sexta-feira, 30 de março de 2012

Um voto contra a indiferença política


Hoje, no plenário da Assembleia da República, votei contra a proposta de lei de alteração do Código de Trabalho que prevê a eliminação do feriado nacional do 1º de Dezembro. Na ocasião, apresentei a seguinte declaração de voto.


DECLARAÇÃO DE VOTO
Proposta de lei n.º 46/XII

Votei contra a proposta de lei n.º 46/XII, por não aceitar a eliminação do feriado nacional do 1º de Dezembro que nela se contém. Diluído no meio de dezenas de outras alterações ao Código do Trabalho, o banimento deste feriado constituiria uma violência contra o espírito de Portugal e atingiria, sem justificação e de modo desproporcionado, valores fundamentais da vida colectiva. 

O 1º de Dezembro custou muito – quer o feriado em si, quer sobretudo a data e o valor patriótico que simboliza e celebra. Se este feriado fosse extinto, teríamos de imediato de mobilizar-nos para o restaurar por lei, propósito com que estou comprometido, como português, como cidadão, como deputado.

Não se trata de uma questão de somenos; é uma questão fundamental. É um traço emblemático desta proposta de reforma legislativa, que não relativizo e, em consciência, devo não relativizar.

Este meu voto contra na generalidade é um investimento. É um voto de confiança em que, mercê do diálogo político e social ao longo da discussão na especialidade, este erro seja corrigido, podendo eu vir a convergir, como seria normal e eu próprio desejaria, para a aprovação global de uma reforma legislativa em que o Governo deposita esperanças para dinamização da economia e do mercado de trabalho e, por conseguinte, no estímulo ao crescimento e ao emprego.

A data do 1º de Dezembro não é uma data qualquer. Trata-se da evocação da última vez em que Portugal, tendo perdido a independência, a reconquistou. É marco fundamental da História nacional, sem o qual nada decidiríamos por nós: não existiríamos, livres e soberanos, na comunidade das Nações. É a memória patriótica de uma guerra, que se prolongou de 1640 a 1668 e a que devemos a liberdade como país e a nossa sobrevivência nacional. Sem o 1º de Dezembro, quase tudo da nossa História e de toda a lusofonia seria radicalmente diferente. Sem o 1º de Dezembro, nem sequer esta reforma legislativa estaríamos a discutir ou a decidir com liberdade e discernimento; mas alguém estaria, do estrangeiro, a impô-la.

O feriado nacional do 1º de Dezembro não é um feriado qualquer. A sua instituição respondeu a forte apelo patriótico da sociedade civil, a partir da, então, Comissão Central 1º de Dezembro, que promoveu contínuas acções na sequência do Manifesto de 1861, encabeçado por Alexandre Herculano, e fez edificar, no centro de Lisboa, o Monumento aos Restauradores, por subscrição popular. É o mais antigo dos feriados civis, instituído por Decreto do Governo Provisório, em 13 de Outubro de 1910, e oficialmente celebrado desde 1 de Dezembro de 1910, de modo ininterrupto, atravessando todos os regimes até hoje. É, no calendário oficial, aquele único feriado em que celebramos o valor fundamental da nossa independência nacional.

Eliminar o feriado do 1º de Dezembro seria tão absurdo como os norte-americanos banirem o seu 4 de Julho. Eliminar o feriado do 1º de Dezembro deixar-nos-ia sós, na CPLP, como o único país, envergonhado de ser, coxo de si mesmo, que riscaria do calendário próprio o feriado em que comemora a sua independência nacional – tão desastrado quanto o Brasil apagar o 7 de Setembro, Angola o 11 de Novembro ou Timor o 20 de Maio. Eliminar o feriado nacional do 1º de Dezembro tornar-nos-ia no único país da União Europeia – e, ao que creio, do mundo inteiro – que, compreendendo na sua formação histórica a luta pela independência nacional, extinguiria o feriado em que a celebra e assinala como valor colectivo fundador.

As coisas mais importantes nos países são os símbolos: é à volta deles que nos unimos, é à volta deles que nos sentimos. É assim com o hino e com a bandeira – não são uma musiquinha ou um trapo, dispensáveis. É assim também com a data da independência ou, como escreveu o decreto original de Outubro de 1910, o feriado da «autonomia da Pátria portuguesa» – não é uma data disponível, não é um dia qualquer.

No processo de discussão pública da proposta de lei, tive oportunidade de, junto da competente comissão parlamentar, formular algumas observações e apresentar sugestões e possíveis alternativas. Embora seja necessário conhecer melhor os propósitos, designadamente macroeconómicos, que, no particular da regulação dos feriados, são efectivamente os prosseguidos pelo Governo, na linha do Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego de 18 de Janeiro de 2012, é manifesto que, sejam as que apresentei ou outras, existem alternativas para os alcançar e que não envolvem a liquidação do feriado da independência nacional. Basta dialogar e concertar.

É conhecido que, no tocante aos feriados de matriz religiosa, existe – e bem – diálogo com a Igreja Católica e a Santa Sé, de que poderão resultar ainda possíveis acertos. É importante que, quanto aos feriados civis, o mesmo diálogo político e social possa vir ainda a ocorrer, pelo menos com igual abertura e qualidade, prevenindo a lesão irremediável de valores colectivos fundamentais. Começar por atacar o 1º de Dezembro entre os feriados civis, seria o mesmo que atingir os feriados da Páscoa ou do Natal entre os feriados da matriz e tradição católicas. Tudo absurdos inaceitáveis.

Não há boas alturas para eliminar o 1º de Dezembro, o primeiro dos feriados, o feriado dos feriados, o feriado fundador. Mas, numa altura em que Portugal sofre um contexto de soberania frágil, diminuída e limitada, sujeitos que estamos a fortes compromissos e ditames externos, bem como a uma inspecção e fiscalização por estrangeiros, este seria, de entre todos, o momento mais inoportuno e desastroso para o fazer. Bem ao contrário, este é o momento para guardamos e exaltarmos o brio nacional, a nossa liberdade e independência e todos os respectivos símbolos e marcos referenciais.

A indiferença política em que pretende banhar-se a eliminação do feriado nacional do 1º de Dezembro, o mais alto dos feriados patrióticos portugueses, é bem o sinal de que, efectivamente, estaremos a viver, em Portugal, a maior, a mais profunda e a mais grave das crises nacionais de que há memória. Não o aceito. Não me conformo.

Lisboa, Palácio de S. Bento, 30 de Março de 2012

O deputado do CDS – Partido Popular,

José Ribeiro e Castro

quinta-feira, 29 de março de 2012

Organizemo-nos (IV)



Na véspera da primeira votação no plenário da Assembleia da República sobre o destino do feriado nacional do 1º de Dezembro, é útil ordenar e recordar os diversos posts que aqui têm sido escritos, desde Dezembro passado, sobre a questão: 


Continuaremos até ter êxito. O feriado nacional do 1º de Dezembro não pode acabar. E, se o matassem, teria de ser restaurado.

Perguntem à "troika". Ou à "vinte-e-doika".


