quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A inovação tecnológica, o Estado e a economia portuguesa

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Em Portugal, os dados de 2011 revelam que dos 26 175 doutorados em actividade, apenas 709, ou seja, uns escassos 2,7%, tinham vínculo laboral com empresas.



A inovação tecnológica, o Estado e a economia portuguesa
A inovação tecnológica é fundamental para garantir a competitividade das empresas e, por isso, é muito importante que em Portugal as empresas utilizem as tecnologias de forma economicamente eficiente.

O processo pelo qual a ciência é adquirida e desenvolvida para se converter em inovação tecnológica empresarialmente competitiva é, todavia, longo e complexo.

O Estado tem tido em Portugal um papel muito importante na promoção da investigação científica e, portanto, uma parte da opinião pública considera que basta o Estado gastar mais dinheiro nesta área para que as empresas se tornem mais competitivas.

Ora esta noção está completamente errada!

A componente fundamental para o sucesso deste processo é a existência duma estratégia que tenha em conta o enquadramento nacional e o contexto europeu e global.

Logo a partir dos conhecimentos científicos de base, é necessário optar entre as diferentes tecnologias a desenvolver a partir deles e definir depois quais os produtos e serviços em que essas “inovações tecnológicas” devem ser aplicadas.

E esta transposição entre a ciência e os “produtos inovadores” tem de ser feita em articulação entre as instituições de ensino e investigação e as empresas que actuam nos sectores de actividade em que essas inovações tecnológicas são aplicáveis.

A inovação tecnológica empresarialmente competitiva necessita de diversos ingredientes de base: as competências científicas/experimentais, as instalações industriais/empresariais onde as inovações tecnológicas se podem converter em capacidade económica, e os recursos humanos com a adequada formação tecnológica e de gestão.
Em termos de políticas públicas, o mais importante nesta área é a qualidade estratégica das mesmas e não o montante dos recursos financeiros que o Estado utiliza em todo este longo processo.

Por exemplo, uma percentagem significativa dos doutorados em ciência e tecnologia deverá estar inserida na actividade empresarial.

Ora, em Portugal, os dados de 2011 revelam que dos 26 175 doutorados em actividade, apenas 709, ou seja, uns escassos 2,7%, tinham vínculo laboral com empresas.

Ou seja, em Portugal, o Estado é o empregador exclusivo da esmagadora maioria dos doutorados!

É obviamente positivo que o Estado português tenha ao seu serviço um número apreciável de doutorados, mas fazê-lo de tal forma que apenas 2,7% deles estejam ao serviço das empresas é uma perversão das políticas públicas e da correcta alocação do dinheiro dos contribuintes.

As bolsas de pós-doutoramento funcionam, por vezes, para tentar manter alguns doutorados numa “redoma protegida” das verdadeiras realidades económicas do país no seu conjunto.

A atribuição de bolsas de pós-doutoramento apenas para “manter em actividade” doutorados de alta qualidade é, muitas vezes, uma “atracção fatal” que pretende resolver um problema social, mas que só o faz agravar.

E quanto mais dinheiro o Estado gastar neste “doping”, sem enquadramento estratégico, pior.

Porque conduz à delapidação de muitas centenas de milhões de euros de dinheiros públicos por ano e, mais grave ainda, porque uma parte significativa dos doutorados, nomeadamente nas áreas da ciência e tecnologia, ficam numa situação de precariedade de carreira, em vez de estarem a trabalhar nas empresas onde a inovação tecnológica pode conduzir a um aumento da competitividade económica.

Por isso, nos países mais avançados, 40 a 50% dos doutorados em ciência e tecnologia trabalham em empresas.

Para que a questão possa ser resolvida, é necessário que as empresas e as políticas públicas em Portugal favoreçam a transição dos doutorados para as primeiras.

Por exemplo, através dum programa em que pelo menos 50% dos candidatos às bolsas de pós-doutoramento tenham de ir trabalhar para as empresas, sendo apoiados com fundos públicos num valor que seria metade dos montantes que o Estado gastaria se os mantivesse como bolseiros.

O Estado pouparia assim muito dinheiro, as empresas adquiririam uma preciosa ferramenta de competitividade e os doutorados ficariam com uma perspectiva de carreira profissional que, de outra forma, não poderiam obter.
Clemente PEDRO NUNES
Professor do Instituto Superior Técnico

NOTA: artigo publicado no jornal i.

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