quarta-feira, 11 de março de 2015

O sistema político e a estagnação económica

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, ontem saído no jornal i.
As políticas de investimento público foram dedicadas pelos diferentes governos à construção e obras públicas, com a nota negativa de copiarem modelos europeus com 50 anos. 

O sistema político e a estagnação económica
A estagnação da economia portuguesa, que dura há mais de uma década, tem a sua principal origem nos vários vícios do nosso sistema político e na má governação do país. Ou seja, a ausência de crescimento da economia tem mais a ver com os erros dos governos que com as empresas portuguesas, nomeadamente dos sectores transaccionáveis, que, apesar de todos os obstáculos, constrangimentos e custos de contexto, têm sobrevivido com trabalho, coragem e uma forte determinação de vencer a crise e de aumentar as exportações nacionais.

As razões para esta tese são muitas e variadas. Desde logo, a inexistência de uma visão estratégica nacional que una os empresários portugueses ao redor de objectivos nacionais claros e de políticas estáveis, compreensíveis e coerentes com um modelo económico consensualizado. Ora acontece que ao longo do último quarto de século, nomeadamente depois da adesão à União Europeia e ao euro, Portugal desperdiçou a estratégia que escolheu ao longo de séculos de país euro-atlântico, para se dedicar apenas a ser o bom aluno europeu, o que conduziu ao abandono da agricultura, à destruição da capacidade pesqueira e da marinha mercante e à desvalorização da indústria a favor das obras públicas e dos serviços.

O objectivo de vários governos, de facilitar o retorno e o reforço dos grandes grupos empresariais de raiz nacional, objectivo presente nas privatizações das principais empresas nacionais, foi um total fracasso, mas permitiu o privilégio das empresas dos sectores não transaccionáveis, através da criação de preços monopolistas a serem pagas pelos cidadãos e pelos sectores de bens transaccionáveis à custa das exportações, rendas que ainda hoje se mantêm, por exemplo, na energia.

As políticas de investimento público foram dedicadas pelos diferentes governos à construção e obras públicas, com a nota negativa de copiarem modelos europeus com 50 anos, tendo sido promovida uma indústria da construção mastodôntica e insustentável, para mais com recurso a mão-de-obra imigrante de baixo custo, sem os recursos financeiros necessários e sem terem sido feitas quaisquer análises de custo-benefício para os investimentos feitos, comprometendo no processo as futuras gerações e o equilíbrio das contas do Estado. Por exemplo, a desastrada opção pelo transporte rodoviário transformou Portugal numa ilha ferroviária sem ligações internacionais e desperdiçou as vantagens competitivas da nossa localização no centro do mundo ocidental, que poderiam servir o objectivo estratégico de criar uma logística de baixo custo, capaz de atrair o investimento estrangeiro de empresas industriais integradoras, além de facilitar as exportações.

As políticas de habitação, incentivando à compra de casa própria, contribuíram para um insustentável endividamento das famílias portuguesas e do próprio sistema financeiro, criando um campo favorável à corrupção autárquica por força da urbanização dos terrenos agrícolas na periferia das principais cidades, à custa do abandono dos centros históricos e da mobilidade do trabalho. Acresce que o resultante endividamento do Estado e das famílias retirou recursos financeiros aos sectores produtivos da economia, reduziu a capacidade de investimento privado e tornou Portugal menos interessante para o investimento externo, até porque embarcámos alegremente na euforia do alargamento da União Europeia.

Como se tudo isto não bastasse, os governos incentivaram o investimento nacional no exterior, principalmente no Brasil, sem cuidar se esse investimento criaria fluxos comerciais valorizadores da nossa economia, ou se eram meros investimentos financeiros sem qualquer retorno para a economia nacional, como acontece, por exemplo, com os investimentos da EDP. Finalmente, a crise financeira resultante destes e de outros erros grosseiros dos governos, levou ao aumento da fiscalidade sobre as empresas e os cidadãos para níveis incomportáveis e sem reduzir a burocracia de um Estado omnipresente e facilitador de negócios pouco claros de alguns grupos económicos ligados ao poder político. Os casos do BPN, do BPP, do GES/BES, da PT e de outros que o futuro nos reserva são a demonstração clara da enorme destruição de riqueza levada a cabo sem qualquer controlo, em benefício de alguns e à custa da maioria dos portugueses.

Em resumo, por esta descrição, em grande parte minimalista, da destruição de valor económico e social criada pela acção e pela omissão dos poderes político e partidário que governam Portugal, é fácil compreender o esforço gigantesco que foi preciso para que sectores inteiros da economia portuguesa tenham sobrevivido – agricultura, agro-alimentar, pescas, metalomecânica, calçado, têxtil, confecção, automóvel, cerâmica, vidro, moldes, turismo, etc. – apesar de todos os erros cometidos pelos governos e, para mais, com uma moeda forte e uma economia europeia centrada em sectores  dominados pelos países mais ricos.

Talvez um dia se faça a história deste último quarto de século e se avalie com rigor e independência o papel destrutivo que o sistema político teve na actual crise e na estagnação da nossa economia. Destruição que, a propósito, tem todas as condições para continuar, recordando, a título de exemplo, a opção do actual governo de construir um novo porto no Barreiro, ou as políticas verdes de enriquecimento de sectores energéticos conhecidos; início de mais uma fase de consumo indiscriminado dos fundos comunitários pelo Estado.
HENRIQUE NETO
Empresário
NOTA: artigo publicado no jornal i.

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