segunda-feira, 23 de março de 2015

AMBIENTE E ENERGIA: negócios ou política?

A propósito de um post recente de Vital Moreira, no blogue em que normalmente escreve, o Causa Nossa, intitulado Pelotão da frente, republicamos um importante artigo do Eng.º Henrique Gomes, publicado no JORNAL DE NEGÓCIOS, há cerca de um ano.

Verificamos também que já lá se encontra, em adenda ao post original, uma importante nota de esclarecimento transmitida pelo Prof. Pinto de Sá.

É preciso muito cuidado e a maior prudência com vários dos mitos transmitidos a propósito das energias renováveis, por que temos pago um preço demasiado caro.


A ilusão verde tem preço caro

AMBIENTE E ENERGIA: negócios ou política?

A EUROPA DA ENERGIA
A Europa está numa encruzilhada. A sua luta contra as alterações climáticas não foi seguida pelas outras economias. Os seus dois instrumentos, mercado de carbono e penetração de energias renováveis, tornaram-se monstros de ineficiência, induziram apostas tecnológicas erradas, atribuíram subsídios excessivos e prejudicaram os mercados. A Europa falhou.
Preocupada com a competitividade da economia europeia, nomeadamente com o facto dos custos relativos da energia na Europa terem vindo a aumentar nos últimos anos face aos seus maiores concorrentes internacionais, a Comissão Europeia apresentou, em 22Jan2014, a sua proposta para uma política energética e de combate às alterações climáticas até 2030, que inclui, entre outras, a meta global, não vinculativa a nível nacional, de 27% da energia consumida ser de origem renovável. Para Durão Barroso, "a acção climática é fundamental para o futuro do nosso planeta, e uma política de energia verdadeiramente europeia é-o igualmente para a nossa competitividade".
A União Europeia revê, assim, a sua política pioneira de combate às alterações climáticas e apela aos Estados-membros para adoptarem políticas de promoção do renascimento industrial, em nome da criação de mais emprego.
Os Governos aprenderam com os erros de políticas de apoio às renováveis: mal desenhadas e demasiado generosas. Alemanha e Reino Unido impõem mecanismos de preços ajustados à evolução em baixa dos custos. Espanha, Republica Checa e Bulgária cortam nas tarifas das instalações existentes. Roménia, Estónia e mesmo Alemanha, já ameaçaram fazer o mesmo. Grécia aumentou os impostos.
A Europa está a acordar!?

E…AS RENOVÁVEIS EM PORTUGAL?
Em 2013, e em termos de energias renováveis para a produção de electricidade, Portugal produziu (i) 30 TWh (57% da produção bruta + saldo importador) com uma potência instalada de 11 GW (13,3 GW licenciados), devendo ter já garantido o objectivo definido pela Comissão Europeia.
A Produção em Regime Especial (PRE), que engloba a cogeração não renovável e as energias renováveis (sem a grande hídrica > 30 MW), produziu (ii) sem risco de mercado 23 TWh a um preço médio de 107 €/MWh. Com um custo de 2400 M€ e um valor de venda em mercado de 900 M€, originou um sobrecusto para o sistema eléctrico de 1500 M€. Este sobrecusto, imputado essencialmente às famílias e PMEs, tem subido exponencialmente nos últimos anos, por efeito das quantidades e do preço do mix da PRE.
A energia eólica representou 52% da produção física da PRE e 46% do seu custo.
Como benchmark, reparemos no desempenho da EDPR (iii) em 2013 nos mercados eólicos. As receitas médias unitárias (em €/MWh) foram de 99,3 em Portugal, 86,7 no resto da Europa e de 48,1 nos EUA. O rácio EBIT/Receitas é, respectivamente, de 65%, 38% e de 26%. Elucidativo!

O MERCADO DA PRODUÇÃO
Ainda em 2013, o mercado eléctrico terá fornecido 45 TWh a clientes, com um consumo referido à emissão de 49 TWh. Este consumo foi satisfeito pela produção de PRE, CMEC (iv) e CAE (v) que representam, respectivamente, 22, 18 e 4 TWh, num total de 44 TWh. Para além do preço médio das tarifas da PRE atrás indicada, a produção CMEC e CAE, beneficiando de contratos pré-liberalização, terá tido custos acima dos 80 e 90 €/MWh, respectivamente. O mercado liberalizado com um preço médio de 44 €/MWh, forneceu somente a quantidade residual de 5 TWh (10%).
O mercado grossista da produção é caro e escandalosamente protegido!

O CANTO DAS SEREIAS E A REALIDADE
O coro das vozes alinhadas com as renováveis e o seu reforço apresenta, no essencial, os seguintes argumentos:
  • A aposta de Portugal nas renováveis melhora a nossa balança comercial e evita importações de combustíveis fósseis. Portugal começou a enfrentar o problema crónico da dependência energética nacional.
  • O facto de 60% da electricidade consumida ser de origem renovável possibilita estabilizar o preço deste bem. Basta fazer as contas: as renováveis contribuem para uma descida dos preços da energia. 
  • A aposta nas renováveis levou à criação em Portugal de um novo cluster industrial de elevado valor tecnológico, que gerou emprego qualificado e rapidamente se afirmou no quadro das nossas exportações.
Na verdade,
  • As renováveis são investimentos de capital intensivo, dominado por investidores externos, têm custos variáveis de exploração muito baixos e actuam num mercado de bens não transaccionáveis e demasiado protegido. O benefício na nossa balança comercial, será praticamente neutralizado a nível da balança de rendimentos. A economia é seriamente prejudicada.
  • Como atrás se referiu, a energia exposta ao preço concorrencial de mercado é cerca de 10% das nossas necessidades. Se compararmos a evolução dos preços ao longo de 2013 no Mibel e no mercado alemão, a energia foi mais barata 6 €/MWh na Alemanha e os preços mais estáveis que no Mibel. A concorrência explicará o preço; o excesso de capacidade instalada existente na ilha energética que é a Ibéria explica a volatilidade. O mix energético há muito que está desequilibrado induzindo custos de ineficiência com capacidade instalada ociosa, baixando a segurança de abastecimento ao desalojar o gás natural da produção e a malbaratar o esforço da descarbonização da economia mantendo a utilização do carvão. O sobrecusto das renováveis tem vindo a aumentar significativamente todos os anos. Os custos indirectos também (vi). Os excessos estão à vista!
  • Infelizmente, o cluster industrial não tem expressão exportadora, nem capacidade tecnológica de aerogeração (vii). No índice RECAI (viii), Portugal aparece classificado em 17º lugar sendo o critério tecnologia o mais fraco.
Portugal é já hoje (ix), com grande folga, o campeão mundial da capacidade eólica instalada por unidade de PIB, para além de ser também o terceiro per capita. Percebe-se porquê. E também as consequências?