A troika não tem - creio eu - nada a ver com estas tentativas deploráveis de mandar pela escada abaixo o feriado nacional do 1º de Dezembro. E que tivesse...

Mas perguntem à troika se imporia à Alemanha jogar fora o feriado do 3 de Outubro, que celebra a reunificação alemã em 1991. Perguntem à troika se submeteria a Bélgica a revogar os seus feriados de 21 de Julho e 11 de Novembro, que comemoram, respectivamente, a coroação do primeiro rei belga em 1831, depois da independência dos holandeses, e o Armistício no fim da guerra 1914-18. Perguntem à troika se imporia à Bulgária deitar fora os feriados de 3 de Março e de 22 de Setembro, que evocam a autonomia do Império Otomano e, finalmente, a independência, em 1878 e em 1908. Perguntem à troika se exigiria de Chipre o desaparecimento do feriado do 1º de Outubro, que festeja a independência do império britânico em 1960 – ou até um só que fosse dos outros dois feriados da independência grega, que também se celebram em Chipre. Perguntem à troika se exigiria da Croácia riscar do calendário o feriado de 25 de Junho, que lembra a declaração de independência face à ex-Jugoslávia, em 1991. Perguntem à troika se imporia à Eslováquia desfazer-se do feriado do 1º de Setembro, que celebra a adopção da Constituição de 1992, consolidando a separação da Checoslováquia – ou até um só que fosse dos outros quatro feriados nacionais que celebram o valor da independência nacional. Perguntem à troika se sujeitaria a Eslovénia a suprimir o feriado do 25 de Junho, que saúda a sua independência da ex-Jugoslávia em 1991. Perguntem à troika se exigiria da Estónia banir os feriados de 24 de Fevereiro e de 20 de Agosto, que lembram a sua independência da Rússia e da União Soviética, em 1918 e em 1991. Perguntem à troika se obrigaria a Finlândia a abolir o feriado do 6 de Dezembro, que assinala a independência da Rússia em 1917. Perguntem à troika se exigiria da França um ou ambos os seus dois feriados de 11 de Novembro e 8 de Maio, que celebram a vitória e a paz em 1918 e em 1945. Perguntem à troika se vergaria a Grécia a abolir os feriados de 25 de Março e de 28 de Outubro, que festejam a independência do Império Otomano e a rejeição do ultimato fascista de Mussolini, em 1821 e em 1940. Perguntem à troika se reclamaria da Holanda o fim do feriado de 5 de Maio, que festeja a derrota do nazismo e da ocupação alemã, também em 1945. Perguntem à troika se vexaria a Hungria, fazendo-a abolir o feriado do 20 de Agosto, que celebra a coroação no ano 1000 de Santo Estêvão, o primeiro Rei dos húngaros. Perguntem à troika se vergaria a Itália a abolir o feriado do 25 de Abril, que comemora a libertação da Alemanha nazi, em 1945. Perguntem à troika se exigiria da Letónia banir os feriados de 18 de Novembro e de 4 de Maio, que lembram a sua independência da Rússia e da União Soviética, em 1918 e em 1990. Perguntem à troika se reclamaria à Lituânia a eliminação dos seus feriados de 16 de Fevereiro e de 11 de Março, que celebram a sua independência da Rússia e Alemanha e da União Soviética, em 1918 e em 1990. Perguntem à troika se forçaria o Luxemburgo a prescindir do feriado do 23 de Junho, que celebra a nova dinastia luxemburguesa e a separação do trono holandês, desde 1890. Perguntem à troika se imporia a Malta desfazer-se do feriado de 21 de Setembro, que comemora a independência dos britânicos em 1964 – ou até um só que fosse dos outros dois feriados nacionais que celebram o valor da independência nacional. Perguntem à troika se sujeitaria a Polónia a abolir o feriado do 11 de Novembro, que comemora a restauração da independência polaca em 1918. Perguntem à troika se forçaria a República Checa a desfazer-se do feriado do 18 de Outubro, que celebra a sua independência, adquirida em 1918 – ou até um só que fosse dos outros três feriados nacionais que festejam também o valor da independência nacional. Perguntem à troika se pediria à Roménia que acabasse com o seu feriado do 1º de Dezembro, que festeja a união, em 1918, da antiga Roménia e da Transilvânia. Perguntem à troika se obrigaria a Suécia a jogar no lixo o feriado do 6 de Junho, que recorda a separação e independência a partir da União de Kalmar, em 1523. 

Perguntem também à troika pelo nosso 1º de Dezembro, que comemora a Restauração da Independência de Portugal em 1640. Incomoda? Ou então, como se trata, ali acima, de vinte e dois países da UE-28, perguntem mesmo à vinte-e-doika.

Acabar com o feriado do 1º de Dezembro. Não! Não pode ser a sério.

Mandato: ter ou não ter


Não tenho mandato para eliminar o feriado do 1º de Dezembro. Não sei se alguém tem. Eu não tenho.

Se alguém, na campanha, tivesse apresentado a proposta de o abolir, ter-me-ia oposto. Teria feito campanha dura contra tal ideia. Com muitos outros, certamente. Estou em crer que essa seria a voz do CDS. E do PSD também.

O 1º de Dezembro não é um feriado qualquer. É o mais antigo dos feriados civis, o mais alto dos feriados patrióticos. É o feriado nacional que simboliza o valor mais elevado da vida colectiva: a nossa própria independência. É o verdadeiro dia de Portugal, na substância das coisas: sem ele, não seríamos.

Podia ser outra data? Podia. Numa História rica e longa, Portugal tem diversos acontecimentos em que teoricamente poderia centrar a evocação da independência nacional, duramente conquistada, várias vezes atacada e desafiada, algumas vezes perdida e recuperada. Mas, desde há mais de um século que a sua comemoração se estabilizou no 1º de Dezembro, referida ao último momento em que nos restaurámos livres e independentes. Este feriado atravessou estavelmente todos os regimes. Até hoje. Não pode ser apagado. 

É uma bizarria que um facto de tanta importância política e enorme carga simbólica seja tratado – e corra o risco de ser decidido – por uma quase incógnita alteração ao Código de Trabalho. No labirinto emaranhado de dezenas de alterações normativas, o 1º de Dezembro leva sumiço. E o ataque legislativo, embora mortal, é tão discreto que um distraído não daria por ele: o facto nem é explicitamente referido; só comparando a nova versão com a anterior se vê que o feriado da independência é liquidado. Será vergonha? Será respeito? Um caso ou outro entendem-se bem.

O Código do Trabalho pode regular, sem estranheza, as incidências laborais de diferentes factos, como os feriados e seus efeitos. Mas pode reduzir-se a um instrumento destes a própria continuação ou o apagamento de datas históricas do mais alto significado nacional? Como podem tratar-se ao jeito de sobras da tecnocracia datas de longa tradição, instituídas por acto legislativo solene? A tanto está reduzido o 1º de Dezembro – e o mesmo poderia dizer-se do 5 de Outubro.

