sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ano Novo, novo ciclo



"Em Portugal, certamente na Europa, seguramente no Ocidente, porventura no mundo inteiro, vivemos tempos de grandes interrogações. Andamos todos em busca de um «novo paradigma» como se fora o Santo Graal deste tempo." - assim começa a nota de apresentação de uma surpresa nossa para 2012. 

Depois do sucesso que têm sido as sessões da "Tertúlia Diplomática", o Avenida da Liberdade arranca o Ano Novo com outro ciclo de palestras e debates, em parceria com a Livraria Férin: Política e Pensamento: a voz dos livros.

Para animarmos as sessões (estas serão quinzenais), já temos garantido um elenco de luxo. O programa da 1ª série está todo estabelecido até à interrupção do Verão, em meados de Julho. E várias das sessões da 2ª série, que começará em Setembro, também já estão definidas.

«Política e Pensamento: a Voz dos Livros» pretende ajudar a reflectir sobre grandes livros que inspiraram o pensamento humano e político ou foram sinal forte de intervenção nos últimos anos, tentando lançar um novo olhar sobre os tempos que atravessamos e, porventura, encontrar explicações e inspiração. É um ciclo da política com ideias, um ciclo de debates para a política com ideias.

No cenário clássico da Livraria Férin, na Baixa de Lisboa (ao Chiado), o programa começa a 9 de Janeiro, com PEDRO LOMBA a falar-nos sobre o «Compêndio da Doutrina Social da Igreja». E prossegue a 19 de Janeiro, com ÁLVARO SANTOS PEREIRA e o seu último livro de há meio ano, «Portugal na Hora da Verdade», agora com a curiosidade adicional do seu novo olhar sobre a realidade portuguesa enquanto ministro da Economia. Depois, continuaremos quinzenalmente, ao longo de 2012, sempre às 18:30 horas, em sessões com a duração de uma hora.

Marque na sua agenda. E passe palavra! Continuaremos a dar notícias. Esteja atento.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

1º de Dezembro, Dia de Portugal



Não consigo aceitar a ideia de que o 1º de Dezembro deixasse de ser celebrado em Portugal, acabando o feriado desse dia. Associei-me, por isso, à petição pública que foi lançada - sou o 548º signatário. E revejo-me nas posições tomadas a este respeito pela SHIP - Sociedade Histórica da Independência de Portugal.

A forma como celebramos o Dia da Restauração resume-se, nos últimos anos, a ser precisamente um dia feriado. E talvez esse facto limitado tenha contribuído para o banalizar, enfraquecendo a sua solenidade nacional.

O debate das últimas semanas levou-me a reflectir um pouco mais sobre o tema. E a considerar que há, na verdade, um problema nacional sério com o 1º de Dezembro. Mas o problema não é que seja um "feriado a mais", antes o de que o celebramos de menos. A necessidade não é a de o apagar; é, ao contrário, a de o assinalar mais e melhor.

Aquilo que nos justifica a Portugal e aos Portugueses como Nação é termos adquirido independência nacional. É o nosso facto colectivo mais importante. Sem isso, não existimos. Sem esse facto... não somos.

Podíamos talvez ter decidido celebrar a independência noutro dia. Há monárquicos, por exemplo, que festejam esse facto com referência a 5 de Outubro, data do Tratado de Zamora, em 1143. Ou podíamos assinalá-la com referência a alguma data marcante da crise do interregno de 1383-85. Mas a verdade é que celebramos a Independência Nacional com referência à Restauração de 1640. É a nossa data  nacional mais importante. Fazêmo-lo assim há muitos anos: há mais de um século. O 1º de Dezembro é o nosso feriado nacional mais antigo.

Penso inclusive que o Dia de Portugal deveria passar a ser celebrado no 1º de Dezembro, em vez de no 10 de Junho. O 10 de Junho deveria manter-se como Dia de Camões, podendo ser designado de "Dia de Camões, da Língua e das Comunidades" ou manter também "Dia de Portugal" na denominação, no sentido de Portugalidade universal - e, a deixar de ser feriado, poderia ser apropriadamente celebrado, todos os anos, no fim-de-semana mais próximo, em diversas actividades culturais e em acções externas onde mais importa: nas comunidades portuguesas da Diáspora e em todo o espaço da Lusofonia. Mas o "Dia de Portugal", propriamente dito, o nosso feriado nacional principal, o nosso dia colectivo como Portugal e dos Portugueses deveria ser festejado e assinalado a cada 1º de Dezembro, centrado no facto político que nos justifica historicamente: a independência nacional.

Fiz um pequeno levantamento nos países da UE-27 e cheguei a esta conclusão: dos 27 países da União Europeia, são 16 os Estados-membros cujo Dia Nacional é a respectiva festa da Independência - Lituânia, Estónia, Bulgária, Grécia, Suécia, Luxemburgo, Eslovénia, Bélgica, Hungria, Eslováquia, Malta, Chipre, República Checa, Polónia, Letónia e Finlândia. E são 4 outros Estados-membros que celebram o Dia Nacional em data equiparada - Roménia (fundação da Roménia moderna) e Alemanha (reunificação). Portugal integra a minoria de 9 países cujo Dia Nacional não assinala a independência ou fundação nacional, sendo que a maioria desses países são, aliás, monarquias em que o Dia Nacional corresponde ao aniversário do soberano ou países que não tiveram propriamente "independência nacional" (exemplos: Holanda, Reino Unido, Espanha, França ou Itália).

A minha ideia é a de que Portugal deve juntar-se à maioria da União Europeia: passar a ser o 19º Estado-membro cujo Dia Nacional celebra também a sua existência como Nação independente - no nosso caso, o 1º de Dezembro. 

Ganhavam Portugal e os portugueses. Ganhava a consciência nacional. E, a ter que haver economia de dias feriados, ganhava a produtividade no mês de Junho, sem prejudicar - antes pelo contrário - a celebração cultural, lusófona e internacional do 10 de Junho, Dia de Camões e da Língua.

Fazer as contas ao "custo" dos feriados

Antes de ser ministro da Economia, já Álvaro dos Santos Pereira reflectia sobre este ângulo do problema, em entrevistas e no seu blogue. E referia, aí, uma estimativa de que cada feriado, em Portugal, teria um custo de 40 a 50 milhões de euros para a economia nacional.

O número, todavia, que estamos mais habituados a ouvir e a ler, nos últimos anos, é o de que cada feriado ou dia santo custa 37 milhões de euros à nossa economia. Ainda recentemente essa estimativa clássica foi recordada nas notícias do tema.

Se assim for, podemos concluir que o custo de um feriado equivale a 0,02% do PIB nacional. Por conseguinte, quando se fala em eliminar quatro feriados e dias santos, a dúvida que importa pôr é se vale a pena afrontar tradições estabelecidas para ganharmos qualquer coisa como 148 milhões de euros, isto é, 0,09% do PIB? 

Não. O problema tem de ser certamente mais sério. E a resposta mais estruturada, certeira e compreensível. Se não, o melhor mesmo é estar quieto.

O acento tónico está muito bem colocado pelo ministro no problema do "excesso das interrupções da produção". É o que temos que avaliar e discutir.

Temos feriados a mais?


A questão que convém começar por esclarecer à cabeça é se, na verdade, Portugal tem feriados a mais, em termos comparativos. Há quem assegure que isso é um mito e o queira desmascarar, desde logo.

