Infelizmente, a polémica em torno das recentes declarações do Presidente da República sobre a insuficiência das suas pensões para as suas despesas não dá mostras de ir apagar-se. Numa semana em que o acordo de concertação social foi importante factor para levantar o moral num contexto de crise muito exigente, esta querela pública só serve para desmoralizar. Não vou chover no molhado. Sobre as declarações em si, já tudo foi dito. O pior pode ser o resto.
A curiosidade pública sobre a matéria não pode separar-se do que se passa - e passará - com os subsídios de férias e de Natal dos funcionários e reformados do Banco de Portugal. É conhecida a querela latente a esse respeito, uma vez que o BP procura esquivar-se ao paradigma geral definido pelo OE 2012 para este ano e o próximo. Os principais partidos, incluindo a maioria PSD/CDS, pressionam o BP no sentido da igualdade de tratamento. Soube-se, entretanto, que um dos subsídios já foi pago aos funcionários do BP. E, ainda ontem, Teodora Cardoso, administradora do BP e próxima presidente do novo Conselho das Finanças Públicas, insistia em defender um regime diferenciado.
Enquanto a igualdade de tratamento não for estabelecida, a pressão não baixará sobre o Banco de Portugal - e reflexamente sobre o PR, um reformado do BP.
Há dias, o PÚBLICO noticiou que «a Comissão do Mercado
de Valores Mobiliários (CMVM) e o Instituto de Seguros de Portugal (ISP), dois
supervisores financeiros nacionais, vão cortar os subsídios de férias e de Natal
aos trabalhadores, cumprindo a imposição do Governo.» E acrescentava: «A CMVM não quis fazer comentários sobre o tema, mas o PÚBLICO apurou que o
supervisor vai proceder à eliminação dos subsídios em 2012 e 2013. Isto apesar
de estar sujeita à legislação internacional e de gerar receitas próprias, sem
direito a financiamento do erário público.» Por outro lado, «O ISP respondeu que "irá dar cumprimento ao quadro legal em
vigor", cortando o 13.º e 14.º mês.»
Este facto aumenta ainda mais a forte exposição do Banco de Portugal perante a opinião pública, quanto à excepção que quer proteger para os seus, mesmo recordando, como a notícia do PÚBLICO, que «num comunicado emitido na semana passada, o Banco de Portugal garante que irá
proceder a cortes "equivalentes" nos rendimentos e regalias dos seus
funcionários.» [Pode ler aqui o comunicado do BP.]
Não foi esquecida a forma crítica como, logo em 19 de Outubro, na apresentação do pacote de austeridade para 2012/13, o Presidente da República logo reagiu publicamente contra o corte dos subsídios de férias e de Natal anunciado pelo Governo - o que, posteriormente, silenciou, apesar de várias vezes desafiado a não promulgar o Orçamento de Estado 2012. E é talvez essa memória, nunca apagada, da discordância desabafada por Cavaco Silva, que leva Passos Coelho a recordar enfaticamente: «Todas as pessoas, independentemente da posição que ocupam, fazem sacrifícios importantes, sejam aqueles que têm reformas maiores sejam os que têm mais pequenas. Os sacrifícios têm de ser repartidos por todos. Não há ninguém que fique de fora.» Fosse qual fosse o espírito do primeiro-ministro, a verdade é que essa a razão para a interpretação e o destaque que estas declarações mereceram da generalidade da imprensa, como se vê no DN, no PÚBLICO e no JN.
O que quero dizer?
Isto: além do falatório desagradável sobre as pensões do Presidente, há o risco de a questão dos subsídios do Banco de Portugal para os seus funcionários e reformados servir para cavar erosão entre o Presidente e o Governo/maioria, num sem-fim de dichotes, perguntas, respostas, interpretações e intriga.
Sem comentários:
Enviar um comentário