Nos comentários abundantes sobre a questão da maçonaria, que recentemente explodiu na comunicação social, e sobre a divulgação, ou não, da condição de maçon, são manifestas as tentativas de condicionamento das posições de cada um e da própria liberdade do debate.
Não falo do propósito de alguns de que todo o ruído e a algazarra geral sirvam para desviar as atenções e acabar deixando na sombra a questão que tudo desencadeou, embrulhando e obscurecendo as inquirições e debates na 1ª Comissão parlamentar: houve, ou não houve, ilegitimamente, manipulação e passagem de informações para serviço de interesses particulares, a partir de serviços secretos e no quadro de solidariedades maçónicas? E que consequências efectivas se retiram? Nem falo também do interesse de tudo deixar na mesma, quer quanto a políticos, quer quanto a magistraturas e outros poderes ou corpos do Estado, envolto num manto de secretismo e de ignotas teias de cumplicidade, fomentando para isso uma pura “restolhada” de frases soltas e volteio ideológico.
Falo da tentativa de condicionar o debate sobre a divulgação pública da condição maçónica, convocando apressados fantasmas. Primeiro exemplo: Almeida Santos, ao comparar este debate com uma “perseguição aos maçons” e ao decretar que isto “é o regresso ao Portugal mais nojento do salazarismo”. Segundo exemplo: Manuel Alegre, ao apelidar de “recidiva salazarenta” a ideia de uma obrigação legal de declaração.
Importa desmistificar este paralelo apressado do quadro actual com a ditadura do Estado Novo. Desde logo, se esconder era legítimo e 100 por cento compreensível sob uma ditadura que proibia a diferença política e a liberdade cívica, o que justamente não se entende é o secretismo numa sociedade e num regime democráticos, livres e abertos.
Além disso, não negando as proibições e perseguições ocorridas sob o Estado Novo, sobretudo nas décadas iniciais, importa recordar que também houve maçons influentes no regime de Salazar e Marcelo Caetano, citando-se normalmente, entre vários outros, os nomes de Albino dos Reis e Byssaia Barreto (grandes amigos de Salazar), do Almirante Sarmento Rodrigues (que foi ministro do Ultramar), do Marechal Carmona (que foi, longamente, Presidente da República) e do Prof. José Alberto dos Reis (salvo erro, o Presidente da Assembleia Nacional ao tempo da aprovação da Lei nº 1901, de 21 de Maio de 1935, que proibiu as associações secretas). E houve mais. As perseguições não eram para todos…
É o próprio quadro de ditadura que legitima a clandestinidade e o segredo. Mas, não havendo ditadura e perseguição, esconde-se o quê, porquê e para quê?
Dir-se-á que são questões privadas – e, de facto, se assim fosse, o direito de reserva sobre factos da vida privada é direito fundamental de cada um. Mas não é a maçonaria uma escola de virtudes cívicas e de valores e ideais na vida pública? Então, que tem isso de privado? Por que não fazer público?
A questão fundamental é esta: quem esconde, por que motivo esconde? O que quer esconder? Para que quer esconder? Normalmente só escondemos aquilo que nos envergonha e embaraça. Só escondemos o que é “mau”.
A suspeita não resulta de qualquer “perseguição”. A desconfiança decorre do próprio segredo: do propósito claro de dissimulação e secretismo. Desconfiar é natural. Não desconfiar é que seria estranho.
O debate deve, por isso, prosseguir. Sobretudo, tem que haver conclusões claras: quer sobre os factos estabelecidos nas audições e debates da 1ª Comissão parlamentar, quer sobre esta outra questão mais geral. A democracia, o funcionamento superior do Estado e a Justiça não podem viver com saúde no quadro de suspeitas generalizadas e de obscuras solidariedades ou cumplicidades.
Foi certeiro Mário Soares, ao considerar “démodée” a pertença maçónica. Mas não podemos evitar o debate e fugir a conclusões claras, a bem da democracia, da liberdade, da credibilidade pública e da seriedade do Estado.
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