Outro apanhado indica que, no quadro da União Europeia, Portugal está numa posição intermédia. Por seu turno, a Wikipedia permite fazer um apanhado global em todos os países do mundo, com o rigor que à Wikipedia quiser atribuir-se. Mas, seja como for, antes de nos pormos a cortar feriados e dias santos, é indispensável sabermos, com rigor, como nos comparamos com outros países do nosso espaço de referência: o quadro da União Europeia (já agora, com os candidatos também: Croácia, Turquia, Sérvia), o EEE e o quadro da OCDE. 

Não vale a pena flagelarmo-nos, se não houver razão substancial para isso.

Questão diferente do número dos feriados e dias santos é a forma como os celebramos e o hábito estabelecido das pontes. Em declarações recentes, é aí que o ministro da Economia pareceu colocar o acento tónico, ao sublinhar que o problema é que «Portugal tem quebras de produção a mais» - ver e ouvir o vídeo. E compreende-se a preocupação, pois isso, sim, afecta a produtividade e reflexamente a competitividade.

Ora, a resposta a este problema pode não passar de todo pelo corte do número de feriados, mas pela alteração da forma como os celebramos. A eliminação das pontes seria a resposta correcta, por dois modos possíveis:
  1. ou deslocando algumas festividades civis ou religiosas para o domingo mais próximo;
  2. ou mantendo a celebração oficial ou religiosa no dia próprio, mas deslocando o dia de descanso para a segunda-feira ou sexta-feira mais próxima.
Há vários países que seguem esta segunda alternativa, às vezes "compensando" mesmo com uma segunda-feira extra de descanso aqueles feriados que calham ao domingo. É o caso do Boxing Day em países anglo-saxónicos, no dia seguinte ao Natal, ou a segunda-feira de Páscoa ou de Pentecostes (festas religiosas, sempre dominicais), na França ou Bélgica.

Se o problema está no excesso de interrupções da produção, a solução, na verdade, não é cortar feriados, mas "encostá-los" aos fins-de-semana e eliminar também as pontes, de que os chamados "feriados de Junho" constituem o exemplo mais caricatural, permitindo a muitos uma semana de férias extra todos os anos.

O essencial para ponderar e decidir sobre feriados é saber: 1º - como estamos em termos comparados; 2º  - o que se quer. O que se quer poupar? O que se quer ganhar? Sem isso, nada.

Sobre a extinção de feriados

Não sei em que pé se encontre a questão da eventual extinção de dias feriados em Portugal. Depois de algum ruído, o assunto parece ter saído dos noticiários. Sempre com poucas explicações. Não se sabe bem como surgiu, nem como sumiu - ou por que sumiu.

Não é matéria com que os portugueses - a começar pelos deputados - possam ser surpreendidos de repente. Independentemente das decisões a tomar a final, é  matéria que carece antes de ser atempada e cuidadosamente debatida. Cada feriado guarda longa tradição, enraizada na vida colectiva. Não é pequena coisa.

É claro que pode mudar-se. Seria estúpido não mudar, sendo para melhor. E mudar para melhor, aproveitando da experiência de outros, pode ser certamente oportuno. A competitividade e a produtividade do país e dos portugueses é, sem dúvida, um tema central de preocupação. Mas é preciso saber - e saber muito bem - como, o quê e porquê. Até porque foram faladas alternativas à eliminação de feriados e nada se sabe sobre se sim, se não, nem porque sim, ou porque não.

No mínimo, é indispensável, como já defendi, que os partidos da maioria parlamentar e do Governo debatam internamente, no quadro dos seus grupos parlamentares, senão mesmo dos respectivos Conselhos Nacionais, todas as questões envolvidas. E, para que o debate não seja estéril ou leviano, nem demagógico ou populista, dispondo antecipadamente dos seguintes elementos de informação objectiva:
  1. Um ponto de situação por parte do Governo sobre a matéria, indicando em que ponto esteja o processo.
  2. Indicação de quais os concretos objectivos nacionais que se quer atingir e porquê.
  3. Indicação dos prós e contras da abolição das diferentes datas de feriados e dias santos. 
  4. Avaliação dos motivos por que a mera eliminação de pontes não seja possível ou não atinja os objectivos pretendidos.
  5. Explicação da inexequibilidade da deslocação de alguns dias de descanso (independentemente das celebrações oficiais ou religiosas) para o domingo mais próximo (eliminação de feriado), ou a segunda-feira ou sexta-feira mais próxima (eliminação de ponte).
  6. Inventário comparativo do número de feriados nos países da UE-27 e da OCDE, bem como da forma como são celebrados e gozados.
Sem isto, tudo é estéril. Semeia-se inquietação e discórdia, alimenta-se demagogia e leviandade, e anda tudo a chover no molhado.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O PCP e a Coreia do Norte


No dia que vai a enterrar Kim Jong-il, o segundo da dinastia comunista norte-coreana, e ascende ao trono não o primogénito, mas o favorito Kim Jong-un, terceiro da linhagem, seria oportuno que o PCP esclarecesse, de uma vez por todas, a sua posição sobre o regime despótico que condena o povo à fome e à miséria e constitui permanente ameaça à paz regional e mundial.


José Lello deixou o repto irónico na Assembleia da República, em reacção à votação dos comunistas contra Václac Havel: não se curvando perante o grande democrata checo, curvar-se-ia o PCP perante Kim II? Não houve resposta ao desafio. Mas, de facto, é oficial, o PCP enviou as suas condolências à Coreia do Norte e não consta que as mandasse à República Checa.

O regime norte-coreano é um quebra-cabeças permanente para os comunistas portugueses. Quando, em 2003, Bernardino Soares exprimiu as suas "dúvidas" sobre se a Coreia do Norte "não seria uma democracia", esse excesso de zelo gerou reacções entre outros comunistas. Mais tarde, Bernardino terá mudado a sua posição ou, pelo menos, a sua verbalização. Mas aquele desabafo ficou-lhe colado como uma segunda pele de que dificilmente se libertará: muitos o recordam em debates parlamentares, a propósito e a despropósito.

Noutras ocasiões, o posicionamento perante a tirania caricatural de Pyongyang voltou a dividir os comunistas portugueses. Mas estamos ainda para saber os fundamentos genuínos dessa reverência patética perante um regime ignóbil. Aguarda-se declaração política do PCP na Assembleia da República, na abertura do Ano Novo. A aplaudir ou a repudiar.

Entretanto, ficam as imagens do enterro, hoje de manhã:


As cerimónias ainda vão durar mais três dias.

O dissidente


Na votação do PCP contra o pesar pela morte de Havel, não foi suficientemente comentada a saída do hemiciclo do secretário-geral Jerónimo de Sousa. Na altura, muitos deputados (a começar por mim próprio) nem se deram conta do facto. Mas contou a imprensa, sentada mesmo ao lado da bancada parlamentar comunista: «Durante a votação, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, abandonou o hemiciclo, tendo regressado logo após os deputados votarem.»

Por que seria? Por que não quis Jerónimo votar com a sua bancada? Por discordar da orientação do Comité Central, obediente à ortodoxia e ao passado? Ou, pura e simplesmente, por não querer ficar na fotografia?

Às vezes, sou assaltado pelo sentimento de que a fractura absoluta entre as bancadas do PS e do PCP, que afecta a esquerda portuguesa e também o sistema democrático, já não faria muito sentido, trinta e seis anos depois do "gonçalvismo" e vinte e um anos após a queda do Muro e o fim da "guerra fria". Contudo, é sempre o PCP, reavivando ciclicamente a velha fractura histórica entre bolchevistas e menchevistas, que se encarrega de avivar a memória e consolidar a fractura. 

