quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O Presidente de todos os portugueses, menos de 2.521



Cavaco Silva ratificou, no passado dia 30 de Julho de 2015, o Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes. Fica um dia muito triste para Portugal. Por este novo regime jurídico, a "terceira língua europeia global" vê-se relegada para a terceira divisão das línguas europeias, ao serem erigidas apenas três línguas (Alemão, Francês e Inglês) como línguas europeias oficiais para a "patente europeia de efeito unitário" e o seu regime judiciário privativo.

A infeliz decisão do Presidente da República consta do Decreto do Presidente da República n.º 90/2015, de 6 de Agosto; e fez também publicar, assim, a Resolução da Assembleia da República n.º 108/2015, aprovada em circunstâncias altamente reprováveis, em 10 de Abril passado, pela força da maioria parlamentar, na esteira da proposta governamental PSD/CDS.

A decisão de Cavaco Silva, contrária aos interesses de Portugal e amesquinhando uma vez mais a nossa língua no contexto europeu, é coerente  com a posição que já tomara, como primeiro-ministro, quando, em 1994, abriu portas na União Europeia ao chamado "regime de Alicante". Este regime linguístico ficou assim conhecido em razão de o organismo europeu competente em matéria de marcas, o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (OHIM, na sigla inglesa), ter ficado sediado em Alicante. Com o Regulamento que criou este organismo e adoptou o regime da "marca comunitária", a nossa língua foi enterrada debaixo de outras cinco "línguas oficiais" para efeitos de marcas: Alemão, Francês, Inglês, Espanhol e Italiano. Eram os tiques do famoso "bom aluno". Esse regime linguístico discriminatório não se ficou, aliás, por aí: começou, depois, a ser replicado noutras instâncias europeias, subalternizando progressivamente a nossa língua na UE.

Tendo, entretanto, sido criada a CPLP e tendo aumentado nos últimos anos a convicção pública da importância internacional do Português, pensou-se que Cavaco Silva poderia ter evoluído. Foi uma ilusão. Neste ponto, está na mesma. Aliás, está pior, pois este regime de Munique consegue ser pior que o regime de Alicante.

Não tinha razão para agir deste modo. Mesmo que, como se depreende, Cavaco pense o mesmo que o Governo, soube-se, em Junho passado, que o Reino Unido só tratará da ratificação deste Acordo, depois do agendado referendo europeu - ou seja, só em 2018. E a ratificação pelo Reino Unido, assim como a da França (já ratificou) e a da Alemanha (ainda não), é indispensável para o referido Acordo entrar em vigor e em aplicação. Ou seja, não havia a menor pressa.

A precipitação do Presidente da República impediu, assim, a possibilidade um debate determinante sobre a matéria, por ocasião das próximas eleições presidenciais.

Além disso, Cavaco Silva tinha acabado de receber, a 28 de Julho, uma carta enviada por professores universitários portugueses, que lhe transmitiam o "Apelo dos 20" (publicado em 10 de Junho passado) e pediam uma audiência para Setembro, a fim de fazerem entrega de uma Petição com 2.500 subscritores, onde se solicitava o protelamento desta ratificação. A resposta de Cavaco Silva aos académicos das Universidades portuguesas foi esta...

Este gesto do Presidente da República mostra incompreensível grosseria e desconsideração por portugueses que exerceram, respeitosamente, a sua condição de cidadania. De tal modo que pode concluir-se que será talvez, no seu espírito, o "Presidente de todos os portugueses" menos de 2.521: os 2.500 peticionários; os 20 académicos do Apelo no 10 de Junho; e eu próprio, que lutei contra esta mediocridade na Assembleia e apresentei declaração de voto.


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