Quem se lembrasse do clássico "Planeta dos Homens", de Jô Soares e companhia, nos anos '80, anteciparia com mais facilidade o que se passou por estes dias na Assembleia da República, em torno dos projectos da PMA e "barrigas de aluguer". E não tem dificuldade nenhuma em compreender como tudo acabou, ontem, sexta-feira, dia das votações.
Jô Soares, em 1980, criou um célebre personagem, o Dr. Sardinha, que parodiava o então ministro da Agricultura brasileiro, Delfim Neto, com receitas directas e infalíveis: “O abacate não abacateia? Então, o chuchu tem de chuchuzar.” Ao mesmo tempo, era sabido que “o abacaxi está abacaxizando e a uva, uvando”.
O Bloco de Esquerda desenterrou a típica agenda fracturante, primeiro com o PL 100/XII/1ª, depois substituído pelo PL 122/XII/1ª. Ora, tendo quase toda a gente decidido fazer-lhe o jeito e entrado no baile, ninguém pode surpreender-se que acontecesse o que aconteceu: as fracturas foram gerais. Analisando a estratégia do BE pela lógica infalível do Dr. Sardinha, “o fractureiro fracturiza”. Elementar.
A imprensa online destaca as divisões gerais, que atingiram fortemente PS e PSD - que se puseram particularmente a jeito - com uma razia mais acentuada na bancada socialista. Mas as divisões, em maior ou menor grau, acabaram por ser gerais: o movimento certeiro dos 8 deputados do Bloco levou a que se dividissem [1] a CDU (PCP para um lado, PEV para outro), [2] o PS, [3] a maioria, [4] o PSD e [5] o CDS. Atendendo a que somente a bancada do PCP resistiu inteiramente unida ao lance bloquista, o resultado foi este: Fracturantes - 5; Unidade - 1. Eficaz. Seria difícil melhor pontaria.
A notícia do EXPRESSO online, com fonte na LUSA, é a mais evidente, fazendo extenso relato das divisões acontecidas. Mas o eco foi naturalmente geral, como se lê no DN, no jornal i, no PÚBLICO, no CORREIO DA MANHÃ, etc. Além de que as deploráveis manobras processuais de última hora geraram sérias perturbações de percepção pública.
O PÚBLICO, por exemplo, inventa que PSD e CDS tinham um projecto conjunto que baixou à comissão. Não é de todo verdade: o projecto foi só do PSD; e o CDS votaria contra, se este projecto do PSD não tivesse escapado pela esquerda baixa, ao lado do PS.
E o CORREIO DA MANHÃ titula «'Barrigas de aluguer' discutidas na especialidade», desenvolvendo que «os projectos do PS sobre as excepções à proibição de recurso à maternidade de substituição, vulgarmente conhecida como ‘barrigas de aluguer’, e do PSD sobre técnicas de procriação medicamente assistida vão ser discutidos na especialidade a pedido dos dois partidos» - o que também não é verdade. Só há debate na especialidade sobre o que tenha sido aprovado na generalidade, o que não aconteceu de todo. Mas, na cabeça dos seus mentores, a manobra destinou-se a criar aquela ilusão, sem custos; e, pelo menos junto dos menos atentos (ou mais manipulados), que não sabem de leis, nem de Regimentos, poderão consegui-lo. Escapar e confundir foi o que buscaram com o truque da "baixa à comissão", para enganar gregos e troianos. Aos gregos, dirão que "não passou nada"; aos troianos, prometerão que "passar-se-á tudo". Pouca ética. Grande baralhada.
Para o BE é que foi uma bolada e pêras. Como diria Jô Soares... de facto, “o fractureiro fracturiza” mesmo.
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