É pena. O sentido de serviço do interesse público de que muitos comunistas são sinal fica impedido de contribuir mais para o bem comum, por virtude dessa marginalização num gueto anacrónico de anti-democracia e de ameaça à liberdade. É que esta forma de os comunistas portugueses votarem, falarem e agirem, em matérias sensíveis da História e dos direitos humanos, não são apenas peças de museu, barrocas e irrelevantes; mas sinais políticos inquietantes de que, se as circunstâncias o proporcionassem, estariam prontos a repetir esse mesmo passado de horror. Perseguições, assassinatos políticos, prisões arbitrárias, execuções sumárias, ditadura de partido único, esmagamento das liberdades fundamentais, campos de concentração, tortura, imperialismo totalitário? - Não! Nunca mais!

Nem a "renovação" da bancada do PCP, com a entrada de novos deputados de novas gerações, tem servido para alterar o que quer que seja. Os comunistas portugueses querem guardar ciosamente o seu brio estalinista: "o mais estalinista dos partidos comunistas da Europa Ocidental", como se fizeram conhecidos. Às vezes, dá ideia de que é mesmo pior.

Já uma vez ofereci à deputada Rita Rato o "Arquipélago Gulag", de Alexander Solzhenitsyn, que a jovem comunista, quando se estreou em 2009, afirmou que "não conhecia, nunca lera". [Por sinal, nunca soube os ecos dessa oferta.] O actual secretário da Assembleia da República, Jorge Machado, aparenta frequentemente ser o digno sucessor no invejável título de "o Sectário-geral", expressamente criado para Mário Castrim. Bernardino Soares, um líder parlamentar competente e correcto, dificilmente se libertará dos desabafos, que em tempos fez, sobre a "democracia" na Coreia do Norte. E há vários outros casos de jovens velhos do ortodoxo PCP da mesma linha do antes "estalinar" que torcer.

A novidade foi mesmo Jerónimo de Sousa. Por que seria?


Kremlin doméstico


A votação, na Assembleia da República, do voto de pesar pelo falecimento de Václav Havel, na passada quinta-feira, surpreendeu quase toda a gente, embora não fosse novidade, nem surpresa. Tendemos a esquecer o que é realmente o PCP - e é sempre o PCP que faz questão de nos querer lembrar o que é.

Este 22 de Dezembro de 2011 merece ficar na História, pelo menos desta XII Legislatura. 

Vinte e dois anos depois da queda do muro de Berlim e da "revolução de veludo", que devolveu a independência e a democracia à Checoslováquia, a bancada comunista em São Bento votou contra a História, opondo-se ao pesar pela morte do histórico dirigente checo.

O voto do PCP é mais do que apenas o alinhamento passivo pelo que seria o pensamento de Estaline, Kruschev ou Brejnev, e talvez ainda Andropov, se estivessem vivos e ainda reinassem no Kremlin. É mais do que a mera rejeição da "revolução de veludo" e da democracia checa. É ainda o eco pesado dos mesmos tanques soviéticos que esmagaram a "primavera de Praga", em 1968, esse marco de tantas dissidências entre os comunistas do mundo inteiro e também nos comunistas portugueses. E é o sinal de ódio especial a um líder do antigo "bloco comunista" que provou não esquecer o que sofreu e foi sempre, até ao último dia de vida, especialmente consequente na denúncia dos regimes comunistas sobrantes e na promoção internacional da causa da liberdade e da democracia: Václav Havel, precisamente. Em Cuba, o regime castrista detesta-o. Em Lisboa, a bancada do PCP também.

O voto do PCP foi um manifesto. Um manifesto activo contra a democracia. Um manifesto contra a liberdade dos povos. Um manifesto contra o futuro.

É muito curioso este tique recorrente dos comunistas portugueses: em política externa, continuam a agir como "5.ª coluna" do imperialismo soviético. Repete-se sempre, uma e outra vez, já o observei noutras ocasiões: sempre que se trata de matéria de política internacional, o PCP age, em reflexo condicionado, como "franchising" póstumo da Praça Vermelha e dos velhos senhores do Kremlin. 

Quanto a democracia, liberdade, direitos do Homem fundamentais, o que nos safa não são os comunistas domésticos; é o Kremlin soviético que já lá não está.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Imortal



Óbito/Cesária: Ribeiro e Castro salienta "arte extraordinária" da intérprete cabo-verdiana

Lisboa, 17 dez (Lusa) – O presidente da comissão parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, José Ribeiro e Castro, salientou os “magníficos registos que Cesária Évora deixou da sua  “arte extraordinária, inesquecível”.

“As canções de Cesária são um imenso arquipélago de Cabo Verde pelo mundo inteiro, uma marca absolutamente inapagável. A música e a voz de Cesária nunca mais deixarão de se ouvir. Viverão para sempre como embaixada imortal da cultura cabo-verdiana”, escreve o parlamentar do CDS/PP.

Numa mensagem enviada à Lusa, José Ribeiro e Castro afirma que hoje, no dia em que morreu a cantora, se percebe  “ainda melhor a força fortíssima do seu trabalho e da sua memória”.

Cesária Évora morreu hoje, aos 70 anos, no hospital Baptista de Sousa, em São Vicente, Cabo Verde, onde se encontrava internada desde sexta-feira.

Segundo o diretor clínico do hospital, Alcides Gonçalves, a morte ocorreu por volta das 11:20 por “insuficiência cardiorrespiratória aguda e tensão cardíaca elevada”.

NL
Lusa/Fim

Número de Documento: 13499645 
Lisboa, Portugal 17/12/2011 19:48 (LUSA) 
Temas: Artes, Cultura e Entretenimento, Música, Morte

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Marimba, marimbar, marimbado


Sempre a contribuir para a elevação cultural da opinião pública nacional, aqui incluímos a referência fundamental de Pedro Nuno Santos, o enérgico deputado que garantiu que se estava a «marimbar para o banco alemão que emprestou dinheiro a Portugal nas condições em que emprestou», acrescentando: «Estou a marimbar-me para que nos chamem irresponsáveis.»

A "marimba" de Pedro Nuno Santos não é um deslize, nem uma obsessão; é todo um novo estilo e uma forte inspiração.


Percebe-se bem, por isso, a indignação do vigoroso vice-presidente da bancada do PS na Assembleia da República com a distorção das suas palavras e do seu pensamento: quando disse que ia pôr «as pernas dos banqueiros alemães a tremer» foi no sentido de os imaginar a dançar freneticamente ao som das marimbas african style.

Nos corredores de S. Bento, sabe-se mesmo que Carlos Zorrinho ordenou já à sua bancada estudos musicais acelerados. A seguir ao Ano Novo, o plenário parlamentar abrirá com os deputados socialistas a interpretarem o Concerto nº 1 para Marimba e Orquestra, de Jorge Álvaro Sarmientos, substituindo Pedro Nuno Santos o consagrado Keiko Abe, nos solos marimbeiros:


Os Concertos nº 2 e nº 3 de Sarmientos ficarão para mais tarde: para as sessões solenes do 25 de Abril e do 5 de Outubro, respectivamente. O PS já garantiu mesmo a vinda de Angela Merkel e de toda a administração do Bundesbank para esses dois espectáculos da temporada da Primavera e do Outono parlamentares.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A nudez crua da retaguarda


Após a divulgação da nova linha político-financeira do PS, lançada por José Sócrates e teorizada por Pedro Nuno Santos, é dado por inteiramente certo o lançamento de uma nova campanha dos socialistas directamente inspirada na geração JS que preponderava há quase vinte anos. Foram os tempos heróicos do "Não pagamos!" às propinas, que geraram, na altura, a alcunha geral da  "geração rasca".

