segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O falso indeciso


Conheci João Salgueiro em 1981/82. Era ministro de Estado e das Finanças e do Plano. Eu era um jovem secretário de Estado na Presidência do Conselho de Ministros. Estávamos no último Governo da AD, o segundo Governo Balsemão. As coisas não eram já tão sólidas como a onda de entusiasmo que atravessara e contagiara o país, quando a Aliança Democrática se apresentou - e ganhou, duas vezes, em 1979 e 1980, com maioria absoluta saída do voto popular directo. Tinha, entretanto, acontecido Camarate e Sá Carneiro tinha morrido. A AD passara de um cimento comum a mera coligação de partidos. Dava sinais de fragilidade e desagregação, quer dentro do maior partido, quer entre os partidos. Viria a cair por causa disso. E essa fragilidade e quebra de coesão afectou também, inevitavelmente, a condução das políticas financeiras e económicas do Governo, quando Portugal enfrentava um quadro crítico e difícil. A AD viria acabar por causa dessa falta de coesão, pós-Camarate. E, poucos meses depois, o FMI desembarcava pela segunda vez em Portugal.

João Salgueiro era já uma figura bem conhecida das elites económicas do país e um político com sólida formação e experiência em economia e finanças. Estava, então, na casa dos 40 anos. Era respeitado. Mas tinham-lhe construído uma imagem de "indeciso". Posso testemunhar exactamente o contrário. Conversámos algumas vezes sobre os problemas dessa altura: o aperto do défice e do endividamento - tinha que ser...  "Défice" e "endividamento", onde é que já ouvimos isto? Trabalhei algumas vezes com ele, preparando operações sobre a opinião pública a respeito da difícil situação do país. E pude verificar não só o acerto e o rigor do seu diagnóstico, mas a determinação e clareza das suas propostas e intervenções sucessivas no Conselho de Ministros. Os indecisos foram outros.

João Salgueiro é licenciado em Economia, pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, e pós-graduado em Planeamento Económico e Contabilidade Pública, pelo Instituto de Estudos Sociais de Haia. 

A sua actividade profissional foi sobretudo no sector bancário, desde que começou como técnico do Banco de Fomento Nacional até presidente dos Conselhos de Administração do Banco de Fomento Nacional e da Caixa Geral de Depósitos. Foi também vice-governador do Banco de Portugal e, durante vários anos, presidente da Associação de Bancos Portugueses.

Na vida cívica e política, presidiu à JUC - Juventude Universitária Católica e participou na fundação da SEDES, que desempenhou um importantíssimo papel no período da chamada "Primavera Marcelista". Foi brevemente Subsecretário de Estado do Planeamento, no primeiro Governo de Marcelo Caetano, de 1969 a 1971, afastando-se nesta altura. Foi Director Central de Planeamento e, depois do 25 de Abril, aderiu ao Partido Social Democrata, de que poderia ter sido eleito presidente, em 1985, não fora a célebre rodagem de um Citroën no Congresso da Figueira da Foz. Mas isso são outras histórias... Foi, como referi de início, ministro de Estado, das Finanças e do Plano do VIII Governo Constitucional, de Pinto Balsemão, entre 1981 e 1983. 

Hoje, se as minhas fontes não me enganam, é membro do Conselho Económico e Social, vogal do Fundo de Garantia de Depósitos e colaborador da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde rege o Seminário de Economia Europeia.

Vem, hoje, ao ciclo POLÍTICA E PENSAMENTO: A VOZ DOS LIVROS para nos falar do livro de Jacques Attali, «Estaremos Todos Falidos Dentro de Dez Anos?» Em certo sentido, volto aos tempos em que conheci João Salgueiro. Já então (1982), nos atormentava o défice e o endividamento. Mas, grave e difícil que era a situação do pais, tudo parece uma brincadeira de crianças, hoje, a esta distância, quando comparamos isso com o tsunami actual da crise das dívidas soberanas a que Attali apontou o dedo e este pântano da eurolândia a que vamos assistindo - e, infelizmente, não só assistindo.

Se quiser, apareça, logo ao fim da tarde, na Livraria Férin. É o tema do momento.

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