Foi aberta concertação religiosa e diplomática quanto aos feriados de matriz religiosa – foi bem e está certo. Foi feita também concertação social – está certo, embora lamente (e discordo) do regime quanto às “pontes”, que é fraco, insuficiente e ao lado do problema. Mas o que foi feito da concertação política? Não houve – e não é porque não fosse pedida.

Estando em causa feriados civis, celebrando factos históricos ou sociais da maior relevância, quem foi ouvido? Ouviram-se militares, sociedades históricas, academias, universidades, historiadores, diplomatas, professores, agremiações republicanas e monárquicas, ligas e associações de combatentes, centros de cultura? Que respeito pela sociedade civil? Houve ao menos consultas cuidadas entre partidos e vasta e aberta auscultação dentro dos partidos, para avaliar sensibilidades e colher alternativas? Nada. Não houve.

Ora, a concertação política era imprescindível. Por duas razões principais: pela sensibilidade das datas; e para tratamento sério do mandato democrático.

Deputado eleito, o que diz o Manifesto Eleitoral do CDS? 

Prometi isto: «Feriados: garantir períodos de descanso sem afectar a produtividade – Em 2003, foi um Ministro da área do CDS que, pela primeira vez, abriu a possibilidade de se alterar as datas dos feriados, de forma a diminuir as pontes demasiado longas e aumentar a produtividade. É a solução que muitos dos nossos parceiros europeus têm e que permite períodos de descanso mais extensos sem reduzir a nossa produtividade e competitividade. É altura de, de forma consensual, respeitando os parceiros sociais e as várias sensibilidades espirituais e sociais envolvidas, retomar esta discussão, garantindo a alteração de alguns feriados – não todos – para a 2ª feira subsequente, juntando‐os ao dia de descanso obrigatório que é o Domingo.» Ou seja: nada de eliminação de feriados, antes rigorosa disciplina das pontes.

E o que é que apoiei no Programa do actual XIX Governo Constitucional? 

Isto: «Regulamentação do Código do Trabalho para garantir a possibilidade de alteração das datas de alguns feriados, de modo a diminuir as pontes demasiado longas e aumentar a produtividade.» Ou seja: nada de eliminação de feriados, mas rigorosa disciplina das pontes.

É. Na verdade, não tenho mandato para extinguir o feriado do 1º de Dezembro. Quanto ao dia, a minha consciência de português não quer. Quanto ao contexto da proposta, o que prometi não deixa. 

Não sei se alguém tem esse mandato. Eu não tenho.


José Ribeiro e Castro

[artigo publicado no jornal PÚBLICO, no dia 29 de Março de 2012]


quarta-feira, 28 de março de 2012

Hino da Restauração (III): as duas letras


Single em vinil  com o Hino da Restauração, editado pela
Sociedade Histórica da Independência de Portugal

letra inicial do Hino da Restauração, que fazia parte da peça “1640 ou a Restauração de Portugal”, estreada e publicada em 1861, não corresponde à letra actualmente cantada nas cerimónias do 1.º de Dezembro. A letra actual resulta de uma adaptação feita já na República, após o Decreto de 13 de Outubro de 1910 que instituiu, entre outros, o feriado nacional do 1º de Dezembro, não se tendo conseguido determinar se houve apenas uma alteração ou várias alterações em diferentes momentos do primeiro quartel do século XX.

Algumas das alterações feitas à letra tiveram como objectivo a  actualização e simplificação da linguagem.

Por exemplo, as frases:

“Lusitanos é chegado o dia da redenção. 
Caem do pulso as algemas. 
Ressurge livre a Nação.”

são substituídas por:

“Portugueses celebremos o dia da redenção
em que valentes guerreiros
nos deram livre a Nação.”

Ou ainda: 

“O Deus de Affonso, em Ourique
Dos livres nos deu a lei:
Nossos braços a sustentem,
Pela pátria, pelo rei”

substituídas por:

“A Fé dos Campos d’Ourique
Coragem deu, e Valor,
Aos famosos de quarenta,
Que lutaram com ardor.”

Neste último caso, para além da simplificação da linguagem, foram habilmente retiradas da letra inicial alusões régias, pois, entretanto, o regime político em Portugal mudara. Precisamente, o segundo tipo de alterações respeitou à eliminação de versos que tinham acentuada carga monárquica. Assim, são retiradas quadras inteiras nas quais se fazia referência à Casa de Bragança, numa apologia real que soava desenquadrada no regime republicano. É o caso de: 

“Bragança diz hoje ao povo:
"Sempre, sempre te amarei"
O povo diz a Bragança
"Sempre fiel te serei"”

e de: 

“Excelsa Casa, Bragança
Remiu captiva nação;
Pois nos trouxe a liberdade
Devemos-lhe o coração.”

Importa recordar que a letra original se integrava numa peça teatral escrita e apresentada no tempo da Monarquia, dedicada ao rei D. Pedro V e estreada no dia de aniversário do rei-viúvo D. Fernando II, ao mesmo tempo que o Hino da Restauração era o tema que acompanhava o quadro final de coroação de D. João IV. O fervor monárquico da letra e a sua associação à Casa de Bragança não podiam ser mais ajustados. Porém, a grande popularidade do Hino e o facto de ser tocado sempre nas cerimónias oficiais e populares de celebração do 1º de Dezembro, depois de a República ter instituído o feriado e dado início à sua comemoração solene todos os anos, levou a uma adaptação da letra aos novos tempos. 

Estas alterações na letra são fruto dos tempos, fazem parte da história contemporânea de Portugal, devendo ser contextualizas. E em nada retiram o valor do hino, um cântico à nossa Independência, ao orgulho que temos em ser Portugueses.

Hino da Restauração (II): a origem do hino

Capa do libreto da peça de teatro musical “1640 ou a Restauração de Portugal”,
onde se incluía o Hino da Restauração

Em 1861, sob o impulso da recém-criada Comissão Central 1.º de Dezembro (hoje, Sociedade Histórica da Independência de Portugal), promoveram-se concursos de textos dramáticos sobre a Restauração. 

Logo nesse primeiro ano, concorreram ao prémio três peças:

  • “O Louco d’Évora ou Portugal Restaurado”, de João Ferreira da Cruz. Drama cuja acção decorria em Évora, Almada e Lisboa, entre 1637 e 1640. Estreou no Teatro S. Pedro de Alcântara, em 17 de Dezembro de 1862. 
  • “O 1.º de Dezembro de 1640”, de Alfredo Hogan. Composta por 3 actos, correspondentes aos dias 15 de Outubro, 26 de Novembro e 1 de Dezembro de 1640, tendo como principais personagens os conjurados D. Antão de Almada, João Pinto Ribeiro e Padre Manuel da Maia.
  • “1640 ou a Restauração de Portugal”, de Francisco de Almeida e Araújo, e de Francisco Joaquim da Costa Braga. Estreou no Teatro da Rua dos Condes, a 29 de Outubro de 1861. 


Esta última foi um estrondoso sucesso, facto para que os jornais da época apontam como uma das razões as 14 composições musicais da peça. Destas, destaca-se, pela sua musicalidade e conteúdo, o Hino da Restauração, que encerra a representação, musicado por Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida. Este quadro final da peça corresponde à coroação e aclamação de D. João IV.

