Ninguém consegue perceber ao certo em que pé está a questão da eliminação de dois feriados religiosos. Primeiro, disse-se que acabariam a Quinta-feira Corpo de Deus e o 15 de Agosto (Nossa Senhora da Assunção) - e é isto que consta da proposta de lei do Governo. Depois, disse-se que a Santa Sé preferiria manter o 15 de Agosto, aceitando antes a eliminação do 1 de Novembro (Todos-os-Santos). E, nos últimos três dias, a confusão explodiu em grande festival.
Primeiro, há três dias, a imprensa deu conta de que um "enviado" do Vaticano expressou reservas quanto a aceitar a eliminação de feriados religiosos. Pouco depois, o porta-voz da Conferência Episcopal, Padre Manuel Morujão, veio corrigir o efeito destas notícias, dizendo que os comentários de Monsenhor Fabio Fabri eram meramente «pessoais» e repondo o seguinte: «É consensual o [fim do feriado de] Corpo de Deus e depois provavelmente será a celebração de Todos os Santos a ser suprimida, se for por diante a última sugestão apresentada à Santa Sé».
Porém, o Cardeal Patriarca de Lisboa levantou, ontem, a voz para dizer que a Igreja preferia não mexer em nada: «as festas não são assim tantas para podermos negociar e as festas em questão têm um grande impacto popular», salienta, exprimindo o receio de que a eliminação dos dias santos corresponda «à perda das referências religiosas e católicas na vida social portuguesa». Na véspera, tinha sido a Conferência Episcopal a dizer que não havia nenhuma urgência nisto. E, hoje, foi a vez do arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, vir defender que os feriados religiosos «deveriam continuar como estão», embora acrescentando, a contragosto, que a Igreja «está disponível» para os reduzir, satisfazendo a imposição do Governo.
Estes factos e contradições, num processo que já tem largos meses, mostra a absoluta falta de condições para decidir o que quer que seja nesta altura. E, por mim, acho muito bem que a Igreja se cuide e se precate.
A falta de consenso social e político quanto à eliminação dos feriados do 5 de Outubro e do 1º de Dezembro é tão flagrante que não é preciso ser bruxo para prever o seguinte: se fosse por diante a imposição do Governo, bastaria uma mudança de ciclo político para serem de imediato restaurados aqueles dois feriados civis - no dito popular, seria "trigo limpo, farinha amparo". Alguém duvida disso? Mas, já quanto aos entretanto eliminados dois feriados religiosos, esses ficariam obviamente no caixote do lixo com o acordo e bênção da Igreja - uma vez extintos, com anuência eclesiástica, não haveria quaisquer condições para os repor no calendário.
Por isso, enquanto o Governo continua apenas a dizer está a fazer as «diligências necessárias com a Igreja», o que é de recomendar à Igreja é o velho remédio: muita prudência e caldos de galinha.
E como é que pode admitir-se que a Assembleia da República possa ser levada a tomar decisões sem saber ao certo, preto no branco, o que é o Governo já acordou, ou não, exactamente, com o Vaticano? Sobretudo em matéria tão sensível. Só nós... Pobre país, pobre sistema político.
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