O deputado Couto dos Santos (PSD), que à data era o ministro da Educação alvo dos rabos contestatários, já providenciou, num gesto de bom colega parlamentar, a distribuição imediata de um vídeo guia e inspirador à direcção da bancada socialista. 


O país inteiro aguarda a próxima demonstração, gráfica e exuberante, dos traseiros socialistas de Sócrates, Seguro, Zorrinho, Pedro Nuno Santos, Galamba, Pedro Marques e outros, atirados às caras cinzentonas de Merkel, Draghi, Lagarde, Sarkozy e Van Rompuy. Manuel Alegre, sempre com inclinação para a poesia, já definiu a nova linha dos socialistas: "Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez crua da retaguarda". 

Bruxelas, Berlim, Frankfurt, Washington e Nova Iorque entraram já de prevenção. E não são só os banqueiros alemães que ficaram a tremer. As agências de rating, o FMI, a UE, o BCE, o Federal Reserve, o governo da China - todos entraram em colapso. Embora conste que foi de riso.

O "rating" da República dos bananas


Os noticiários da manhã estão dominados pela nova linha dos socialistas: NÃO PAGAMOS!

As notícias são numerosas e não deixam margem para qualquer dúvida sobre o pensamento do vice-presidente da bancada do PS, Pedro Nuno Santos. Portugal deve suspender o pagamento da sua dívida, algo que - garante o líder distrital dos socialistas em Aveiro - deixará «as pernas dos banqueiros alemães» a tremer. Em colorido estilo marimbeiro, o influente deputado socialista garante que se está a «marimbar para o banco alemão que emprestou dinheiro a Portugal nas condições em que emprestou», acrescentando: «Estou a marimbar-me que nos chamem irresponsáveis. Temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e franceses. Essa bomba atómica é simplesmente não pagamos».


Além do vídeo acima, as notícias da TSF, da Agência Financeira e da TVI-24 são também muito claras. Absolutamente indesmentíveis.

O discurso no jantar socialista foi bem mais do que um desabafo nocturno, numa qualquer excitação de celebração partidária. É a manifestação de uma teoria socialista, que já aflorara há dias na mui afamada declaração de José Sócrates de que a dívida não é para pagar: «A minha visão é que para países como Portugal e Espanha a ideia de que agora é preciso pagar a dívida é uma ideia de criança. As dívidas dos países, pelo menos foi o que eu estudei em economia, são por definição eternas.»

É fácil perceber, neste quadro, a contínua degradação do rating da República Portuguesa, precipitando-nos no precipício. Essa queda no abismo, que marcou os últimos anos da governação Sócrates e ainda não conseguimos recuperar, deveu-se a dois factores: um, objectivo, a calamitosa situação das finanças públicas e das contas externas a que os governos do PS nos conduziram; outro, subjectivo, a percepção internacional e dos mercados de que os socialistas, ao modo grego, não tencionavam pagar, por mais declarações oficiais que fizessem em contrário e compromissos que assinassem.

O que estas declarações confirmam é a subjacente reserva mental de relevantes e influentes sectores do PS. É sobretudo a eles - e a essa estrondosa irresponsabilidade - que devemos boa parte dos escandalosos juros que todos temos que pagar. Devemos essa parcela colossal do fardo que nos fazem carregar à profunda desconfiança que estas correntes geram e aprofundam. Uma tão arreigada convicção contra o pagamento da dívida de certeza que era, de há muito, sensível e detectável pelos mercados - agora, a coisa limitou-se a vir à superfície.

Vida difícil tem, por isso, o líder parlamentar Zorrinho. Já tinha tentado desvalorizar as lições de Sócrates. Teve agora que fazer o mesmo com o seu vice-presidente de bancada. E percebe-se bem, pelo frenesim dos "esclarecimentos", o embaraço que estas revelações do espírito socialista provocam nas próprias hostes. Já antes isso acontecera com Sócrates, que teve de regressar brevemente ao prime-time televisivo para tentar corrigir o incorrigível. Agora, o mesmo sucedeu a Pedro Nuno Santos, empurrado a clarificar o clarificado:


A verdade notória é a de que há uma forte - talvez mesmo dominante - corrente do PS que alinha pelo diapasão dos "indignados", pelo tom de Daniel Oliveira (Dizer à máfia que não pagamos) e da  campanha do MRPP de Garcia Pereira: Não pagamos!. Boas companhias e gloriosas inspirações.

Depois deste episódio, o rating da República dos bananas baixou de lixo para o nível de "lixeira pútrida". E, após da enorme baralhada na tentativa de "esclarecimento" de Pedro Nuno Santos, o rating de referência consolidou-se mais um degrau abaixo: no nível "aterro sanitário".

Arrependimento ilícito


Ontem, na Assembleia da República, o PS ocupou o centro do debate parlamentar no plenário com o seu auto-denominado "pacote da transparência". 

Vale a pena ver e ouvir o vídeo da TVI-24 que sintetiza o debate ou ler rapidamente a síntese da Agência Financeira.

Escapando entre abstenções cruzadas, o PS lá conseguiu ver aprovada na generalidade e baixar à comissão especializada o grosso do seu "pacote" - com excepção de um, os diferentes projectos passaram e irão, agora, ser discutidos em pormenor.

Porém, nem sucessivamente interrogado e interpelado, conseguiu o PS esclarecer as razões e os propósitos de tanta pirueta e cambalhota. Os socialistas não quiseram esclarecer o motivo por que, poucos meses depois de sair do Governo, mudaram tão radicalmente de orientação em matérias sensíveis sobre que bloquearam constantemente qualquer avanço legislativo sério no combate à corrupção e na sua prevenção. Em rigor, nem tentaram esclarecer o que quer que fosse, antes fazendo orelhas mocas às sucessivas perguntas das outras bancadas.

Quando muitos casos, escândalos e trapalhadas ainda rolam por aí nos tribunais e o eco de bloqueios, frustrações e contínuas tergiversações político-legislativas não se apagou da memória de ninguém, é caso para dizer que Alberto Martins (ex-ministro da Justiça socialista) e a bancada do PS protagonizaram ontem um caso notório de "arrependimento ilícito". Deixaram-se apanhar em "flagrante delito"... político.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Tertúlia em cima do acontecimento


Na próxima terça-feira, 13 de Dezembro, teremos nova sessão da TERTÚLIA DIPLOMÁTICA. Desta feita, será oradora a embaixadora da República Checa, Markéta Šarbochová, que irá falar de «O papel dos pequenos e médios Estados na União Europeia - a visão do Grupo de Visegrado».


A seguir à Cimeira de Bruxelas dos passados dias 8 e 9 de Dezembro, o tema não podia ser mais actual. Por um lado, para analisar as importante decisões aí tomadas e compreender melhor a específica posição da República Checa, um dos três países que anunciou ir ainda consultar o seu Parlamento antes de indicar o rumo que quer seguir quanto ao novo Tratado esboçado. Por outro lado, porque, numa altura em que tanto se fala do protagonismo alemão ou franco-alemão, é fundamental reflectir sobre o papel e o peso dos pequenos e médios Estados na União Europeia. 

A União Europeia não é - não é previsto ser, não deve ser - um Império de grandes e vassalos, mas uma União de iguais.