Dedicada ao Rei D. Pedro V e estreada no dia de aniversário do rei-viúvo, D. Fernando II, esta peça/libreto seria publicada a de 28 de Novembro de 1861. Por seu turno, o hino irá, segundo a historiadora Maria da Conceição Meireles Pereira, tornar-se “ao longo do século uma das composições mais emblemáticas das comemorações da independência nacional”.

O gosto pelo hino foi tal que começou a ser tido como uma canção nacional, deixando de ser cantado apenas na peça. Assim, após 1861, a partitura do hino é publicada e vendida, passando a ser executada por inúmeras bandas. Em várias localidades, por todo o país, tornou-se uso nas peças históricas, muitas delas promovidas pelas delegações da Comissão Central 1.º de Dezembro, cantar-se o hino da Restauração, seguido de vivas à Independência.  Em 1868, o correspondente em Guimarães do jornal “O Pais”, escreve “não posso descrever o enthusiasmo louco, que alli se via, principalmente quando se tocava o hymno da Independência Nacional e se descobria o retrato de Sua Magestade Dom Luis I. Nesta ocasião até as madamas se conservaram em pé nos camarotes.”

Havia mesmo, em certas localidades, desacatos quando alguns dos espectadores não se punham de pé ou não tiravam o chapéu aquando da sua apresentação. A título de curiosidade, refira-se que até o escritor/historiador Luís Augusto Rebelo da Silva foi obrigado a escrever uma carta aberta no jornal “Gazeta do Povo”, em 4 de Dezembro de 1869, a retractar-se de não se ter mantido de pé aquando da entoação do Hino da Restauração na récita do 1.º de Dezembro de 1869 no Teatro São Carlos, facto, diz ele, “que não passara tao somente de uma inocente distracção”.

Segundo testemunhos orais recolhidos, até há bem pouco tempo, no dia 1 de Dezembro, em certas localidades beirãs e alentejanas, fronteiriças, era hábito grupos de homens e rapazes saírem de suas casas pela manhã a entoar a letra do Hino da Restauração, nas chamadas “arruadas”.

Hino da Restauração (I): a letra original


O Hino da Restauração não teve sempre a letra por que hoje o conhecemos e cantamos e que já foi aqui evocada.

A letra original era a seguinte:

Lusitanos, é chegado
O dia da redempção
Caem do pulso as algemas
Ressurge livre a nação

O Deus de Affonso, em Ourique
Dos livres nos deu a lei:
Nossos braços a sustentem
Pela pátria, pelo rei

Às armas, às armas
O ferro empunhar;
A pátria nos chama
Convida a lidar.

Excelsa Casa, Bragança
Remiu captiva nação;
Pois nos trouxe a liberdade
Devemos-lhe o coração.

Bragança diz hoje ao povo:
"Sempre, sempre te amarei"
O povo diz a Bragança
"Sempre fiel te serei"

Às armas, às armas
etc, etc...

Esta c'roa portugueza
Que por Deus te foi doada
Foi por mão de valerosos
De mil jóias engastada.

Este sceptro que hoje empunhas,
É do mundo respeitado,
Porque em ambos hemispherios
Tem mil povos dominado!

Às armas, às armas
etc, etc...

Nunca pode ser subjeita
Esta nação valerosa,
Que do Tejo até ao Ganges
Tem a história tão famosa.

Ama-a pois, qual o merece;
Ama-a, sim, nosso bom rei
Dos inimigos a defende,
Escuda-a na paz, e lei.

Às armas, às armas
etc, etc...

Ai! Se houver quem já se atreva
Contra os lusos a tentar,
O valor de um povo heróico
Hade os ímpios debellar.

Viva a Pátria, a liberdade,
Viva o regime da lei,
A família real viva,
Viva, viva o nosso rei.

Às armas, às armas
etc, etc...


A autoria do hino, com data de 1861, é de Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida (música) e de Francisco Duarte de Almeida Araújo e Francisco Joaquim da Costa Braga (poema original). Monteiro de Almeida era um compositor e professor do Conservatório Nacional (1826 - 1898). Almeida Araújo e Costa Braga eram os autores da peça de teatro musical em que o hino se incluía.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Portugal, "sub-região ibérica"!?


Apesar dos esforços políticos para silenciar o assunto e abafar o debate, a questão do 1º de Dezembro vai mexendo por aí. No sábado passado, 24 de Março, foi o EXPRESSO, no caderno Economia, a incluir na sua avaliação mensal do "Exame do Conselho dos Doze" (apreciação do desempenho do Governo e de algumas questões da política e da economia) uma questão sobre o feriado do 1 de Dezembro. Perguntava o EXPRESSO às doze personalidades que consulta regularmente: «Trocava o fim do feriado do 1 de Dezembro pelo fim do 10 de Junho?»

Cabe sublinhar que eu não defendo a extinção do 10 de Junho. A sugestão que apresentei, no limite, se chegássemos a esse apuro político, preservaria os dois feriados, embora ganhando um dia para a economia nacional: o 1 de Dezembro manter-se-ia inalterado e o 10 de Junho passaria a ser celebrado, como símbolo que é da portugalidade universal, no segundo domingo de Junho. É o que já aqui escrevi, o que sugeri em carta enviada à Comissão de Trabalho na Assembleia da República e também o que esclareci e defendi na RTP-1 no debate do Prós e Contras do passado dia 19 de Março.

Em qualquer caso, o painel de respostas recolhido pelo EXPRESSO não deixa de ser interessante.

Respondem no sentido de que o 1 de Dezembro é mais importante que 10 de Junho: Henrique Neto, Luís Mira Amaral e Francisco Pinto Balsemão. E respondem que o 10 de Junho mais importante que 1 de Dezembro: Teodora Cardoso, Ferreira de Oliveira e Paulo N. de Almeida. Por seu turno, a maioria opta por outro tipo de respostas, desvalorizando a questão ou recomendando outro tipo de abordagem da questão dos feriados: Augusto Mateus, Pinto de Sousa, João Salgueiro, Medina Carreira e Miguel Beleza.

Sintomática entre todas é a resposta de MURTEIRA NABO. Diz ele: «A integração da subregião ibérica da Europa reduz o significado do 1º de Dezembro.» 

Ele junta-se por isso, no inquérito, àqueles que dizem querer manter o 10 de Junho, mas celebrando já o poeta e a língua dessa coisa espantosa e menor que nos reduz, a Portugal, a uma “subregião ibérica”. Extraordinário! Absolutamente extraordinário e revelador.

Aqui temos o exemplo evidente dos perigos de eliminar do calendário oficial o feriado nacional do 1º de Dezembro. E uma ilustração da ideologia que lhe está subjacente. Já o Manifesto de 1861 foi contra isto.

Coisas de feriados


Do Tenente-Coronel Piloto-Aviador Brandão Ferreira, recebemos, a propósito do 1º de Dezembro e do 10 de Junho, um artigo intitulado COISAS DE FERIADOS, de que, pelo seu grande interesse e actualidade, publicamos vários excertos. Tem data de sexta-feira passada, 23 de Março.

