quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Para melhor? Ou de volta à servidão?


Vivemos em trânsito. Já saímos de um sítio e ainda não chegámos a outro.

Em várias referências fundamentais – a bandeira e a independência, o municipalismo, a descentralização ou a centralização, a soberania, a família, sua natureza e sua estrutura, a pessoa, sua dignidade e seus direitos, a religião, o respeito pelos mais velhos, a relação capital/trabalho, a estabilidade, o poder do dinheiro, o valor da vida, outros valores ainda – tudo parece estar em revisão. Somos um povo em viagem – pelo que se lê no mundo, vários povos em viagem.

Nestes tempos confusos e desorientados em que vivemos, várias vezes me tem vindo à ideia o livro do Êxodo. É o segundo livro da Bíblia, que narra a libertação do povo do cativeiro do Egipto e a sua viagem para a Terra Prometida. Alguns dos seus trechos, na longa travessia do deserto, com todas as dúvidas, hesitações e temores, que vão sendo vencidos, são sublimes.

Houve um trecho que, um dia, escolhi para o túmulo de Adelino Amaro da Costa e de sua mulher, Manuela, no cemitério de São Martinho das Amoreiras (Odemira) - um trecho que me bateu fortemente e achei particularmente calhado à figura humana e moral do Adelino Amaro da Costa, precocemente morto.

Surge numa altura em que Moisés está inquieto e assustado com tudo o que Deus lhe pede, naquela difícil condução do seu povo. Moisés resmunga-Lhe esses temores e a sua incapacidade. E Deus dá-lhe esta extraordinária resposta: «A minha face irá diante de ti e dar-te-ei descanso.» (Êx. 33, 14) Fantástico! A minha face irá diante de ti e dar-te-ei descanso.

Às vezes, ocorre-me regressar a esse livro, para buscar rumo e serenidade num quadro em que parece estar tudo em crise e em completa desordem, incluindo valores fundamentais. Neste tempo do tudo em causa, de crise geral de factos e valores, de suportes e referências, de companhias e de destinos, encontro frequentemente, de facto, relendo aqui ou ali, semelhanças espantosas com os dramas e as interrogações do povo judeu naquela longa travessia do deserto. Semelhanças e, às vezes, inspiração, vogando pelo deserto dos nossos tempos.

Há só uma dúvida, porém, que me assalta, nas incertezas e desnortes de hoje. A dúvida sobre se nesta viagem de agora, em que já saímos de um sítio e ainda não chegámos ao outro, estaremos também a caminho da "Terra Prometida" ou antes viajando de volta ao fosso da servidão.

(NOTA: este post é uma reescrita do post anterior Crise geral e o Êxodo)

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