Quanto ao "Grupo de Visegrado", corresponde a uma aliança de cooperação de quatro países da Europa Central: Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia. As suas origens remontam ao século XIV, devendo o nome a um encontro entre os monarcas Carlos I da Hungria, Casimiro III da Polónia e João I da Boémia, em 1335, na cidade húngara de Visegrado, onde acordaram estabelecer novas rotas comerciais que evitassem Viena e facilitassem o acesso a outros mercados europeus. O moderno "Grupo de Visegrado" (ou V4) veio a formar-se na mesma cidade, em 15 de Fevereiro de 1991, pouco depois da queda do Muro de Berlim e do fim dos regimes comunistas nesses países, com o objectivo de reforçar a cooperação entre eles e promover a integração de todo grupo na União Europeia. Com a integração na U.E., em 1 de maio de 2004, o V4 perdeu importância, mas mantém a cooperação e a aliança entre os quatro países em diferentes campos.

A embaixadora Markéta Šarbochová, que lidera actualmente o grupo de embaixadores luso-falantes em Lisboa, apresentará ainda o livro "HHhH - Operação Antropóide", o primeiro romance do jovem escritor francês Laurent Binet, vencedor do Prémio Goncourt 2010. A obra baseia-se em factos reais, no tempo da II Guerra Mundial, e todos os personagens existiram ou existem ainda.  O enredo decorre em Praga, na Primavera de 1942,  e centra-se na chamada "Operação Antropóide", em que dois pára-quedistas checoslovacos são encarregados de assassinar Reinhard Heydrich, o chefe dos Serviços Secretos nazis e da Gestapo, considerado "o homem mais perigoso do Terceiro Reich" - Heydrich era o braço direito de Himmler e o chefe de Eichmann; e os nazis brincavam com o acrónimo HHhH: Himmlers Hirn heißt Heydrich, isto é, "o cérebro de Himmler chama-se Heydrich". 

Muitos motivos de interesse para ir até à Livraria Férin (ao Chiado), em Lisboa, depois de amanhã, 13 de Dezembro, pelas 18:30 horas, para uma hora de bate-papo diplomático e cultural.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O que dizem os eurodeputados


Esta é uma hora de eleição para os eurodeputados. Não só para nos dizerem o que pensam e como analisam a crise europeia actual e os desenvolvimentos recentes - o que, só por si, já é importante. Mas também para nos dizerem o que andam a fazer para procurarem influenciar decisões não dirigistas e mais equilibradas para todos. 

Este é um tempo ideal para mostrarem a sua diligência ao serviço do melhor interesse europeu e do melhor interesse nacional. E para nos transmitirem informações sobre o que pensam, e dizem, e comentam, os alemães, os ingleses, os franceses, os suecos, os holandeses, os irlandeses, os italianos, os polacos, os húngaros, etc. Isso é o que nos habilita a raciocinar também "à europeia" e nos pode permitir formar a nossa própria opinião, realista e informada. Se não, somos sempre periféricos e vassalos.

Para quem não viu, foi muito interessante o debate, ontem à noite, no Expresso da Meia-Noite da SIC-Notícias:


A certa altura, resvalou para a "peixeirada". Mas, em geral, teve momentos muito valiosos e regista intervenções muito lúcidas e com chaves de leitura importantes para as próximas semanas.

Se não viu e dispõe de 50', é tempo bem empregue neste fim-de-semana. Quando chegar às "peixeiradas", passe adiante, mas registe a informação substancial do debate.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

"Euronews" em português - uma carta e uma audiência


O "Diário de Notícias" publicou, ontem, uma notícia, dando conta de que recebi uma carta do presidente da Euronews, o importante canal europeu de notícias cujo serviço em língua portuguesa tem o futuro em risco. E diz também que questionei os presidentes de outras comissões parlamentares para uma audição conjunta. Revela ainda um excerto da carta que aponta uma possível alternativa de financiamento parcial para o problema que surgiu.

Tudo isto é tudo verdade. O que é que não corresponde exactamente à verdade? O título da notícia: "CDS pressiona Relvas para manter Euronews". Isto não é exacto.

A carta de Philippe Cayla, que aqui divulgo na íntegra, para que não haja dúvidas, nem especulações, foi-me mandada a 30 de Novembro. Foi-me enviada por via electrónica, directa e pessoalmente, como deputado, presumindo eu que conhecendo o presidente da Euronews, o meu empenho em defender a continuidade do canal português, por razões que são conhecidas e já fiz públicas: o estatuto internacional - em particular, o estatuto europeu - da língua portuguesa. 

Tendo, porém, a carta sido remetida ao Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura (temos competência nas matérias da língua, enquanto eixo da politica cultural) e constituindo correio oficial, entendi dever partilhar a sua recepção e o seu conteúdo com todos os deputados membros da minha Comissão, bem como com os Presidentes de outras comissões parlamentares com competência e interesse possível na questão (Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas; Assuntos Europeus; e Ética, Cidadania e Comunicação), a fim de inquirir se estariam interessados em fazer, em conjunto, a audiência (ou audição) que é solicitada. Fiz isto na passada terça-feira, 6 de Dezembro. E escrevi também ao Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, a informar destes factos.

Não é correcto dizer que o CDS esteja a pressionar Relvas ou que eu seja um agente de uma qualquer pressão do CDS. A acção é minha, quer na parte em que actuo por estrito dever institucional, quer naquela em que exprimo e dou sequência a uma profunda e bem conhecida convicção política e pessoal: a importância estratégica fundamental da língua portuguesa.

Uma coisa, porém, é também certa. Eu vou receber certamente Philippe Cayla - resta saber se sozinho ou acompanhado. E vou também continuar a dar sequência a este caso, por todos os meios ao meu alcance, procurando mobilizar apoios e vontades para o resultado indispensável. Importa assegurar a continuidade do canal português da Euronews, aprofundando e esgotando todas as alternativas ou vias complementares para superar as dificuldades actuais. 

Na projecção internacional do Português, não podemos dar um só passo atrás. Pelo contrário, a urgência é de dar mais passos em frente.

EURONEWS - serviço em português | carta de 30-nov-2011

A crise da minha vizinha é melhor que a minha



Conheço bem Jo Leinen. Foi meu colega muitos anos no Parlamento Europeu. Alemão do Sarre, europeísta convicto, é um bom homem, inteligente e sério. Mas integra o sector que chamo dos "avancistas", os que mais fizeram para nos meter no enorme sarilho em que estamos na Europa: consideram-se "visionários", mas nunca vêem o passo seguinte. Têm um problema com a realidade e com o chão que pisam.

Na altura em que o conheci e trabalhámos/discutimos em conjunto, ocupava-se sobretudo dos Assuntos Constitucionais. Leio, na imprensa online, que ele chefia, agora, a delegação do Parlamento Europeu na conferência da ONU sobre alterações climáticas, a decorrer em Durban.

É fácil reconhecê-lo quando aparece, aí em Durban, a ser porta-voz do Parlamento Europeu na tese de que "a verdadeira crise do século XXI não é a financeira, mas sim a das alterações climáticas e do aquecimento global"

Quando a Europa e o mundo caminham, a passo certo e cadenciado, para um cataclismo financeiro; quando, na Europa, no Norte e no Ocidente, assistimos a um acentuado declínio demográfico, que gerará prolongada estagnação ou recessão intermitente e crises sociais várias; quando a pobreza e a fome afligem, ainda, vastas regiões do Sul e bolsas cada vez mais preocupantes um pouco por todo o lado; quando o cataclismo financeiro, ainda bem presente no nosso radar, poderá, a acontecer, fazer-nos recuar de várias décadas e mergulhar-nos no absoluto caos - centrar o foco principal nas "alterações climáticas" e na agenda do "aquecimento global"... é obra!

Só um "visionário" do gabarito dos que conheci em Bruxelas/Estrasburgo é capaz de ignorar todas as crises que realmente pisa e aparecer a sustentar que uma outra "crise" é que é a verdadeiramente importante!

