domingo, 29 de janeiro de 2012

Feriados? Pega lá e embrulha!


Há anos, ficou-me na memória uma entrevista de António Barreto em que, reflectindo sobre o nosso sistema político e a crise da representação parlamentar, rematava: «Os nossos deputados são escravos e têm mentalidade de escravos.»

Hoje, procurando imagens para ilustrar este post, dei-me conta do flagrante exagero do comentário: comparar a condição de deputado, por mais servil que seja, com a abominável condição a que foram reduzidos os homens e mulheres feitos escravos é um exagero óbvio. 

Mas percebe-se a ideia. E a carga da comparação. Corresponde, de resto, a uma crítica frequente ao modo como os deputados aparentam sujeitar-se sempre (ou quase sempre) a tudo o que lhes é imposto: sem informação, sem debate, sem qualquer processo sério de decisão colectiva. É daí que vem, aliás, a ideia generalizada da redução brutal do número de deputados, havendo mesmo quem ache que bastaria um só deputado por partido, ou até acabar com a Assembleia da República. Os deputados - diz-se - não representam coisa nenhuma e são mero "verbo de encher".

A questão dos feriados despertou-me este debate de novo. Mais do que esta ou aquela decisão concreta, não me conformo com o processo político seguido. Eu não sei se o PSD discutiu alguma coisa. No CDS, não soubemos de nada, no CDS não debatemos nada nas sedes próprias.

Ainda no começo de Dezembro, levantei uma série de questões. Escrevi, aqui, neste blogue: (1) 1º de Dezembro, Dia de Portugal; (2) Fazer as contas ao "custo" dos feriados;  (3) Temos feriados a mais?: e  (4) Sobre a extinção de feriados.

Manifestei também, no sítio certo, por escrito, algumas pretensões concretas. Queria obter: 
  1. Informação oficial sobre o ponto da situação da abolição de feriados. 
  2. Dados sobre os objectivos a atingir e porquê. 
  3. A ponderação já efectuada sobre os prós e contras da abolição das diferentes datas de feriados civis e feriados religiosos. 
  4. A avaliação dos motivos por que a mera eliminação de pontes não seria possível ou não atingiria os objectivos pretendidos, bem como da inexequibilidade da deslocação de algumas celebrações para o fim-de-semana mais próximo. 
  5. Informação sobre se a direcção do CDS já tinha posição sobre a questão, quando a tencionava tomar e como iria debater-se o tema internamente. 
  6. Releitura da nossa posição em debates anteriores sobre a matéria, nomeadamente aquando do último projecto das deputadas independentes do PS na legislatura anterior (2009/11): projecto de Resolução nº 136/XI
Não é pedir demais, creio eu. Ou seria?

Houve, na altura, intensa troca de mensagens a este respeito. Fiquei à espera. Passaram quase dois meses. Fui mesmo levado a pensar que o assunto teria passado... Até ao anúncio da passada quinta-feira, no rescaldo do Conselho de Ministros. Toma lá e embrulha!

A responsabilidade, aqui, não é - sublinho - do ministro da Economia. É dos partidos políticos, que têm responsabilidades próprias de representação politica e de maturação prévia das decisões. Têm mecanismos para isso e essa é, aliás, a sua útil função social permanente. São uma espécie de pulmão de respiração social - senão não servem para nada.

E é também responsabilidade dos deputados e grupos parlamentares, sobretudo numa matéria que, pelo simbolismo que lhe está associado, recomenda um tratamento ponderado da sensibilidade social e política. Não é nada difícil, aliás. Basta praticar o institucionalismo e accionar o funcionamento orgânico. Com precedência sobre as decisões; não a reboque e a toque de caixa.

No dizer de António Barreto, não sou escravo, nem tenho mentalidade de escravo. Senão viveríamos em ditadura. E não só da dívida, nem só da troika.

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