quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Os empresários, a economia e a democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Os últimos 15 anos, marcados pelo insucesso económico subsequente à entrada de Portugal na moeda única, foram o espelho de vicissitudes com importantes consequências políticas

Os empresários, a economia e a democracia 
A luta pela sustentabilidade económica de Portugal acompanhou desde sempre os quase 900 anos da história do nosso país.

Pelo menos desde o triunfo da revolução liberal, em 1835, as empresas e os empresários têm um papel determinante na luta quotidiana pela estabilidade e pelo progresso económico-social do país.

Ora os últimos 15 anos, profundamente marcados pelo insucesso económico subsequente à entrada de Portugal na moeda única, o euro, foram bem o espelho dessas vicissitudes, com importantes consequências políticas.

Após o pedido de assistência financeira, que o governo socialista de José Sócrates se viu obrigado a fazer à troika em Maio de 2011, os empresários portugueses destacaram-se perante a opinião pública como elementos decisivos para a sobrevivência económica de Portugal. Pelas melhores e pelas piores razões.

Pelas piores razões, porque algumas das grandes empresas portuguesas, nomeadamente das áreas dos bens não transaccionáveis, haviam estabelecido, desde meados dos anos 90 do século passado, uma teia de interesses com ligações transversais a muitos elementos da classe política que em muito contribuíam para o respectivo sucesso e lucros. Foi o apogeu do "capitalismo decretino", assim designado porque se trata de um "capitalismo" em que o sucesso empresarial em muito dependia dos decretos-lei e outros diplomas governamentais.

E foi o "sucesso empresarial" assim conseguido que contribuiu directamente para a "catastroika" e para a quase bancarrota de 2011. Num contributo negativo a que desgraçadamente se vieram juntar alguns empresários da banca privada.

Mas outros empresários portugueses também se vieram a salientar pelas melhores razões, porque em 2012, 2013 e 2014 foram as suas empresas, nomeadamente as exportadoras e as produtoras de bens e serviços directamente transaccionáveis que conseguiram produzir, exportar e competir nos mercados interno e externo, apesar de não terem beneficiado da desvalorização acentuada da moeda que ocorrera nos dois anteriores ajustamentos tutelados pelo FMI. E de, além disso, terem tido de enfrentar o garrote fiscal destinado a alimentar a estrutura de um Estado desmesuradamente consumidor de recursos.

Ou seja, por um lado foram alguns empresários os heróis da salvação económica de Portugal nos últimos quatro anos, e assim apresentados perante a opinião pública, por outro lado foram outros empresários que haviam sido os carrascos da nossa economia e contribuíram para que ela tivesse necessitado da intervenção da troika.

O drama que enfrentamos para o futuro é que os empresários cujo espírito de iniciativa independente do Estado, e cujas qualidades de trabalho e de promoção social pela dinâmica empresarial foram os heróis dos últimos anos não são os que mais têm influenciado o actual sistema político.

Pelo contrário, são estes os empresários que estão afastados da partidocracia e sofrem com uma certa actuação jacobina do Estado, sempre pronta a criar entraves, que muitas vezes se transformam num verdadeiro terrorismo burocrático, que lhes consome tempo e recursos que deviam ser canalizados para aumentar a competitividade e fomentar a criação de emprego.

São exactamente estes empresários os fundamentais para regenerar o actual sistema político, muito em especial para que ele possa adquirir uma perspectiva estratégica do desenvolvimento económico e social do país.

É integrando de forma activa o melhor do espírito empresarial, que inclui competência, imaginação e persistência, num novo regime democrático mais participativo, exigente e escrutinado, que poderemos criar as condições para que a participação de Portugal no euro possa vir a ser um sucesso em termos económicos.

Ou seja, que essa profunda reforma do regime democrático o torne de facto finalmente compatível com uma economia portuguesa auto-sustentável.
CLEMENTE PEDRO NUNES
Professor do Instituto Superior Técnico
subscritor do Manifesto "Por Uma Democracia de Qualidade"

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