No Parlamento Europeu, este tipo de "visionarismo" é muito praticado em todas as áreas. Abundam, aí, os sábios da fantasia e os construtores do faz-de-conta. Não é só no clima e no ambiente, antes fosse.

A ideologia também consiste nisso: nunca ver a realidade como é, mas sempre com a cor dos óculos que temos postos.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

URSS - a abolição da memória



Não deixa de ser sintomático e surpreendente que o facto de passarem, hoje, exactamente 20 anos sobre o fim da União Soviética (a URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), tenha passado praticamente despercebido nos noticiários. Não mereceu qualquer destaque na imprensa, na rádio e na televisão e, na generalidade, nem sequer uma simples menção. Se alguém leu, viu ou ouviu alguma coisa sobre a efeméride, agradecemos que nos diga para fazermos uma breve estatística.

Que o fim de uma das duas potências que dominaram o século XX; de um regime nascido de uma revolução brutal, com frio poder assassino, e de uma terrível Guerra Civil; de um país, ou melhor, um regime autor dos maiores horrores e atrocidades de toda a História da Humanidade (nomeadamente no período do Estalinismo); do epicentro de exportação da revolução comunista para dezenas de países, explorando fracturas de injustiça e manipulando ilusões; do Estado que, depois de ter integrado os Aliados que derrotaram o nazismo de Hitler, fez dividir a Europa e o mundo com o Muro de Berlim e a "cortina de ferro"; de um dos pólos da "guerra fria", que nos colocou nos anos '60 a '80 à beira da III Guerra Mundial e do pavor de um Holocausto Nuclear - é mais do que simples mostra de falta de memória. É um péssimo sinal do fim da memória, de abolição da memória.

Uma das frases mais citadas de Georges Santayana diz que «quem não se lembra do passado está condenado a repeti-lo». Esperemos que não - ninguém merece voltar a viver a ruína, a brutalidade, o atraso, a ameaça, os horrores da União Soviética. Uma vez chega.




 e a AFP fizeram excelentes e curtos trabalhos de evocação da efeméride. 


Não custava nada usá-los ou referi-los.

Em 8 de Dezembro de 1991, acabou a URSS. Saudemos o fim da União Soviética! 

Façamos-lhe o inventário. E que não volte.

A maturidade do nosso Fado


Mariza e Carlos do Carmo,
os embaixadores da candidatura do Fado no âmbito da UNESCO

Ontem, na sessão de homenagem ao Fado ("Meia Hora de Ouro"), que promovemos na Assembleia da República, para assinalar o reconhecimento pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade, foram estas as palavras com que abri a sessão, como presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura:

Esta pequena cerimónia na Assembleia da República, por impulso da comissão da Cultura, fecha um ciclo um ano e meio depois. E fecha esse ciclo, como diríamos em linguagem académica, com louvor e distinção.

Há um ano e meio atrás, em 17 de Junho de 2010, ainda na legislatura anterior, o senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, encabeçando os representantes dos órgãos da candidatura, veio apresentar à Assembleia da República este empreendimento: conseguir da UNESCO o reconhecimento do nosso Fado como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Essa iniciativa prontamente colheu o apoio unânime de todo o Parlamento, como logo foi expresso num voto. E, de novo, na passada sexta-feira, a Assembleia voltou a aprovar um outro voto por unanimidade, desta feita para saudar o êxito total alcançado pela candidatura.

É isso que queremos fazer hoje: exprimir-vos directamente, à candidatura, ao fado, aos fadistas, o nosso reconhecimento e partilhar intensamente a nossa alegria por esta consagração à escala mundial de um bem precioso da nossa cultura popular e da nossa identidade.

Esta distinção aconteceu no tempo certo: se calhar, não podia ter sido mais cedo e não devia ter sido mais tarde.

Recorro a uma imagem. Ouve-se muito dizer quanto o vinho português melhorou nos últimos vinte, trinta anos. E é verdade. Sempre houve bom vinho português, mas, nas últimas décadas, melhorou extraordinariamente; na variedade, nas castas, na qualidade, na sofisticação, no engarrafamento, na apresentação, na rotulagem, no registo próprio de diversas denominações de origem.

Podemos dizer o mesmo do fado. Houve sempre bom fado, muito bom fado. E já havia um sólido percurso de alguma internacionalização e prestígio, onde, por todos, a memória de Amália necessariamente ecoa.

Mas, nas últimas décadas, assistimos a uma contínua renovação e acrescento. Mantendo e valorizando estilos e registos tradicionais, da sua raiz e do seu tronco, o fado não cessou de enriquecer-se por novas vozes, novos géneros, novos instrumentos, novas sonoridades, mais qualidade poética, até novas conjugações melódicas, novos casamentos atrevidos, com a morna, com o bossa, com o jazz, com a balada, com o flamenco. Não receia até cruzar-se, porque é forte, genuíno e próprio. Tem marca única, que brilha sempre.

Por isso, podemos dizer, sem receio de desmentido, que o Fado atingiu em definitivo a sua maturidade, a sua afirmação forte, característica e variada no quadro da cultura global da Humanidade. É isso também que a decisão da UNESCO assinala. É isso também que celebramos hoje: a maturidade do Fado.

Saudamos todos os fadistas, todos os que fazem o fado, todos os que puseram de pé esta candidatura e a conduziram ao sucesso. Saudamos o vosso amor à arte e a vossa dedicação a esta causa. Mas saudamos ainda, sobretudo – e agradecemos –, a vossa competência.

A seguir, falaram, também brevemente, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, e a presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, que encerrou com a palavra de ordem da praxe: "Silêncio, vai-se cantar o fado!"


Carlos do Carmo assegurou, com os seus músicos, uma "Meia Hora de Ouro" de superior qualidade e absolutamente inédita. Portugal de parabéns!

Nota: Pode ler outras notas minhas sobre este tema noutro post mais abaixo: Património mundial do nosso coração .


O casaco de sonhos em technicolor


A história bíblica de José, vendido como escravo, decifrador de sonhos e feito primeiro-ministro notável, inspirou Andrew Lloyd Weber num célebre musical, que foi êxito retumbante na Broadway, em Londres e noutras capitais. O musical tem um título fabuloso: «Joseph And The Amazing Technicolor Dreamcoat» ("José e o Espantoso Casaco de Sonhos em Technicolor").


O título inspira-se numa túnica multicolor que o pai dera ao seu filho favorito, decifrador de sonhos. É essa túnica que os irmãos, invejosos, fazem chegar ao pai, para, depois de terem vendido José como escravo, levarem o pai a acreditar que ele tinha antes tido um azar e morrido. O pai guarda sempre essa túnica e, muitos anos depois, entrega-a de novo a José, quando todos se reencontram no Egipto: o pai e os irmãos, fugindo da grande fome; José, tornado no primeiro-ministro sábio que salvara o Egipto e aí acolhe também aqueles que, de fora, aí buscam refúgio e sobrevivência. A túnica - o "technicolor dreamcoat" - é o fio condutor da história, na narração do belíssimo musical de Andrew Lloyd Weber. 

Vale a pena ler a história toda no Génesis (Gn, 37-48) e ver e ouvir o musical. Os estudantes, então, sobretudo de filosofia, têm grandes vantagens. Aprende-se e distrai muito. É óptimo para um serão ou um fim-de-semana. Dá para sonhar e fazer sonhar, transformando os sonhos em coisas úteis, em vez de quimeras ou pesadelos. Muito útil, na verdade. Recomendo. Eu, pelo menos, gostei muito.

