.

O problema da Grécia é nunca ter cumprido um acordo. Desde ainda o governo Papandreu e o primeiro resgate que os gregos nunca conseguiram cumprir. Por isso, tiveram de passar do primeiro ao segundo resgate; e estavam à beira do terceiro. E, pelo meio, tiveram vários acertos excepcionais, incluindo a tal salvadora "reestruturação" da dívida, com um substancial perdão parcial. Se a credibilidade inicial já era baixa, foi-se deteriorando e perdendo cada vez mais. Com os extremistas na rua, as resistências várias instaladas e governos fracos, a Grécia nunca cumpriu e, assim, se foi afundando consecutivamente e caindo no completo descrédito. 

Essa é a principal diferença com a Irlanda e Portugal que também tiveram que receber a troika. Irlanda e Portugal cumpriram.

Compreende-se, por isso, o cepticismo de alguns, havendo quem exteriorize que "fé na Grécia é quase zero". O novo Governo grego tem que provar que é diferente dos anteriores e que, desta vez, cumpre aquilo que acorda e assina. Senão...

Pelo meu lado, não vou dizer se tenho fé ou não tenho fé, que é coisa que aqui interessa muito pouco. Mas, sim, tenho esperança de que, agora, os gregos consigam cumprir e acertar o passo com todos. Saído progressivamente da rua para o Governo, pode ser que o Syriza consiga e mostre aquilo onde os velhos partidos do "sistema" fracassaram.

Essa era também a linha do último artigo no DN de João César das Neves, cuja leitura atenta recomendo vivamente: O partido que é quinta-feira. Ele mostra também como a vitória do Syriza foi recebida por muita gente, em Portugal e na Europa com expectativa positiva, em coerência, aliás, com o facto de que os 35% votos syrizianos não são obviamente votos de extrema-esquerda, mas de cansaço, saturação e esperança.

O sistema partidário grego implodiu pela corrupção e incompetência generalizadas dos partidos tradicionais dominantes: a Nova Democracia, à direita, e o PASOK socialista, à esquerda. 

Já aqui ecoei noutro post, a esperança expressa na The Economist: «He [Alexis Tsipras] has sound ideas on attacking corruption, fighting tax evasion and shaking up Greece’s cosy business elite.» Ou seja: atacar a corrupção reinante, combater a enorme, escandalosa evasão fiscal e sacudir a sério a cleptocracia grega, que se aproveitou enquanto levava o país à ruína.

Partidariamente, também lamento que a Grécia tenha chegado ao Syriza. Mas a verdade é que a sua vitória tem o seu quê de moral, representando a "débacle" do PASOK e da Nova Democracia, que roubaram e deixaram roubar, albrabaram e arruinaram a Grécia, desde o Papandreu (pai) a Papandreu (filho), passando por Simitis e por Karamanlis, à direira. O último primeiro-mitro de centro-direita, Samaras, coitado, já só pôde apanhar os cacos... O que a Nova Democracia fez de 2004 a 2007, depois de ter recebido uma situação caótica do PASOK, não tem explicação, nem desculpa possível. Tudo com o Eurostat a ver e, ao que parece, a Goldman Sachs a assessorar. Foi assim que chagámos ao Syriza, aos "Gregos Independentes" e... à "Aurora Dourada".

Há semanas, na enorme manifestação de Madrid do espanhol "Podemos", a televisão mostrava uma senhora que gritava: «¡Sólo queremos políticos honrados!» Essa senhora parecia-me mais a minha mãe do que a Catarina Martins ou a Ana Drago. 

Enquanto a direita e a esquerda tradicionais e, na Europa, os PPE e PSE não denunciarem e enxotarem os centros de corrupção que consentiram (ou alimentaram) no seu seio, não vamos lá. Houve, de facto, uma cleptocracia que deu as mãos ao euro de maneira vergonhosa e absolutamente decadente. Ou será que não vemos? Nem lemos?

O Syriza tem, agora, o seu teste, o seu momento de verdade. Como nós continuamos com ele e Espanha também. É que os problemas não estão resolvidos. Estamos a caminho disso, mas ainda não chegámos lá.

Retomo o final do artigo de João César das Neves, para que remeti há pouco:
«O verdadeiro problema da Grécia, como aliás de Portugal, é construir um Estado que se consiga sustentar sem recorrer a estrangeiros. Estes, que há décadas sucessivamente canalizam milhões para os países, começam finalmente a perder a paciência. Porque a crise de 2015 não é a primeira, nem a décima vez que a Grécia viola os acordos, pedindo nova ajuda para finalmente resolver a situação, sem de facto nunca chegar a fazê-lo. 
Esta vez será diferente? O Syriza tem a enorme vantagem de apresentar caras e ideias novas para enfrentar o velho problema. Assim se deixe de poesias e encare com seriedade o drama grego.»
Quanto ao nosso governo, o que tem de fazer é defender bem os interesses de Portugal. Proteger o trabalho feito, para que os frutos não sejam deitados fora. Trabalhar em conjunto com o eurogrupo, pela estabilidade da zona euro. E, tal como irlandeses e espanhóis, espreitar as oportunidades de flexibilização que possam surgir e não comprometam a consolidação financeira e a recuperação económica. É o que já fez no passado, aquando de outros momentos de reavaliação global. Agora, de novo. Havendo sempre que ter presente que o Governo de Portugal é dos portugueses, não dos gregos. 

O que se passou, então, em Bruxelas, noutras capitais e em Atenas, por estas semanas e ontem de novo? Lembram-se da dança de Zorba? Foi o que foi. 

Mas tem de acabar. Agora, é fazer.

A Dança de Zorba (Syrtaki) - Jakub Zajaczkowski

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