Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.
É imperiosa a renovação dos partidos não radicais como forma de salvar a democracia.
Partidos e partidocracia
É frequente vermo-nos confrontados com a afirmação de que não há democracia sem partidos. Tal é apenas uma meia verdade. Pretender identificar a existência de partidos com democracia equivale a omitir um aspecto crítico que lhe é subjacente: que os partidos têm de respeitar determinados princípios e preencher um conjunto de requisitos para ser credíveis e dignos do respeito dos cidadãos. Tal está longe de ser actualmente o caso em muitas das democracias ocidentais, originando assim a crise institucional e política que muitas delas (a maioria?) presentemente atravessam.
O âmago desta crise dos sistemas partidários assenta quer em causas internas a cada país, quer em causas externas resultantes da globalização em curso, quer, muito em particular, no que respeita à Europa, de um processo de integração insuficiente e ineficiente.
No que respeita às causas internas, são largamente específicas de cada país, embora apresentem certas origens comuns. Acresce o facto de os principais partidos (quer de centro-direita quer de centro--esquerda) frequentemente se revelarem incapazes de apresentar soluções convincentes para os principais problemas com que cada país se debate. Deste modo, os cidadãos, não se sentindo tranquilizados, são levados a não confiar nos partidos, tanto mais que, com frequência, os problemas económicos e sociais com que se debatem surgem associados a clientelismos, partidocracia e... fenómenos de corrupção. É neste quadro que surgem os apelos e as alternativas radicais: de esquerda e de direita.
Resulta assim imperiosa a renovação dos partidos não radicais como forma de salvar a democracia. Renovação esta que terá de privilegiar novas formas de relacionamento com os cidadãos, com vista a criar maior confiança entre as partes. Mais que recorrer a “velhos” paradigmas de direita ou esquerda, conservadores vs. liberais ou socialismos de várias matizes, a distinção verdadeiramente relevante no contexto presente é entre “tradicionalistas” e “reformistas”, nas vertentes económica e social!
É patente a relevância do que precede para o caso português. Não só porque o país há muito enfrenta problemas estruturais sérios, como porque estes têm estado na origem de crises várias, que só parcialmente têm sido ultrapassadas. Acresce, e não é menos importante, estarmos a poucos meses de novas eleições, em clima de generalizado e profundo desencanto dos cidadãos com a política e os políticos. O tempo urge, não só por virtude da desmoralização reinante, mas porque a confiança não se consegue repentinamente e a natureza das dificuldades implica debate aprofundado dos problemas e das alternativas propostas, bem como tempo para maturação individual destas, com vista a decisões fundamentadas e conscientes.
Só por si são razões para que os partidos dediquem uma atenção muito particular ao esclarecimento eleitoral dos cidadãos, a fim de que estes possam ser levados a recuperar a confiança nos mesmos e ser motivados a participar nos actos que se avizinham, de forma consciente e empenhada. E não se argumente que só mais perto do acto eleitoral é possível fazer propostas que não sejam contraditadas pelos factos e possam ser cumpridas. O que está, para já, fundamentalmente em causa e urge debater são propostas de natureza estrutural que permitam resolver as crises recorrentes que periodicamente nos afectam. É com isso que temos de ser confrontados e que temos de conhecer, para assim ter onde alicerçar a esperança e recuperar a confiança.
Deste modo, o que urge é que os partidos nos esclareçam questões básicas mas fundamentais como: 1. Qual a visão que têm para o país e para a sua forma de inserção no quadro da globalização?; 2. Qual a estratégia para tal?; 3. Quais os grandes objectivos a atingir?; 4. Com que prioridades e respectivos horizontes temporais?; 5. Quais as políticas concretas a prosseguir, com vista à melhoria da competitividade?; 6. Como enfrentar as actuais fragilidades da administração pública, assegurando a sua independência?; 7. Quais as políticas visando assegurar a compatibilidade entre maior crescimento e o necessário equilíbrio das contas públicas e das contas externas?; 8. Quais as políticas a prosseguir ao nível da educação, com vista a assegurar melhor formação e profissionalização, por forma a satisfazer as necessidades do mercado?; 9. Que políticas e prioridades para a saúde e para a Segurança Social?; 10. Que políticas visando o aumento do emprego e o combate à pobreza?; 11. Que prioridades no âmbito do mercado de trabalho?; 12. Como reduzir as desigualdades e promover a expansão e a melhoria de vida da “classe média”?
Aqui está uma dúzia de questões para as quais todos gostaríamos de ter as respostas dos partidos, a breve trecho... e que na sua essência nada têm de conjuntural. Aguardemos!
JOSÉ ANTÓNIO GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto "Por Uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i.
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