Foram 90 minutos bem empregues, hoje de manhã, no auditório do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, para assistir ao “Debate sobre o escândalo por detrás do BPN”, na sequência da Grande Investigação que o jornal tem vindo a publicar nos últimos dias a respeito da maior fraude a que alguma vez se assistiu em Portugal. Gostei particularmente das intervenções de Nuno Melo e de Manuel Meira Fernandes, um dos elementos da administração Miguel Cadilhe. Mais um grande serviço do DN ao país e à opinião pública.
Depois de três anos sem nada verdadeiramente acontecer, a opinião pública inquieta-se e acumula potencial de indignação. A expectativa sobre a nova comissão parlamentar de inquérito em início de actividade é, por isso, elevadíssima – todos temos de ter consciência disso.
A primeiríssima responsabilidade da comissão de inquérito sobre o caso BPN é fazer a narrativa exacta da burla, da fraude, do assalto que nos feito: uma narrativa cristalina, exaustiva, completa, bem compreensível, solidamente documentada e com os nomes por extenso. Nada pode ficar por conhecer: desde a montagem e a operação dos vários ilícitos e abusos cometidos ao longo de anos até ao percurso da nacionalização e da pós-nacionalização até hoje. E terá que exercer a responsabilização política que couber.
A Assembleia da República tem que servir ao país, tim-tim-por-tim-tim, toda a história do BPN do primeiro ao último dia, de A a Z, de fio a pavio. Queremos saber.
Mas as responsabilidades de acção são gerais e de vários órgãos do Estado – não é só a Assembleia da República.
É indispensável que todos os órgãos do Estado com responsabilidades actuais ou passadas na matéria exerçam a parte do poder que lhes cabe sobre todos aqueles que roubaram, prevaricaram ou falharam. O Governo, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público em geral, a Polícia Judiciária, os Tribunais (isto é, os diferentes juízes), a CMVM, o Banco de Portugal – todos têm que actuar efectivamente na parte que lhes compete. Não chega comentar, é imperativo agir.
A opinião pública não compreende, nem compreenderá, que se volte, uma vez mais, a respeito do BPN, ao crónico jogo-de-empurra nas responsabilidades a apurar: “não, isto é com os tribunais”; “não, isto é com os políticos”; “não, isto é com o supervisor”. É com todos!!
Têm que ser apuradas, rigorosamente estabelecidas e pontualmente liquidadas todas as responsabilidades, aos diferentes níveis e nos diferentes quadros de avaliação: a responsabilidade política, a responsabilidade criminal, a responsabilidade civil, a responsabilidade contratual, a responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade disciplinar. O país exige: verdade e consequência.
Temos ainda que ter bem presente que este é também, à vista de todos, um caso-teste à capacidade do Estado.
O Estado tem obrigação de mobilizar todos os vários instrumentos de que dispõe para descobrir onde está o dinheiro que foi desviado: follow the money tem que ser uma palavra de ordem imperativa da polícia, da política e dos organismos financeiros.
A opinião pública não entenderá a rendição, a negligência ou a mera impotência dos organismos estatais e da cooperação internacional diante dos alçapões, dos biombos, dos truques, das engenharias financeiras e contabilísticas, do labirinto de circulação dos activos desviados. Se os Estados não conseguem recuperar estes roubos gigantescos é preciso equipar os Estados com a ferramenta indispensável. Já. E a tempo. O país exige: verdade, sanções e recuperação do produto do roubo.
Além da gravidade ímpar do que se passou no BPN, todos temos de ter consciência do momento gravíssimo que o país atravessa. Se a tolerância para a impunidade seria sempre baixa em qualquer circunstância, então no clima em que vivemos e vamos viver mais uns anos ninguém aturará que, quanto a vários responsáveis desta burla gigantesca por acção ou por omissão, nada se passe e que consigam escapar entre os pingos da chuva. O business as usual não poderá ser o rescaldo final deste caso de escândalo e vergonha.
O DN pôs em evidência, com a investigação divulgada nos últimos dias e o debate de hoje, como é deplorável o tempo perdido nos últimos três anos. Será absolutramente intolerável – e potencialmente explosivo, no plano social e político – que, daqui por diante, o mesmo ambiente amolecido e de passa-culpas prossiga.
O país exige verdade e acção, com nomes postos, sanções aplicadas e activos recuperados. Para o Estado não se mostrar incapaz e o regime incompetente ou cúmplice.