O segredo esteve muito bem guardado. Nunca pensei.
Ao longo deste mês de Agosto, o "Diário de Notícias" publicou, todos os dias (excepto aos domingos), um notável folhetim de ficção política: "As eleições que ninguém quer ganhar". São peças memoráveis, quase sempre verdadeiramente deliciosas.
O autor, fosse quem fosse, não mostrava só qualidades ficcionais extraordinárias, mas aliava-lhes também um conhecimento profundo dos actores retratados a um seguimento impressionante da actualidade política do burgo. Não fomos servidos com um folhetim pré-fabricado; os episódios iam acompanhando alguns dos episódios mais picantes da política nacional no habitualmente plácido mês de Agosto, entrelaçando a ficção com a realidade.
A série que o DN publicou neste Agosto não fica nada a dever ao que foi referido como sendo o modelo original: o folhetim do Le Figaro. Antes pelo contrário. Tornou-se de imediato, para mim (e, estou certo, para muitos leitores do DN), um impulso quotidiano: ler a peça do dia era o primeiro dever da manhã.
Lembro o que cedo comentei no Facebook:
«Se o "Diário de Notícias" não aumentar significativamente a tiragem neste mês de Agosto com este magnífico Folhetim de Verão, diário, no género ficção política, "As eleições que ninguém quer ganhar", já não sei o que mais poderá fazer-se para salvar a imprensa escrita.São sucessivas peças notáveis, de um brilhante autor Anónimo, servidas por uma cultura superior, memória de elefante, humor finíssimo, atenção permanente à evolução da actualidade, inteligência arguta e imaginação prodigiosa.26 valores numa escala de 20! Absolutamente imperdível.»
O anónimo autor desta brilhante novidade do nosso Verão político foi mantido em sigilo ao longo de todo o mês. E, hoje, em que sai o último episódio, o mistério foi desvendado: o autor é o jornalista Ferreira Fernandes!
Dera tratos de polé à minha cabeça para imaginar quem poderia ser. E nunca me passara pela cabeça. O Ferreira Fernandes que me desculpe. Eu tinha alguns escassos palpites, depois de várias meditações e meticulosa eliminação de "candidatos". Mas Ferreira Fernandes jamais me ocorreu, até porque sempre acreditei que o misterioso autor seria um ocasional colaborador externo (um político retirado, um diplomata queirosiano, um estudioso observador atento da cena política) e não alguém da casa.
Sou, desde há alguns anos, leitor regular de Ferreira Fernandes nos diferentes géneros que tem cultivado. Mas fui totalmente surpreendido pela revelação. Há pessoas assim: quanto mais velhas são, mais novas ficam.
Feliz o jornal que tem nos seus quadros um jornalista - um escritor, direi - com este gabarito, capaz ainda de nos surpreender ao fim de muitos, muitos anos de uma carreira marcante.