quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O dissidente


Na votação do PCP contra o pesar pela morte de Havel, não foi suficientemente comentada a saída do hemiciclo do secretário-geral Jerónimo de Sousa. Na altura, muitos deputados (a começar por mim próprio) nem se deram conta do facto. Mas contou a imprensa, sentada mesmo ao lado da bancada parlamentar comunista: «Durante a votação, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, abandonou o hemiciclo, tendo regressado logo após os deputados votarem.»

Por que seria? Por que não quis Jerónimo votar com a sua bancada? Por discordar da orientação do Comité Central, obediente à ortodoxia e ao passado? Ou, pura e simplesmente, por não querer ficar na fotografia?

Às vezes, sou assaltado pelo sentimento de que a fractura absoluta entre as bancadas do PS e do PCP, que afecta a esquerda portuguesa e também o sistema democrático, já não faria muito sentido, trinta e seis anos depois do "gonçalvismo" e vinte e um anos após a queda do Muro e o fim da "guerra fria". Contudo, é sempre o PCP, reavivando ciclicamente a velha fractura histórica entre bolchevistas e menchevistas, que se encarrega de avivar a memória e consolidar a fractura. 

É pena. O sentido de serviço do interesse público de que muitos comunistas são sinal fica impedido de contribuir mais para o bem comum, por virtude dessa marginalização num gueto anacrónico de anti-democracia e de ameaça à liberdade. É que esta forma de os comunistas portugueses votarem, falarem e agirem, em matérias sensíveis da História e dos direitos humanos, não são apenas peças de museu, barrocas e irrelevantes; mas sinais políticos inquietantes de que, se as circunstâncias o proporcionassem, estariam prontos a repetir esse mesmo passado de horror. Perseguições, assassinatos políticos, prisões arbitrárias, execuções sumárias, ditadura de partido único, esmagamento das liberdades fundamentais, campos de concentração, tortura, imperialismo totalitário? - Não! Nunca mais!

Nem a "renovação" da bancada do PCP, com a entrada de novos deputados de novas gerações, tem servido para alterar o que quer que seja. Os comunistas portugueses querem guardar ciosamente o seu brio estalinista: "o mais estalinista dos partidos comunistas da Europa Ocidental", como se fizeram conhecidos. Às vezes, dá ideia de que é mesmo pior.

Já uma vez ofereci à deputada Rita Rato o "Arquipélago Gulag", de Alexander Solzhenitsyn, que a jovem comunista, quando se estreou em 2009, afirmou que "não conhecia, nunca lera". [Por sinal, nunca soube os ecos dessa oferta.] O actual secretário da Assembleia da República, Jorge Machado, aparenta frequentemente ser o digno sucessor no invejável título de "o Sectário-geral", expressamente criado para Mário Castrim. Bernardino Soares, um líder parlamentar competente e correcto, dificilmente se libertará dos desabafos, que em tempos fez, sobre a "democracia" na Coreia do Norte. E há vários outros casos de jovens velhos do ortodoxo PCP da mesma linha do antes "estalinar" que torcer.

A novidade foi mesmo Jerónimo de Sousa. Por que seria?


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