A DESCARBONIZAÇÃO DA ECONOMIA
“Como é evidente, todos desejamos substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis. A palavra-chave é descarbonizar a economia e fazê-la crescer em simultâneo…"
"Não é tecnológica nem economicamente possível substituir em poucas décadas os combustíveis fósseis por energias renováveis, devido à escala em que teria de ser feita. Também não é eticamente defensável condenar milhões de seres humanos ao subdesenvolvimento e à fome enquanto a descarbonização da economia global não se concretiza…."
"Mudar radicalmente uma cultura, um modelo económico, um estilo de vida, leva gerações. É por isso que o discurso moralista contra os combustíveis fósseis se torna patético na sua vacuidade e impotência, quando não exprime, implícita ou explicitamente, o apelo a soluções totalitárias de criação, à força, de um homem novo…” - escreveu Delgado Domingos. (x)
Numa sondagem recentemente solicitada pela DG CLIMA (xi), pede-se aos cidadãos da EU28 que identifiquem, de entre oito problemas, aquele que consideram ser o da maior relevância para a humanidade. Dos portugueses, 49% elegeram a pobreza e a fome, 27% a situação económica e 6% as alterações climáticas. Portugal é o país mais preocupado com a pobreza e a fome e o menos com as alterações climáticas.
Portugal precisa de um Governo que saiba interpretar o sentir da população!
Henrique GOMES
Cidadão e ex-Secretário de Estado da Energia

(i) Renováveis – Estatísticas rápidas – Dez13 – Nº106 - DGEG
(ii) Informação sobre PRE – Dados actualizados a Nov13 - ERSE
(iii) Resultados 2013 – EDP Renováveis
(iv) Tarifas e Preços para a EE em 2013 – Dez12 - ERSE
(v) Ajustamentos … a repercutir nas Tarifas de 2014 – Dez13 - ERSE
(vi) As Eólicas e o Monstro Eléctrico – Luís Mira Amaral – Expresso de 8Mar14
(vii) Indústria Nacional de Aerogeradores – Pinto de Sá – Revista Indústria e Ambiente Nº83
(viii) RECAI Renewable energy country attractiveness indexIssue 39 – Nov13
(ix) Wind Energy Facts – Clean Technica(x) Excertos do destaque "Descarbonizar a Economia" in "Alterações climáticas: o debate científico" – José Delgado Domingos – Janus 2013
(xi) Climate Change – Special Eurobarometer 409 – Mar14

N.E. - Os destaques a negrito no texto são da responsabilidade desta edição. 
 Artigo publicado no JORNAL DE NEGÓCIOS em 1-abr-2014 


1 comentário:

Afonso S. disse...

Quanto à Descarbonização da Economia, é evidente que a transição é difícil e cara. Melhor seria se houvesse tempo para o fazer de forma mais progressiva. Mas ignorar a urgência de o fazer, que está fundamentada pela melhor ciência disponível e também pelas contas à economia global que indicam que os custos de mitigação e adaptação às alterações climáticas serão superiores quanto mais se adiar a resolução do problema, não é racional. E também não será ético, pois se os custos (ambientais, económicos, sociais) da não-descarbonização da econonomia são maiores se se adiar a reforma ou se esta não for feita suficientemente rápido par se evitar os piores efeitos previstos (e possivelmente irreversíveis) das alterações climáticas, então estaremos a condenar muitos mais seres humanos ao subdesenvolvimento e à fome (entre outras consequências indesejáveis) se não o fizermos "ASAP".

Analogamente, não sei se os custos globais e a calendarização da efetiva implementação do Protocolo de Montreal para limitar o uso de substâncias destruidoras da camada de ozono não terão sido maiores do que o que seriam se isto tivesse sido feito de forma mais faseada. Mas a urgência de o fazer impôs-se.

Parece portanto racional, ético, desejável, e aceitável que se considere seriamente aliar o ambiente à energia (o setor energético representa cerca de 40% das emissões de CO2 a nível global). O esforço não deve é ser unilateral. É preciso uma concertação mundial para resolver o problema. Mas também parece razoável o importante princípio assumido por todos no âmbito da UNFCCC: "Common But Differentiated Responsibilities" (i.e.: que culpa tem um país como o Fiji das alterações climáticas (sendo que é considerado um dos que é mais vulnerável a elas), ou que contributo pode ter para as mitigar (as emissões deste país são insignificantes)?

O setor energético pode contribuir decisivamente para evitar os piores cenários das alterações climáticas e os respetivos custos económicos e sociais. É preciso ter em mente que o problema é global, que há incerteza, e que o princípio da precaução deve prevalecer.