O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»
A resposta realmente está errada: quem ousou entrar nas cavernas por desvendar e nos tectos negros do fim do mundo do endividamento e do deficit foi António Guterres, o homem que conspirava nos sótãos do Rato e na respectiva capela.
Em Outubro de
1995 Guterres e os socialistas antecipavam um crescimento económico de 3% ao
ano, em média, na década seguinte e basearam nisso a sua estratégia de
conquista e manutenção do poder.
Ao longo dos
seis anos de poder socialista, entre 1995 e 2002, a evolução dos
números é assustadora:
Em 1995, o
total da despesa pública sobre o PIB era da ordem dos 30%. Em 2002, já era quase 39%.
Verdadeiramente
espantoso é que nesse período de tempo a despesa com pessoal tenha passado de
cerca de 10 mil milhões de euros para 20 mil milhões, ou seja, duplicou.
No mesmo
período, a despesa social duplicou
igualmente, mas nesses seis anos o PIB apenas aumentou 26%!
Quer isto
dizer que ao longo de seis anos, Portugal construiu uma máquina de devorar
dinheiro chamada Estado Social, acolitada pela ascensão vertiginosa da despesa
com a massa salarial dos funcionários públicos. O custo salarial da FP passou
de 8,9% do PIB em 1995, para 13% do PIB em 2002.
O drama deste
tipo de despesa é que se governa como um super-petroleiro em alto mar: qualquer
alteração de rota ou de velocidade demora muito tempo até tomar efeito. Quando
em 2002 o Governo de Durão Barroso e da sua Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite,
se apercebeu de que o super-petroleiro da despesa pública se dirigia a
velocidade de cruzeiro para os penhascos da insolvência, tentou travar a
máquina e desviar a rota, mas nem foi suficientemente decisivo na sua acção,
nem foi atempado: o tempo necessário para inverter as tendências era de décadas
e não de anos, por força dos tais direitos adquiridos entretanto constituídos;
por outro lado, quer por razões de inconstitucionalidade quer por falta de
vontade política - eleições há quase todos os anos de um ciclo de governo…- o
Governo não conseguiu ter uma acção suficientemente decisiva para travar a nau
da desgraça que afrontava agora os mares alterosos do «mostrengo que está no
fim do mar».
Ainda assim,
o esforço do combate à «tanga» afrontou à uma todas as virgens
constitucionalistas do País, a começar pela Vestal
Maxima, Jorge Sampaio, que impávido à desgraça a que tinha presidido desde
1996, proclamava uma daquelas frases venenosas da esquerda folclórica e poética
de que «há mais vida para além do deficit».
Como se viu, não há!
O resultado
desse combate inglório e pouco decidido, foi uma derrota inglória nas Europeias
e nas Legislativas.
O campeão do
Estado Social, agora protagonizado por José Sócrates , voltava ao poder, com o monstro na
lapela, mais gordo e luzidio do que nunca.
O lema era
como o dos marines americanos: «ninguém
fica para trás». Na prática, ficamos todos.
1995
|
|
|
||||
Despesa
Total
|
36.787,00
|
60.526,70
|
88.502,40
|
240,6%
|
||
Despesa
com pessoal
|
10.990,40
|
19.935,40
|
21.093,30
|
191,9%
|
||
Consumo
intermédio
|
3.675,50
|
6.246,90
|
8.744,60
|
237,9%
|
||
Transferências
correntes
|
12.861,30
|
24.168,10
|
43.929,80
|
341,6%
|
||
PIB
|
123.608.705
|
156.346.602
|
162.097.606
|
131,1%
|
||
PIB /
capita
|
12.323
|
15.079
|
15.285
|
124,0%
|
||
Receita
Estado
|
32.085,20
|
55.701,70
|
71.506,30
|
222,9%
|
||
Deficit
em VA
|
-4.701,90
|
-4.824,90
|
16.996,10
|
-361,5%
|
Fonte: Pordata
Com Sócrates descarrilou tudo: a ascensão da
despesa tomou novas cores, remoçou e foi por aí fora - o apogeu foi em 2010, o
valor nunca visto de 88 mil e quinhentos milhões de euros!
A FP
melhorou, mas já muito pouco; transformada numa administração “indiana” em que
muita gente faz muito pouco e ganha menos, estiolou mas continuou a gastar. A
despesas social continuou a crescer alegremente tendo as transferências correntes
do Estado atingido em 2010 o valor de 44 mil milhões de euros.
Nesse mesmo
ano, o deficit do OE foi de 17 mil milhões, ou seja, 10,5% do PIB. Upa, upa!
Mas, em 2009, o deficit tinha excedido os 17 mil milhões e os 11% do PIB.
Sei por
testemunho pessoal, porque o próprio mo disse em 2006, que José Sócrates tinha bem
consciência da necessidade de baixar a despesa pública e de controlar o
deficit, mas suponho que o posto de capitão do super-petroleiro se revelou
maior que as suas capacidades.
A verdade é que
as ordens que ele e Teixeira dos Santos gritavam num tom cada vez mais
histérico para a sala das máquinas não tinham qualquer efeito, porque não
podiam ter: como Medina Carreira muitas vezes avisou, o desastre era
inevitável; sem um golpe de timão súbito e muito violento o navio ia embater
nos penhascos.
No espaço de
seis anos, entre 2005 e 2011,
a dívida pública passou, grosso modo, de 60% do PIB para 100% do PIB, o Estado perdeu por
inteiro o controlo do deficit do Orçamento, as tendências portuguesas de médio
prazo tornaram-se todas catastróficas.
Valerá a pena
tentar ficcionar sobre o que poderia ter acontecido se a partir de 94/95 do
século passado os vários Governos portugueses tivessem querido - e podido…- disciplinar
as finanças públicas e fazer aquele exercício para que agora nos convocam, o de
saber qual é o Estado
consentâneo com os recursos que estão disponíveis em Portugal?
De uma coisa
não tenho dúvidas: se em 2008
a nossa situação económica e financeira interna não
fosse a que era, se dispuséssemos de finanças sólidas e de uma economia competitiva,
a crise global ter-nos-ia afectado, mas não nos teria empurrado para a
catástrofe.
Uma crise não
é uma recessão e uma recessão não é uma depressão. Ora, depois de uma década
perdida, entre 2000 e 2010, com crescimentos anémicos, entramos numa década que
pode ser redentora e criadora de novas forças nacionais ou definitivamente
depressiva.
O meu próximo
post será já não sobre a história da
nossa crise, mas sobre o futuro da nossa crise.
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