Escreve Brandão Ferreira sobre o 1º de Dezembro:
Corre por aí alguma confusão sobre os dois feriados civis nacionais mais importantes, o 10 de Junho (de 1580) e o 1º de Dezembro (de 1640).
Esta confusão ou discussão existe, fundamentalmente, por causa de saber qual deles deve representar o dia da Independência de Portugal.
Como se sabe, apesar de Portugal ser dos países mais antigos do mundo, de constituir o Estado – Nação mais perfeito da Humanidade (o Japão é um arquipélago e só ficou unido, em 1603), e de ter as fronteiras estáveis mais antigas (Tratado de Alcanizes, de 1297 – perturbado por causa da ocupação ilegal de Olivença, por parte de Espanha), nunca foi estabelecido uma data em que se comemorasse, especificamente, a sua Independência. 
Possivelmente porque tal nunca foi preciso dada a fortaleza da nossa individualidade e identidade. 
Também não era fácil estabelecer essa efeméride. 
De facto se quisermos destacar o acto autonómico primordial, teremos que nos reportar ao dia 24 de Junho de 1128, data do combate de S. Mamede em que o Infante Afonso se rebelou, contra os barões galegos e a suserania leonesa. 
Pode, pois, considerar-se essa data como “de facto”, mas não “de jure”. Esse reconhecimento demorou 51 anos a ser conseguido. 
Começou com a elevação de Afonso Henriques a Rei, alçado a essa dignidade pelos seus guerreiros após a batalha de Ourique, em 25 de Julho de 1139; mas o 1º documento existente em que Afonso I se assina como Rei, é de 1140. 
De seguida devemos considerar o dia 5 de Outubro de 1143, em que foi assinado o Tratado de Zamora, no qual O Rei de Leão, Afonso VII, reconheceu a independência do Condado Portucalense. 
Este tratado era, porém, um tratado regional, faltava o reconhecimento internacional e esse só poderia ser concedido pelo Papa. 
Tal reconhecimento obrigou a negociações morosas e complexas e só veio a acontecer através da Bula “Manifestis Probatum”, de 14 de Maio de 1179. 
Esta Independência veio a ser interrompida, em 1580, com a ocupação militar de Lisboa pelo Duque D’Alba e o Marquês de Santa Cruz. Tal ocupação militar, teve o seu epílogo político nas Cortes de Tomar, de 16 de Abril de 1581, onde Filipe foi aclamado rei de Portugal (sem embargo dos Açores só terem sido subjugados, em 1583). 
É preciso dizer que, teoricamente, Portugal não perdia a sua individualidade, já que Filipe apenas cingia a coroa portuguesa à espanhola (a coroa dual), segundo os ditames sucessórios da época, ao passo que o consignado nas Cortes de Tomar estipulava a mais ampla autonomia e manutenção dos foros próprios dos portugueses. Só quase faltou a Filipe, ter mudado a capital para Lisboa… 
Porém esta nova situação encerrava uma questão dramática e insolúvel e que era esta: Portugal, como tal, estava impossibilitado de ter política externa própria e herdou, automaticamente, todos os inimigos da Espanha. Daqui resultava o seguinte paradoxo: Filipe, como rei de Espanha, não podia estar em guerra, e como rei de Portugal gozar a paz… 
Resultado: os portugueses passaram a ser atacados em todo o lado pelos inimigos da Espanha. 
Com os sucessores de Filipe I, a nação portuguesa passou a ficar esmagada com impostos e requisições militares ao passo que se deixava de cumprir o estipulado em Tomar. A tirania atingiu o auge com o Conde – Duque Olivares e, aproveitando uma revolta na Catalunha, os três braços do reino (Clero, Nobreza e Povo), novamente unidos, revoltaram-se nessa luminosa manhã de 1 de Dezembro de 1640 e correram com os representantes de Madrid e com os traidores, voltando a colocar no trono português, um português. 
A assumpção dos destinos portugueses por eles mesmos originou uma duríssima campanha política, diplomática e militar que durou 28 anos e se espalhou por quatro continentes e outros tantos mares e que envolveu não só a Espanha mas numerosas outras potências e potentados. No fim os portugueses saíram vitoriosos, apesar das imensas perdas em vidas e cabedais, e bem se pode considerar tal vitória um verdadeiro milagre!  
A Santa Sé só reconheceu a independência nacional dois anos após o tratado de paz que celebrámos com a Espanha… 
Pois é esta gloriosa gesta – que não tem paralelo na História mundial – que um governo que se diz português, mas repleto de portugueses pequeninos – quer apagar da memória pátria, acabando com a dignidade do feriado concedido há muito (e sempre foi comemorado no país antes de o ser), ao dia primeiro da Restauração. 
Este termo também se pode prestar a confusões, já que para uns quer dizer a restauração da independência e, para outros, refere-se à restauração de uma dinastia portuguesa. Aliás, a “Restauração” começou por ser chamada de “Aclamação” (de D. João IV). E cremos que é mais neste sentido que o termo é usado até porque nunca verdadeiramente perdemos a independência (pelo que atrás dissemos). 
Independentemente destas semânticas, não há dúvidas de que o 1º de Dezembro é um grito de liberdade, de individualidade e de querer o retorno da soberania plena, que faz todo o sentido comemorar e, até, estabelecer como símbolo da nossa independência.
A seguir, sobre o 10 de Junho, esclarece Brandão Ferreira:
O 10 de Junho é diferente. 
Nunca ninguém tinha ligado a morte de Camões à independência de Portugal, ou de algum modo a relacioná-lo com uma festa nacional, até que o Partido Republicano resolveu aproveitar o tricentenário da sua morte, em 1880, para retirar dividendos políticos. 
Desse modo fizeram de Camões, o vate que tinha exaltado e cantado em verso as glórias do apogeu nacional, confrontando-as com a decadência da época – o que, obviamente, se devia ao regime ser monárquico…
E, abordando a introdução oficial do feriado pela República, logo após o 5 de Outubro de 1910, prossegue:
O novo governo, por decreto de 12 do mesmo mês [Outubro de 1910], estabeleceu os feriados nacionais, onde constava o 1º de Dezembro (já proposto, do anterior, pela Sociedade Histórica para a Independência Nacional – fundada em 1861) e, naturalmente, o 5 de Outubro, entre outros. 
Mas não proclamou o 10 de Junho feriado nacional, ficando apenas como feriado municipal de Lisboa (na esperança que o mesmo destronasse o 13 /10, dia de Santo António…).  
Foi verdadeiramente o Estado Novo que, a partir de 1933, tornou o 10 de Junho feriado nacional, promovendo comemorações em todo o País, chamando-lhe “Dia de Portugal e da Raça, ou dos portugueses”.
Finalmente, conclui o articulista Brandão Ferreira:
Desde 1963 e por via das últimas campanhas ultramarinas, passou-se a homenagear os combatentes e as Forças Armadas, nessa data. 
Depois do 25 de Abril de 1974, o feriado do 10 de Junho só voltou a ser comemorado, em 1978, sendo rebaptizado como “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”. Porém, os novos poderes retiraram, inexplicavelmente, as FAs de todas as comemorações, o que só veio a ser emendado (!) no primeiro ano de Cavaco Silva como PR. 
Uma humilhação funesta para com a FAs e todos os combatentes de todos os tempos, à qual a Instituição Militar não reagiu e a população – de cérebro lavado – nem deu conta… 
Assim se passam as coisas no nosso País: ora quando somos Portugal, ora quando somos… portugalinho.
Um artigo a ler com atenção. A opinião de um patriota.

domingo, 25 de março de 2012

Passos mexe na energia


Começaram por aí a dizer que não mexia. Mas Passos Coelho garantiu que vai mexer. 

