segunda-feira, 2 de março de 2015

A maldade alemã, a solidariedade grega e a subserviência portuguesa

O tema das relações entre Portugal e a Alemanha é um tema recorrente no escasso debate público europeu dos últimos anos, nomeadamente quanto a saber se a Alemanha "manda demais", ou não, se deveríamos, ou não, alinhar pelo "anti-germanismo" que alguns círculos, predominantemente à esquerda e na extrema-direita, alimentam.

Esse debate aqueceu novamente na sequência das últimas eleições gregas e da formação do Governo Tsipras.

Pedimos uma reflexão sobre o assunto a Pedro Sampaio Nunes, que, ainda há dias, teve internções magníficas a este respeito e de outros temas da actualidade europeia, no programa PRÓS & CONTRAS, na RTP-1.


A maldade alemã, a solidariedade grega e a subserviência portuguesa 
Temos assistido nestes últimos dias a afirmações surpreendentes ainda na sequência da vitória do Syriza na Grécia, país submetido ainda a um processo de ajustamento condicional aos dois empréstimos feitos ao País pela troika das Instituições, depois daquele ter perdido acesso aos mercados de financiamento internacional. 
Uma das teses que correm, muito popular junto à esquerda nacional e a algumas figuras do centro-direita que se têm notabilizado pela sua postura de crítica sistemática ao actual Governo legítimo de Portugal, em contradição com o que afirmavam num passado recente, nomeadamente quando assumiram funções de Governo. 
Essa tese, em síntese, diz que o Governo Português se tem portado de forma subserviente à Alemanha e de forma pouco solidária com a Grécia, prejudicando assim os interesses do Povo português, uma vez que as vantagens que a Grécia vai obter seguramente no processo negocial com o Eurogrupo poder-nos-ia beneficiar também. 
Ora, nada mais falso. Façamos uma pequena incursão na história recente, para enquadrarmos um pouco esta questão. 
Estava Portugal a negociar a sua adesão há 7 anos, desde 1977, quando em 1984, o governo de Thatcher, solicitou a devolução de parte substancial da sua contribuição para os cofres comunitários. Com efeito, a Política Agrícola Comum absorvia 80% do orçamento comunitário e beneficiava de forma desproporcionada a França, penalizando o Reino Unido, à época apenas o segundo país menos desenvolvido da Comunidade. A Grécia tinha entrado em 1981, e as negociações com os Países Ibéricos arrastavam-se sem fim à vista. 
Ora após intensas negociações na Cimeira de Fontainebleau,  pela mão da Alemanha e de Delors,  foi alcançado um compromisso  em que se aceitou o ”rebate” inglês, contra o acordo para a conclusão célere das negociações com Portugal e Espanha. Assim nessa altura já a Alemanha se dispôs a custear ainda em maior proporção a construção europeia, de forma a acelerar a entrada dos dois novos membros. No entanto, em Fevereiro de1985, já mesmo no fim das negociações, o governo do PASOK de Papandreou colocou na mesa uma chantagem no valor de 2 000 milhões do que hoje seriam euros. Só aceitaria a entrada dos dois novos futuros membros se fosse entregue à Grécia esse montante, para compensar a pretensa concorrência que essas duas economias lhe fariam quando entrassem no mercado comum. 
E mais uma vez a Alemanha aceitou pagar essa factura, dos PIMs, que viriam mais tarde A ser usados como precedente por Delors, para propor a nova política da Coesão Económica e Social, que não existia nos Tratados iniciais, e que passaram a ser hoje a rubrica do orçamento comunitário mais expressiva, significando para Portugal transferências anuais líquidas da ordem dos 4 000 milhões de euros anuais, através dos Fundos Estruturais. 
Por essa razão, nem a Alemanha demonstrou nenhuma maldade no processo histórico da construção europeia, antes pelo contrário, nem a Grécia mostrou qualquer solidariedade com os outros países que emergiam de regimes autoritários como o seu, e que as velhas democracias ocidentais queriam amarrar ao comboio de prosperidade e liberdade que é a União Europeia.
Já quanto à alegada subserviência portuguesa, é mais um logro em que a pequena politiquice nacional nos quer fazer cair, com a cumplicidade dos que deveriam saber bem do que falam. Portugal cumpriu o Memorando de Entendimento com determinação e, mais uma vez e como em 1983 e 1977, com resultados espectaculares no que refere á rápida resposta da economia nacional ao Programa de ajustamento. Por essa razão, Portugal apresenta-se nos fora internacionais orgulhoso de ter conseguido, tal como a Irlanda, uma saída limpa, que ninguém, mas ninguém, antecipava ainda há cerca de um ano! Isso é subserviência à Alemanha? Porquê? O Memorando de Entendimento foi assinado entre Portugal, o FMI, o BCE e a Comissão europeia, em representação do Eurogrupo. Em nenhuma destas instituições a Alemanha dispões de mais de 8 % dos direitos de voto. E as posições nestas instituições são consensuais. Por isso, um pouco mais de trabalho de casa evitaria muito dos disparates que se ouvindo hoje nos media… 
Pedro SAMPAIO NUNES
Engenheiro
Ex Sub Director Geral das Comunidades Europeias (de 1983 a 1986)
Ex Chefe de Gabinete adjunto do Comissário Cardoso e Cunha (de 1986 a 1992)
Secretário de Estado da Ciência e Inovação no XVI Governo Constitucional

1 comentário:

Anónimo disse...

"e, mais uma vez e como em 1983 e 1977, com resultados espectaculares no que refere á rápida resposta da economia nacional ao Programa de ajustamento."

FABULOSO!

Quantas mais vezes vai precisar a espectacular economia nacional de mostrar aquilo que realmente é?