sábado, 18 de janeiro de 2014

Reflexões sobre um referendo de ocasião (9): o caminho da mentira


A esquerda que puxa pela agenda da co-adopção em uniões homossexuais adora apontar o dedo a "indignidades", "deslealdades", "falsidades" e "hipocrisias" que, reais ou imaginárias, vai atacando no campo adversário. E prega moral o alto do púlpito, rasgando as vestes sempre que algo lhe corre a contra-gosto. Revimos ontem esse espectáculo, após a aprovação parlamentar do referendo.

Mas o avanço dessa agenda assenta fundamentalmente em ardis e mentiras, com que procura - e vai conseguindo - ludibriar boa parte da opinião pública e arrastar os meios de comunicação social consigo. Sempre houve uma forte atracção mediática pelos temas "progrès".

Já nem falo da manipulação da co-adopção como gazua para escancarar a porta à adopção por uniões homossexuais. É um ardil político manhoso que, já de si, devia envergonhar quem o promove. Falo antes, ainda, da ideia falsa (que vão passando) de que a co-adopção é  "totalmente diferente"  da adopção; e de que se trata  "apenas"  de aprovar a co-adopção, pelo que a alteração do regime da adopção nunca se colocaria.

Nos últimos dias, ouvi isto algumas vezes na rádio. Surpreendeu-me até ouvi-lo a alguns que deveriam saber do que falam. O caso ou resulta de ignorância, ou de má fé.

Não há qualquer diferença entre adopção e co-adopção. A co-adopção é uma subespécie da adopção, caracterizada unicamente pelo facto de o adoptando ser filho do cônjuge do adoptante. 

Ora, o que está em causa na co-adopção em uniões homossexuais não é obviamente o vínculo conjugal, mas o facto de ambos terem o mesmo sexo - e, portanto, a questão de saber se o Direito pode determinar a alguém que passe a ter duas mães e nenhum pai ou dois pais e nenhuma mãe. E este problema é exactamente o mesmo estejamos nós perante a adopção em geral ou perante apenas a subespécie da co-adopção. Não há a mais pequena diferença. É o mesmo problema e a mesmíssima questão.

Caminhar pela mentira apenas confirma falta de honestidade intelectual na promoção desta agenda. Desonestidade mental e falta de razão.

2 comentários:

Pedro Delgado Alves disse...

Caro José Ribeiro e Castro,
Penso que é possível discordar sem insultar. Não entendo a necessidade de acusar quem tem opinião diferente da sua de mentiroso.
É livre de achar que a adoção e co-adoção são a mesma coisa, sendo livre de argumentar onde quiser e com quem quiser nesse sentido.

Assim como eu entendo o inverso, que adoção é um instituto que visa criar um vínculo similar à filiação, na maior parte dos casos a partir do acolhimento de crianças institucioanlizadas, enquanto que o projeto da co-adoção visa responder a uma questão distinta, relativa a famílias já existentes e carecidas de proteção jurídica.

Curiosamente, entendo-o eu e entende também o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. São também mentirosos sem perdão, os juízes de Estrasburgo?

Se tanto pede de honestidade intelectual, pratique-a também e guarde os insultos para quem os merece.

Saudações democráticas, de quem sempre esteve disponível para a troca séria de opiniões de pontos de vista.

Pedro Delgado Alves

José Ribeiro e Castro disse...

Caro Pedro Delgado Alves,

Não percebo onde esteja o insulto, embora possa compreender que se tenha sentido tocado.

Por acaso, não o tinha ouvido usar este "argumento" falso, que critico. Mas, se o usou e usa, a minha crítica também se lhe aplica, na verdade.

Dizer que uma afirmação é "mentira" não significa necessariamente chamar de "mentiroso/a" quem o faz. Isso é um velho truque das zaragatas para fugir ao essencial das coisas. "Está a chamar-me mentiroso, é?" - quantas vezes já todos ouvimos este truque retórico, procurando transformar em briga uma questão objectiva e, de algum modo, assim, procurando censurar ou calar o contraditor.

Há muitas circunstâncias em que se dizem "mentiras" - ou coisas que outros acham ser "mentiras" - sem que isso tenha necessariamente a carga de chamar de "mentiroso/a" quem quer que seja. As mentiras são ditas, de facto, também por mentirosos, vigaristas, aldrabões, etc.; ou apenas por erro; ou ainda por manha, táctica, piedade, sei lá. Uma coisa é dizer-se uma mentira ou uma mentirola. Coisa diferente é ser-se um/a mentiroso/a.

O facto é que considero uma mentira - e mentira grosseira - procurar sustentar a ideia de que a co-adopção é distinta da adopção. Para o único problema que, para mim, releva nesta questão (pode o Direito determinar a alguém que passe a ter duas "mães", sem pai, ou dois "pais", sem mãe?), não há distinção de espécie alguma. O problema é exactissimamente o mesmo: respeitamos o direito à identidade pessoal, que é um direito humano fundamental? Ou violamos o direito fundamental à identidade pessoal? A co-adopção, aliás, como bem sabemos, é unicamente uma sub-espécie da adopção.

Dizer que é mentira não corresponde a fazer resvalar o debate para o plano dos insultos pessoais. Não vou por aí. E também não me deixo cair aí. Significa exactamente sustentar que uma afirmação determinada é falsa, não é verdadeira, não tem ponta de verdade. E, portanto, que, como argumento, não deve ser seguido e deve antes ser refutado.

É o que penso, caro Pedro Delgado Alves.

Remeto-o, aliás, se me permite, para um artigo que escrevi há alguns meses atrás e que resume o essencial do que penso nesta matéria:

Pai e mãe e a “co-adopção” homossexual.
http://avenida-liberdade.blogspot.pt/2013/07/pai-e-mae-e-co-adopcao-homossexual.html

Um abraço,

José Ribeiro e Castro