É a garantia solene do líder do PSD e primeiro-ministro, dada, hoje, diante do Congresso do seu partido e perante o país: «Seremos determinados, através de toda a transformação legal e negocial, que nos permitirá reduzir esses privilégios, acabar com esses privilégios e democratizar ainda mais a nossa economia e o nosso país.»

Para que não ficassem dúvidas, Passos Coelho não podia ser mais directo, ao assegurar que isso será feito «também na energia, acabando com o défice tarifário pesado que todos os portugueses, famílias e particulares ou empresas, têm vindo a suportar.»

Este é um dos factos mais salientes do Congresso e uma das declarações mais importantes do primeiro-ministro, tendente a pôr termo às especulações que a recente substituição do secretário de Estado da Energia não tem cessado de gerar por aí. A atenção pública é enorme, como aqui logo escrevi.

Passos Coelho esteve muito bem neste discurso. E estará ainda melhor, quando finalmente executar a linha definida e reafirmada, mostrando resistir e afastar as numerosas - e poderosas - pressões que se movimentam para tudo ficar na mesma ou para manter o essencial dos privilégios e das rendas excessivas. 

Seria um enorme desapontamento se os interesses que se mexem na sombra conseguissem ganhar. E péssimo para Portugal.

Passos Coelho tem 100 por cento de razão quando disse, no mesmo discurso de encerramento do Congresso do PSD: «Nós temos de olhar para todos os portugueses e poder dizer-lhes: não há uns que possam mais e outros que possam menos.»

É isso mesmo.

Novidades no ciclo "Política e Pensamento"


O jornal "Correio da Manhã" passa a ser um dos media partners do ciclo POLÍTICA E PENSAMENTO: A VOZ DOS LIVROS, que retoma as suas sessões no próximo dia 2 de Abril. 

Recordamos a próxima programação, até às férias de Verão, desta iniciativa da parceria Avenida da Liberdade/Livraria Férin:

  • 2-ABR-2012 | João Carlos Espada | Da Democracia na América, de Alexis de Tocqueville
  • 16-ABR-2012 | João Pereira Coutinho | Reflexões sobre a Revolução em França, de Edmund Burke
  • 7-MAI-2012 | José Manuel Fernandes | A Ética Católica e o Espírito do Capitalismo, de Michael Novak
  • 21-MAI-2012 | D. Manuel Clemente | Os Descobridores, de Daniel Boorstin
  • 4-JUN-2012 | Jaime Nogueira Pinto | O Fim da História e o Último Homem, de Francis Fukuyama
  • 25-JUN-2012 | Miguel Morgado | A Utopia, de S. Tomás Moro
  • 2-JUL-2012 | Viriato Soromenho-Marques | O Federalista, de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay

Por outro lado, quanto à programação após as férias de Verão, já estão também definidos, quanto a algumas das sessões, os respectivos oradores e os livros que apresentarão:

  • 17-SET-2012 | Graça Franco | Quando a China Despertar, de Alain Peyrefitte
  • 1-OUT-2012 | José Pacheco Pereira | O Livro Negro do Comunismo (obra colectiva)
  • 15-OUT-2012 | Esther Mucznik | O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, de Samuel Huntington
  • 5-NOV-2012 | Diogo Freitas do Amaral | Princípios de uma Política Humanista, de Jacques Maritain
  • 17-DEZ-2012 | Alfredo Bruto da Costa | Gaudium et Spes (Concílio Vaticano II)

As sessões decorrem sempre na Livraria Férin, ao Chiado (Rua Nova do Almada,74), em Lisboa, entre as 18:30 e as 19:45 horas. Tome nota já na sua agenda.


terça-feira, 20 de março de 2012

A anormalidade


Todos os países da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa têm feriados nacionais que assinalam e celebram a sua independência nacional:

  • Angola - 11 de Novembro
  • Brasil - 7 de Setembro
  • Cabo Verde - 5 de Julho
  • Guiné-Bissau - 24 de Setembro
  • Portugal - 1 de Dezembro
  • São Tomé e Príncipe - 12 de Julho
  • Moçambique - 25 de Junho
  • Timor-Leste - 20 de Maio

Se fosse por diante a ideia peregrina de abolir o feriado do 1º de Dezembro, passaríamos a ser o único a não o ter. Estranho, não? Uma completa anormalidade!

Seria um buraco negro no nosso calendário. E um buraco negro na CPLP. O completo desvalor daquilo que somos. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Se não fosse o 1.º de Dezembro


Este artigo não seria escrito se não tivesse havido 1º de Dezembro. Ou seria escrito em Castelhano. Não seria escrito neste jornal, que não existiria. Não haveria Língua Portuguesa como a conhecemos hoje – teríamos sido sujeitos a longa aculturação espanhola, somando mais 370 anos de usurpação aos 60 de domínio dos Filipes.

Não haveria a querela do Acordo Ortográfico, porque não haveria o Português, nem o problema da regulação do uso universal da nossa língua. Estaríamos hoje com os galegos, esbracejando pela cidadania linguística. Não haveria Rui Reininho e a sua 'Pronúncia do Norte', nem Pedro Abrunhosa e o seu 'Momento' ou Jorge Palma e 'Encosta-te a Mim', o 'Ó Gente da Minha Terra' de Mariza, o 'Fado Tropical' de Chico Buarque. Fernando Pessoa não seria o que é, nem a Mensagem. Camões e 'Os Lusíadas' seriam talvez desconhecidos, literatura esquecida ou clandestina. Veríamos filmes dobrados – em Castelhano. O Fado não seria Património Imaterial da Humanidade. Não existiria sequer o fado, antes outra coisa qualquer de sonoridade espanhola.

Já não teríamos declarado o sobreiro árvore nacional. Não seríamos o maior produtor mundial de cortiça – seria Espanha. O nosso porco preto alentejano seria porco ibérico para toda a vida, sem apelo nem agravo. Teríamos centrais nucleares na bacia do Tejo e talvez na do Douro, não só do lado de lá, mas do lado de cá. Não haveria lado de cá e de lá. A política espanhola de transvases afectando os nossos rios estaria aí em pleno.

