sábado, 14 de março de 2015

Basta dizer não?



Devido ao envelhecimento da população, está a surgir em Portugal e na Europa uma justificada atribulação nos Serviços de Saúde.

As pessoas de mais idade são mais susceptíveis à doença, necessitando de cuidados de proximidade mais imediatos. Estas pessoas formam a generalidade dos “bedblockers”, designação dos doentes que estão internados no hospital e que impedem, por motivos de carência sócio-familiar, a rotatividade do internamento nas camas que ocupam, quando deveriam ir para casa.

Estima-se que mais de 10% das camas hospitalares estão hoje bloqueadas, pela total impossibilidade dos doentes serem acompanhados no domicilio.

Não tem nada a ver com o mundo da medicina; os profissionais de saúde dão a conhecer que o trabalho que realizam está longe de ser eficaz. Com os inúmeros problemas e insuficiências, o sistema público está à beira da implosão. Todos concordam que são necessárias mudanças: em poucas palavras, diminuir custos e aumentar a qualidade dos serviços prestados.

Facilmente se compreende que o sistema de proximidade, que deve permitir acesso imediato, só pode acontecer através da fixação dos médicos e de enfermeiros, aproveitando as estruturas disponíveis, desenvolvendo métodos de organização e gestão financeira. O desenvolvimento do conhecimento e das tecnologias, permite-nos recorrer, nos dias de hoje, a técnicas menos invasivas e muitos dos actos médicos passaram a desenrolar-se num tempo muito mais reduzido. É a aposta no ambulatório e fundamentalmente na prevenção primária. Então, deixará de fazer sentido o investimento em grandes estruturas fixas.

A mobilidade dos profissionais de saúde não pode consistir em medidas avulsas com incentivos a premiar o eleitoralismo; tudo deve ser feito na dose certa e no tempo exacto, tal como a propósito da administração dos antibióticos. Sistemas de flexibilidade nos recursos humanos devem ser feitos ao ritmo das necessidades da população e da evolução demográfica, em lugar de pertencer à instituição A ou B,  já que o profissional está ao serviço do país e de uma determinada região. Por outro lado, as alterações que o efeito sistémico nos vai obrigar a fazer tornam a realidade de todo o sistema de saúde diferente, obrigando todas as estruturas intervenientes no sector da saúde a ter uma comunicação regular e sistematizada, não permitindo duplicação de tarefas, que criam ineficiência na prestação de cuidados .

Os recursos devem ser adequados, quer na qualidade, quer na grandeza expressa em números. É neste contexto que deve existir uma alteração no modelo de governação clínica, com uma rede de cuidados feitos no domicilio, utilizando as tecnologias actualmente disponíveis.

A reforma que deve ser feita no Serviço Nacional de Saúde tem a obrigação de se comprometer com a isenção para as pessoas com menos recursos, com a liberdade de mudar de hospital, com o envolvimento dos profissionais na gestão, com o estabelecimento de esquemas de incentivos e penalizações, com o financiamento dos hospitais conforme os objectivos de qualidade e as exigências de carácter cientifico e técnico.

Defender a saúde é preservar a universalidade e a equidade. Na saúde, os problemas põem-se com especial acuidade, os seus efeitos são determinantes para o País, do mesmo modo que os seus resultados influenciam a satisfação ou as frustrações do colectivo.

Nenhum Governo tem o direito de tratar as instituições com suspeição! Às instituições públicas, e sociais devem ser reconhecidas as iniciativas de consciência pública que têm praticado, em beneficio da preservação do sistema de saúde. Em simultâneo, nenhuma instituição está isenta de responsabilidade no desenvolvimento da reforma que deve ser feita no Serviço Nacional de Saúde. 

É fácil dizer que o principal problema da saúde em Portugal é o financiamento, mas, na realidade, o mais importante é o planeamento e a organização. Na realidade, os cuidados de saúde devem ser pagos pela riqueza produzida, mas na saúde é desejável a neutralidade política e o sentido deontológico.

A maioria dos doentes em Portugal pode receber tratamento num hospital da sua escolha, entre públicos e privados? Na realidade, não pode escolher o hospital, nem o médico, nem o centro de saúde.

Certamente que a liberdade de escolha obriga a um maior esforço dos melhores hospitais, em que os menos eficientes teriam muito provavelmente de encerrar as suas portas, mas cria a cultura da responsabilidade de um e de outro (oferta e procura).

O sector da saúde na Alemanha emprega mais de 4 milhões de pessoas - entre estes, 360.000 médicos e dentistas, 500.000 auxiliares de consultório, 50.000 farmacêuticos e mais de um milhão de enfermeiros e auxiliares de enfermagem, nos 2.200 hospitais do País e com uma receita que ultrapassa os 230 mil milhões de euros/ano. A prestação social gasta 140 mil milhões de euros por ano para garantir a saúde dos associados com seguro obrigatório, que garante o atendimento de cuidados primários, mas não é eficiente. Há mais de duas décadas que tentam reformar o sistema de saúde e, até agora, os problemas persistem. No entanto, o envelhecimento da população e o progresso da medicina vão implicar mudanças profundas que não admitem delongas. O grande impasse é na decisão de se implementarem planos médicos particulares para todos.

O National Health Service (NHS) está à beira do colapso. Agentes da saúde, desde os médicos aos doentes, admitem publicamente a necessidade de mudarem os conceitos e a organização do sistema público de saúde britânico. Há três meses, um verdadeiro caos aconteceu nas urgências, mais de 20.000 doentes em macas, tiveram tempos de espera superiores a 12 horas até serem atendidos. Aumentam a cada dia as correntes de opinião de que o sistema de saúde não pode continuar a ser gerido como tem sido.

Em Espanha, o objectivo é cortar custos e apesar de o acesso à saúde ser um direito que está consagrado no artº 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a universalidade dos serviços de saúde respeitada por muitas décadas, é questionada.

Um provérbio Chinês diz:

Dinheiro perdido, nada perdido;
Saúde perdida, muito perdido;
Carácter perdido, tudo perdido.

Podemos perder dinheiro. Mas a saúde e o carácter não!


João Varandas Fernandes

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