O filme com a gravação do musical está abundantemente referenciado mundialmente (cfr. IMDB) e ainda se encontra facilmente tanto para ver em DVD (cfr. Amazon), como somente para ouvir em CD (cfr. Amazon). 

A gravação que eu recomendo é a do casting de Londres, que foi a representação que eu vi, há quase vinte anos. É muito boa. Estou certo que também se encontra em Paris. E, com um qualquer "Magalhães", é fácil comprar e encomendar online.

Como cheirinho, deixo apenas um apontamento deste belíssimo musical, com o tema de que gosto mais: «Any Dream Will Do» ("Qualquer Sonho Serve").



Saiu-nos o Zé errado


Ocorreu-me lembrar a um recente estudante de filosofia, a conhecida história de José, filho de Jacob. Vem longamente contada no Livro do Génesis e é muito antiga. 

José vendido como escravo
Favorito do pai, gostava de ler os sonhos e tinha o poder de os decifrar. Os irmãos, carregados de inveja, venderam-no a uns passantes ismaelitas, que o levaram para o Egipto e o venderam como escravo a Potifar, um próximo do faraó. Vítima de intrigas, acaba sendo preso. E é na prisão no Egipto que volta a mostrar a sua capacidade de interpretar os sonhos

Por esses dias, o faraó é atormentado por um pesadelo repetido: 

1 E aconteceu que, ao fim de dois anos inteiros, Faraó sonhou e eis que estava em pé junto ao rio. 2 E eis que subiam do rio sete vacas, formosas à vista e gordas de carne, e pastavam no prado. 3 E eis que subiam do rio após elas outras sete vacas, feias à vista e magras de carne, e paravam junto às outras vacas na praia do rio. 4 E as vacas feias à vista e magras de carne comiam as sete vacas formosas à vista e gordas. Então, acordou Faraó. 5 Depois, dormiu e sonhou outra vez, e eis que brotavam de um mesmo pé sete espigas cheias e boas. 6 E eis que sete espigas miúdas e queimadas do vento oriental brotavam após elas. 7 E as espigas miúdas devoravam as sete espigas grandes e cheias. Então, acordou Faraó, e eis que era um sonho. 

Inquieto, o faraó procura quem lhe decifre o sonho, acabando por chamar o preso José à sua presença, cuja fama lhe chegara aos ouvidos. José dá-lhe a leitura certa: 

29 E eis que vêm sete anos, e haverá grande fartura em toda a terra do Egipto. 30 E, depois deles, levantar-se-ão sete anos de fome, e toda aquela fartura será esquecida na terra do Egipto, e a fome consumirá a terra. 

José deu ainda ao faraó os conselhos certos para o Egipto sobreviver aos sete anos de vacas magras, depois de sete anos de vacas gordas: 

33 Portanto, Faraó se proveja agora de um varão inteligente e sábio e o ponha sobre a terra do Egipto. 34 Faça isso Faraó, e ponha governadores sobre a terra, e tome a quinta parte da terra do Egipto nos sete anos de fartura. 35 E ajuntem toda a comida destes bons anos, que vêm, e amontoem trigo debaixo da mão de Faraó, para mantimento nas cidades, e o guardem. 36 Assim, será o mantimento para provimento da terra, para os sete anos de fome que haverá na terra do Egipto; para que a terra não pereça de fome. 

José, primeiro-ministro do Egipto
O faraó nomeia, então, José primeiro-ministro e este, por todo o Egipto, constrói celeiros, onde faz acumular reservas abundantes. Quando chegam as dificuldades e o duro aperto da crise, todos os povos em redor sofrem a grande fome, enquanto os egípcios se mantêm relativamente folgados dadas as reservas acumuladas nos celeiros pelo sábio José, primeiro-ministro. 

A história continua; e acaba com o reencontro de José com o pai (que fica radiante, pois fora levado a pensar que o seu filho predilecto morrera) e com os irmãos (que se envergonham e arrependem). É uma história carregada ainda de mais lições para quem quiser lê-la toda. Mas o fundamental da história é a sabedoria e a prudência de José, o escravo elevado a primeiro-ministro que fez o elementar: acumular reservas nos tempos de folga para aliviar apertos nos momentos de dificuldade. 

Em Portugal, o que nos aconteceu é que nos saiu o Zé errado. 

Não acumulámos reservas. Pelo contrário, nos anos – que foram longos – de abundância, gastámos tudo o que tínhamos e também o que não tínhamos. Acumulámos dívidas, que atingiram cifras astronómicas. E, quando a roda da fortuna desandou, como sempre desanda, não tínhamos celeiros, mas apenas bancos e credores. Não achámos reservas, mas apenas cautelas: títulos de dívida com juros cada vez mais proibitivos. 

É essa a razão por que fomos condenados a ter que atravessar este longo inverno de austeridade, a grande fome do sonho do faraó: saiu-nos o Zé errado. Não decifrou o sonho, não preparou o futuro. 

Foi desta velha história que me lembrei ao ler esta notícia. Mais ainda ao ler este dito “esclarecimento”

Que a história do sábio José possa iluminar os estudantes de filosofia em todo o mundo, e os seus colegas, camaradas e companheiros, é o que desejo. É uma história simples, prudente e sábia, as grandes virtudes dos fortes: simplicidade, prudência, sabedoria. 

Já não podemos mudar o passado; mas o futuro, sim.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Demofobia - o pavor do costume


No mesmo dia em que vão reunir para acertar as propostas de revisão dos Tratados que querem apresentar ao Conselho Europeu da próxima sexta-feira, 9 de Dezembro, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy tornam claro o pavor que os assombra: revisão sim, povo não! Isto é, sobretudo, nada de referendos!


A "demofobia" do duo da frente não é nova e já não surpreende ninguém. Embora custe acreditar em tanta falta de espírito democrático, quando é claro que o fundamental da crise europeia é uma crise política de cada vez mais fraca legitimidade e, portanto, falta de consistência das decisões a tomar, do espírito a assumir e dos passos que é preciso dar.

Enquanto continuar a fugir dos seus povos, a Europa não resolverá os seus problemas. E, por mais correctas que sejam no plano técnico as soluções adoptadas, estas não serão solução enquanto evitarem uma sólida consagração popular. Quanto mais entra em núcleos sagrados da soberania sem se legitimar e enraizar politicamente, tanto mais a União Europeia nega a democracia e abre brechas de fragilidade. Os "mercados" já o perceberam.

É facto que o Tratado de Lisboa foi recheado de pequenos grandes truques, permitindo revisões "a conta-gotas" e pela "porta do cavalo" fora de um processo pleno de ratificação. Depois de amanhã, a Assembleia da República irá aprovar uma dessas revisõezinhas. Mas, face à aparente magnitude do que Merkel e Sarkozy preparam, será interessante ver como tornearão a "dificuldade" que sempre é a Irlanda, por causa da sua Constituição. "Dificuldade" que, por sinal, se chama democracia.

Eurolândia: à entrada de uma semana decisiva


No início de uma semana decisiva para o euro, o antigo presidente da Comissão Europeia Jacques Delors vem reconhecer que os políticos que lançaram o euro ignoraram as debilidades e os desequilíbrios existentes nas economias dos Estados-membros, acrescentando que a zona euro é defeituosa desde a sua criação e os esforços feitos para ultrapassar a crise têm sido poucos e chegaram tarde. Pena que não o tivesse denunciado, com vigor e esta mesma veemência, logo ao princípio, opondo-se aos "erros" consagrados logo em Maastricht.

