O tipo de reacções, a roçar a histeria e a boçalidade demagógica, que se desenvolveu aceleradamente em Portugal contra a "Jerónimo Martins" e a família Soares dos Santos - leia-se, contra o patriarca Alexandre Soares dos Santos -, por causa de uma mudança parcial de estrutura para a Holanda, diz bem da mediocridade do ambiente reinante entre nós. A coisa chegou a apelos a boicotes à rede de supermercados "Pingo Doce" e ribombou também no plenário da Assembleia da República.
O país, que é o nosso, e a economia, que é a nossa, terão absoluta dificuldade em levantar-se, se continuarmos a não apoiar colectivamente a figura do empresário (isto é, daqueles que organizam a produção, geram riqueza e criam emprego) e antes insistirmos em mover-nos principalmente por mal disfarçada inveja ou ressentimento ignorante.
A censura à operação de transferência parcial para a Holanda não deve ser dirigida a Soares dos Santos e ao grupo "Jerónimo Martins", mas a outros destinatários. Primeiro, ao nosso próprio sistema fiscal, que é pouco competitivo e não é amigo daquelas empresas nacionais de maior capacidade que querem internacionalizar-se cada vez mais - como é desígnio necessário de Portugal e o grupo de Soares dos Santos tem feito e quer fazer mais. Segundo, à União Europeia - é que, no que há de parasitário na prática fiscal holandesa, o mal é que a U.E. o consinta, senão favoreça, ao mesmo tempo que alveja economias periféricas. Como aqui escrevi, o grupo "Jerónimo Martins" fez o que é de esperar em qualquer «reino de seres inteligentes e em economias de escolhas racionais» : organizar-se como lhe convém e onde tem mais vantagens.
Os insultos e provocações dirigidos contra Soares dos Santos, que tanto tem dado à economia nacional, que sempre manteve um comportamento cívico exemplar e que, além disso, pôs de pé, com recursos exclusivamente seus, uma Fundação que presta à sociedade portuguesa serviços de altíssimo interesse público - de que a Pordata é apenas um exemplo -, diz bem do nível paupérrimo do ambiente reinante. E é desconsolador que quase ninguém tenha querido - ou tenha podido - usar da palavra em sua defesa, enfrentando a enxurrada da baixeza e do disparate.
Ninguém quis fazer caso dos esclarecimentos prestados sobre o recorte exacto da operação de que se tratou. Ninguém quis ouvir nada dos impostos que continuam a ser arrecadados em Portugal sobre uma actividade empresarial hoje já fortemente internacionalizada. Ninguém anotou a circunstância de 19 das empresas do nosso PSI-20 terem feito já operações de "deslocalização" parcial para a Holanda - a maioria delas sem a justificação circunstancial do grupo "Jerónimo Martins". Ninguém quis responsabilizar a voracidade absurda do nosso sistema fiscal, nem a sua ineficiência a lidar com a economia moderna. Ninguém quis chamar à pedra a U.E. naquilo que é um quadro errado e, por isso, favorecendo o parasitismo tributário de uns Estados sobre outros - e precisamente dos países mais ricos sobre os mais pobres. O importante era alvejar aquele dos "nossos" que tem o vício da empresa, o pecado do sucesso, a obstinação do futuro.
Como é mesmo a última palavra d' «Os Lusíadas»? Qual é a palavra com que Camões fecha o poema épico nacional? Isso mesmo, amigo leitor: essa palavra é «inveja»!
1 comentário:
Muito bem
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