Não haveria D. João IV, nem D. João V e o seu Convento de Mafra, nem D. João VI e a originalidade fundadora da corte no Brasil. Não haveria o próprio Brasil – em lugar dessa criação do génio e do acaso português, teriam surgido outras coisas, fruto de colonizações retalhadas de holandeses, franceses, espanhóis e ex-portugueses falando espanhol. Não haveria o samba e a bossa nova. Não haveria Angola, nem Moçambique. O espaço de Moçambique estaria repartido por países anglófonos e no de Angola seria outro retalho qualquer de colonizações holandesa, alemã, francófona, talvez espanhola. São Tomé e Príncipe estaria na Guiné Equatorial, como Fernando Pó e Ano Bom. A Guiné-Bissau moraria na francofonia, Cabo Verde provavelmente também. Não haveria a morna, nem a coladeira, talvez o zouk de Guadalupe e Martinica. Timor seria holandês e, portanto, indonésio. Macau teria acabado, pouco depois de ser. Não teria havido a guerra do Ultramar, porque não teria havido Ultramar. Não existiria a CPLP. Nem haveria sequer o Fórum Ibero-Americano, antes qualquer coisa hispano-americana. Não haveria o navio-escola 'Sagres'. O nosso mar português não seria.

Não teríamos o Eusébio. Não teríamos festejado o louco terceiro lugar do Mundial de Inglaterra 1966, mas alguns teriam celebrado a Espanha campeã do Mundo na África do Sul 2010. O Benfica e o FC Porto provavelmente nunca teriam sido campeões europeus. A Académica nunca teria ganho a Taça de Portugal – não haveria Taça de Portugal. Com sorte, Benfica, Porto, Sporting, outro, poderiam ter ganho a Copa Generalíssimo ou a Taça do Rei.

Não haveria Cardeal Patriarca de Lisboa, título do século XVIII. Não haveria um só cardeal português no Consistório de Roma. Não existiria a Conferência Episcopal – os nossos bispos estariam na conferência espanhola.

Teria havido o terramoto de 1755, mas não o Marquês de Pombal, nem a baixa pombalina. As invasões francesas teriam sido uma passeata com cicerone espanhol. Não haveria a questão de Olivença – seríamos todos nós Olivença. Teríamos tido na mesma as lutas liberais, mas não entre D. Pedro e D. Miguel, antes envolvidos nas longas guerras do carlismo. Não teríamos tido nem Afonso Costa, nem Salazar, antes dois breves episódios republicanos, um fugaz no século XIX, outro nos anos 30 seguido da guerra. Teríamos tido a Guerra Civil, seguida do Generalíssimo e da restauração monárquica com rei espanhol. Teríamos sofrido o terrorismo da ETA. Não haveria Cavaco Silva, presidente; nem, antes, Jorge Sampaio, Mário Soares, ou Ramalho Eanes. Seria D. Juan Carlos. Não teríamos Passos Coelho, nem Paulo Portas, antes Mariano Rajoy e Garcia-Margallo. Não teríamos Ministério dos Negócios Estrangeiros – seríamos somente um negócio de estrangeiros. Não teríamos Assembleia da República, apenas as Cortes Generales.

Aqui chegados, eu compreendo perfeitamente que as Cortes de Madrid chumbassem o nosso feriado do 1º de Dezembro, primeiro o Congresso dos Deputados, logo a seguir o Senado. Mas a Assembleia da República fazer isso? Não pode ser.

José Ribeiro e Castro
Deputado e ex-líder do CDS-PP

[Artigo publicado na edição de 19-mar-2012, do CORREIO DA MANHÃ - ler aqui]

O mandato de soltura europeu


O caso Vale e Azevedo voltou de novo aos jornais. Rolou mais um episódio do jogo-do-gato-e-do-rato que, desde há vários anos, Vale e Azevedo vem entretendo com o Ministério Público e os tribunais portugueses e britânicos. E há também outras histórias deliciosas que, mês sim, mês não, nos vão entrando pelos noticiários, dando conta de que, apesar de tudo o que já lhe aconteceu, insiste em ir prosseguindo a sua actividade delituosa junto de qualquer incauto que apanhe por diante: a UNITA, o senhorio, o sistema de assistência jurídica britânica, etc.

Não é isso que interessa aqui. 

Mesmo que o caso dê vontade de rir, o caso não tem graça nenhuma. Não me refiro ao efeito de desmoralização geral e de descrédito completo que escapar escandalosamente às malhas da Justiça sempre provoca na população. Refiro-me à evidente fragilidade judiciária do instrumento usado, o que é o mais grave que está em causa.

Diversamente do que a imprensa refere - e insiste -, estes processos em Londres não são de "extradição". Isso era antigamente. Agora, o instrumento chama-se "mandato de detenção europeu" ou, mais jornalisticamente, mandato de captura europeu. Foi introduzido, com grande pompa e solenidade, em 2004, num contexto particularmente duro: a seguir aos atentados do 11 de Março em Madrid e como uma das medidas europeias de combate ao terrorismo. O mandato de captura europeu já estava em discussão há muito, nas medidas para melhorar o chamado Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. Mas não andava, nem desandava. E foi na ressaca imediata das bombas de Madrid que se gerou o clima político propício a ser introduzido.

O mandato de captura europeu procura, assim, superar a burocracia excessiva e os labirínticos corredores do tradicional processo de extradição, introduzindo um instrumento de cooperação judiciária mais efectiva para combate à criminalidade no espaço da União Europeia. Na mente dos seus autores, seria "trigo-limpo-farinha-amparo". Com o caso Vale e Azevedo, vê-se...

Imaginemos, na verdade, que, em lugar de um imaginoso burlão, estaríamos a lidar com criminosos de maior perigosidade social: terroristas, raptores, pedófilos, grande criminalidade económica, traficantes... Quem pode sentir-se seguro com um sistema que funciona assim?

A forma como, em directo e ao vivo, Vale e Azevedo usa os truques mais elementares para gozar continuamente com toda a gente e pôr a ridículo ao mesmo tempo o nosso sistema judiciário, o sistema judiciário britânico e a cooperação judiciária europeia expõe as debilidades de tudo isto. E o facto de o folhetim continuar apenas serve para mostrar que realmente ninguém se importa. Para vergonha da Justiça. E insegurança dos honestos.

Creio que, no caso dele, Vale e Azevedo está a acumular um enormíssimo sarilho. Mas, entretanto, já desacreditou o sistema por inteiro. E o sistema importa-se?

Passa pela cabeça de alguém?


Passa pela cabeça de alguém que o Presidente, o Governo ou o Congresso dos Estados Unidos da América dessem cabo do seu 4 de Julho?

Passa pela cabeça de alguém que Angola acabasse com o seu 11 de Novembro?

Passa pela cabeça de alguém que Dilma Rousseff ou o Congresso brasileiro abolissem o seu 7 de Setembro?