Simultaneamente, uma sondagem dá conta de que 60% dos alemães pensa que "o euro não foi uma boa ideia". Dois terços consideram mesmo que o marco, a antiga moeda alemã, era mais estável do que o euro e 49% gostariam de voltar atrás. Nada disto dá muita confiança quanto ao pano de fundo por detrás do pensamento da Sr.ª Merkel e das suas propostas. 

Contudo, apesar de todo o clima de crise e de incerteza, que se arrasta há longos meses, as notícias continuam a dar conta de que o euro continua forte e imune aos rumores de que vai acabar, mantendo-se bem valorizado face ao dólar e outras moedas. Para muitos, essa força do euro é parte do problema.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Lisboa, afinal, já era. "Porreiro, pá!"


Dois dos ícones da afirmação portuguesa na U.E., ambos ditos "de Lisboa", jazem mortos e desaparecidos. 

Primeiro, foi a "estratégia de Lisboa", lançada por Guterres no ano 2000. Um fracasso absoluto. Apesar de revista e reajustada algumas vezes, falhou por completo: a ideia de "uma nova estratégia para fomentar o emprego, modernizar a economia e reforçar a coesão social numa Europa baseada no conhecimento" não passou de uma miragem. Era boa ideia, mas finou-se. Andou sempre fraquinha; e a crise iniciada em 2008 soterrou-a de vez. Ao fim dos 10 anos previstos, foi já substituída pela chamada "Estratégia 2020" (é de bom tom dizer-se "vinte-vinte"), que veremos onde chega...

Agora, é a vez do Tratado de Lisboa. O renovado pressing de Angela Merkel - e também de Sarkozy -  para a revisão do Tratado de Lisboa prenuncia o seu fim formal. O célebre "porreiro, pá!" da sua assinatura foi manifestamente exagerado - e prematuro.


O Tratado de Lisboa foi, em boa verdade, um nado-morto. Nem sequer foi uma boa ideia. Se tivessem sido feitos os referendos nacionais que haviam sido prometidos em muitos países, entre os quais Portugal, provavelmente não teria saído dos tacos de partida. 

Adoptado, já então, sob pressing acrítico de Angela Merkel, morrerá agora às mesmas mãos. Em 2007, a presidência alemã precedeu a portuguesa: Merkel fixou o menu, que Sócrates cumpriu como diligente mordomo, no semestre seguinte. Mas o Tratado, em si, pobre herdeiro descafeinado do falecido Tratado Constitucional, deixou sempre muito a desejar: tem todos os defeitos do de cujus e não supriu nenhuma das suas mais flagrantes lacunas e omissões.

As normas procedimentais laterais que o Conselho (ilegalmente?) tem vindo a adoptar "à socapa" para responder à crise actual e procurar melhorar a débil governação económica e financeira da União Europeia são a melhor evidência de como o Tratado de Lisboa passou totalmente ao lado dos problemas e das exigências do seu tempo. Veja-se, por exemplo, o regime orçamental do chamado "semestre europeu", decidido em 2010. 

Agora, Merkel exige mais e não disfarça o que efectivamente se impõe: nova reforma dos tratados. O objectivo é certo, embora o método seja outra vez errado. 

A culpa vem de trás: vem das fantasias e demasiados erros da pomposa (e falhada) "Constituição Europeia". Passam, agora, neste mês, 10 anos sobre a Cimeira de Laeken que deu início a tudo isto, lançando o processo da Convenção Europeia e definindo-lhe o mandato. Muita quimera, falta de democracia e os excessos dos "avancistas" do costume (como gosto de chamá-los), estragaram tudo. Aberta com a ilusão de grandes vôos, esta foi, afinal, uma década perdida.

Desde Maastricht, em 1992, será a quinta reforma dos tratados, em menos de 20 anos. A quarta reforma em apenas 10 anos! - foi Nice, a Constituição (falhada), Lisboa e, agora, novo Tratado à vista. As Comunidades viveram bem com os velhos tratados de Roma, ao longo de mais de 30 anos... 

É no que dão os visionários sem visão: instabilidade. Lisboa merecia melhor.

Camarate - os provérbios também se enganam.

Faz hoje 31 anos que morreram tragicamente em Camarate, na queda de um pequena Cessna (matrícula YV-314-P), Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. Eram então primeiro-ministro e ministro da Defesa Nacional.

Com eles morreram também, todos carbonizados, as mulheres de ambos, Snu Abecasis e Manuela Amaro da Costa (Manucha), o chefe de gabinete de Sá Carneiro, António Patrício Gouveia, e os pilotos Jorge Albuquerque e Alfredo de Sousa.

Era uma quinta-feira, pouco depois das 20:00 horas, noite de inverno: escura e fria, mas sem vento, nem chuva. Partiam de Lisboa para o Porto, a caminho de um derradeiro comício de campanha eleitoral da Aliança Democrática para as eleições presidenciais que se realizariam no domingo seguinte, 7 de Dezembro. 


Eram todos muito novos: Sá Carneiro tinha 46 anos (menos do que têm hoje Passos Coelho ou Paulo Portas); Amaro da Costa, 37 anos; e Patrício Gouveia, 32. Manucha e Adelino tinham casado havia exactamente 1 ano, 1 mês e 1 dia. 

Ouve citar-se muitas vezes o provérbio português "O cemitério está cheio de pessoas insubstituíveis", para significar que ninguém é insubstituível. Não é verdade. Sá Carneiro e, seguramente, Adelino Amaro da Costa são exemplos de pessoas ímpares, absolutamente insubstituíveis. Os seus lugares foram - é certo - ocupados por outros, mas, em boa verdade, nunca ninguém conseguiu substituí-los. Fizeram sempre muita falta. Os provérbios também se enganam. 

Os funerais foram uma massiva demonstração de admiração cívica e extraordinário afecto popular por ambos os dirigentes da mítica AD. Mas, ao fim de 31 anos, o Estado português ainda não conseguiu explicar, sem margem para dúvidas objectivas, as causas efectivas e as exactas circunstâncias do sinistro. 

As investigações técnicas e policiais, de início, foram uma absoluta vergonha: uma lástima de contradições, precipitação, omissão, erros e incompetência. O processo judicial subsequente foi outra vergonha, com deplorável destaque para a actuação do Ministério Público, sobrepondo o puro preconceito e a obstinação corporativa à fria, aberta e determinada busca da verdade. A oportuna acção penal foi brutalmente prejudicada e, às vezes, bloqueada e impedida.

A Assembleia da República criou já, ao longo dos anos desde 1981, nove comissões parlamentares de inquérito sobre o desastre de Camarate: muitas não puderam chegar ao fim, por efeito indirecto de dissoluções parlamentares. Mas foi através dos inquéritos parlamentares que mais da verdade se foi desfiando e conhecendo. Aguarda-se a constituição da 10ª comissão de inquérito sobre Camarate, que retome e prossiga os trabalhos abruptamente interrompidos em Abril passado. 

Houve sabotagem e atentado. Quem? Porquê? A mando de quê e de quem? Em que exactas circunstâncias? É o que ainda não se sabe. E, havendo crime, já prescreveu. Há um outro provérbio que diz "Quem as faz, paga-as" ou "Onde se fazem, aí se pagam". Confirma-se: os provérbios também se enganam. 

Resta o outro provérbio: "A verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima". Será?

NOTA: Logo, às 19:00 horas, celebra-se missa em intenção de Sá Carneiro, Amaro da Costa e demais vítimas de Camarate, na Basílica da Estrela, em Lisboa. A distrital de Beja do CDS também anunciou para hoje uma romagem ao cemitério de São Martinho das Amoreiras (Odemira), onde estão sepultados Adelino e Manuela Amaro da Costa, com missa na igreja matriz local, pelas 15:30 horas.