Então, como pode ser que nós acabássemos com o nosso feriado nacional do 1º de Dezembro?

sábado, 17 de março de 2012

O que doeu a liberdade a Portugal

Campo de batalha das Linhas de Elvas

Há muito que se previne contra a crise do ensino da História, nomeadamente da História de Portugal, nas nossas escolas, e contra os malefícios daí decorrentes. Se o feriado nacional do 1º de Dezembro viesse a ser abolido, isso seria uma consequência desse declínio. Aliás, alguma anomia existente e a indiferença ou os disparates de boa parte das classes dirigentes a respeito das datas patrióticas, como o 1º de Dezembro, são já um eco dessa crise.

É um erro, por exemplo, reduzir a 1 de Dezembro a "uma efeméride" ou limitá-lo a uma "revolta de um grupo de 40 conjurados", como a coisa se tivesse tratado de um conjunto de pândegos bem-dispostos que, um belo dia, resolveram descer do Rossio ao Terreiro do Paço para defenestrar um cavalheiro e... "prontos! agora somos independentes outra vez." 

E há até quem nem isso sequer refira e valorize.

O 1º de Dezembro de 1640 iniciou uma longa campanha de lutas e sofrimentos pela liberdade de Portugal, uma dura guerra de 28 anos. Uma guerra travada aqui, mas também em Angola, S. Tomé e Príncipe, no Brasil, no Oriente. Só no Continente, travaram-se seis duras batalhas: Montijo (1644), Arronches (1653), Linhas de Elvas (1659), Ameixial (1663), Castelo Rodrigo (1664), Montes Claros (1665). E houve outros enfrentamentos militares como no Cerco de São Filipe, no Cerco de Elvas, em  Talavera la Real, em Vila Nova de Cerveira e, no mar, na batalha do Cabo de São Vicente. 

Não se tratou de uma brincadeira com soldadinhos de chumbo. A Guerra da Restauração, por que reconquistámos a independência de Portugal, custou milhares de mortos, até a paz ser firmada pelo Tratado de Lisboa, em 13 de Fevereiro de 1668, ainda no reinado de D. Afonso VI, mas sendo já regente D. Pedro, futuro D. Pedro II. D. João IV começou a campanha em 1640, mas já não lhe viu o fim, morrendo em 1656, doze anos antes da paz e da vitória definitiva.

Não podemos esquecer, nem diminuir esses duros e heróicos 28 anos de luta pela liberdade e pela independência, que se representam no 1º de Dezembro. Não podemos trair a memória dos mortos e combatentes que nos restituíram livre, Portugal. 

Manifesto do 1º de Dezembro soma e segue

Cerimónia evocativa da Bandeira da Restauração, no Brasil.

Assinado com data de 5 de Março de 2012, quando foi aprovado por unanimidade e aclamação pela assembleia geral da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), reunida em sessão extraordinária, o Manifesto em defesa do feriado nacional do 1º de Dezembro continua a somar aderentes.

Entre os últimos mais ilustres subscritores, destacamos: Diogo Freitas do Amaral, embaixador Leonardo MathiasAugusto CidPedro MeloMiguel Freitas da CostaLuís Villas-BoasManuel Cracel (presidente da AOFA – Associação dos Oficiais das Forças Armadas), general Mariz FernandesAntónio Vasco de Mello  (o presidente histórico da CIP). 

O Manifesto foi apresentado publicamente em 9 de Março, no Palácio da Independência, e enviado aos diferentes órgãos de soberania e outras entidades.

Nesta altura, já ultrapassámos, entre o patamar simbólico, o patamar de intervenção e o patamar de alargamento, aquele objectivo que nos tínhamos proposto de início: 400 subscritores (dez vezes 40) - homens e mulheres, de todo o país e das Comunidades; de todas as idades dos 16 aos 90 anos, representando todas as gerações; e das mais variadas profissões, estratos sociais e sectores políticos, representando toda a comunidade nacional. A relação de subscritores pode ser acompanhada no site da SHIP, onde é regularmente actualizada.

É preciso acreditar. E nunca baixar os braços.

terça-feira, 13 de março de 2012

Henrique Gomes. Quem mexe na energia?


A demissão de Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia, enche os noticiários de hoje. É natural: por um lado, as questões dos preços da energia iam já demasiado quentes; por outro lado, o "tiro ao Ministério da Economia" anda aí muito intenso. As leituras multiplicam-se: é o Diário de Notícias; é o Público; é o Dinheiro Vivo; é o Diário Económico; e há e haverá mais. Será assunto central nos próximos dias. E semanas.

A nota oficial de demissão, apontando para «motivos pessoais e familiares», confirma a excelente ideia que tenho de Henrique Gomes: um homem sério e competente, sóbrio, avesso à politiquice. 

Tenho pena que tenha saído. Tinha-o - e mantenho-o - na conta de alguém dedicado ao interesse nacional, completamente independente dos poderosos interesses (e muito rentáveis) que se movem nos bastidores da chamada "política" energética.

Contudo, paradoxalmente, a sua saída poderá trazer luz a este enredo. Explico-me. 

O fim das rendas excessivas pagas a alguns sectores que se alojaram na produção de energia em Portugal é uma necessidade imperiosa da nossa economia. O memorando com a troika é também absolutamente claro a esse respeito: entre as reformas estruturais a concretizar,  uma das mais relevantes é a do sector da energia e do seu financiamento clientelar. 

A batalha nos bastidores tem andado aí, de forma mais ou menos surda. Mas a última avaliação trimestral pela troika insistiu novamente na questão. Por todos, basta recordar, hoje, o Jornal de Negócios de há duas semanas apenas: Terceira Avaliação - Troika "passa" Portugal mas critica rendas na energia. O recado é claro: «é preciso ir mais longe no combate às margens de lucro do sector energético.»

Por isso, a demissão de Henrique Gomes pode vir a ter efeitos positivos. O tema saltou, de vez, dos bastidores para a primeira linha do palco. Entrou de vez no radar geral e, desta vez, não sairá do écran sem uma resposta política absolutamente clara. Antes da quarta avaliação da troika, o balanço terá de ser feito. Quem manda em Portugal? Quem é que mexe na energia?

Entretanto, os números são claros: pagam as famílias, pagam as empresas, sofre a economia. O Dinheiro Vivo acaba de publicar mais um balanço. A substituição de Henrique Gomes aumentou a atenção geral sobre o problema.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Organizemo-nos (III)


Hoje à tarde, é apresentado publicamente no Palácio da Independência, em Lisboa, sede da SHIP - Sociedade Histórica da Independência de Portugal, o Manifesto que elaborei, em defesa do feriado nacional do 1º de Dezembro.

É oportuno, assim, recapitular os posts que aqui têm sido escritos, desde Dezembro passado, sobre esta questão: 

Vamos continuar.

Pontaria

Exercícios de fogos reais aos feriados em Portugal

A nossa Constituição começa assim, logo no seu artigo 1º:
Portugal é uma República soberana, ...
O valor colectivo e histórico da República é assinalado no feriado do 5 de Outubro. O valor colectivo e histórico da soberania é assinalado no feriado do 1 de Dezembro. 

Era difícil o Governo ter melhor pontaria ao propor acabar justamente com aqueles dois feriados civis que, no calendário oficial do país, celebram precisamente os valores registados nas primeiras palavras da nossa Constituição.

Pimba!