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quarta-feira, 13 de junho de 2018

A destruição do investimento na habitação

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O governo criou um imposto de confisco, designado popularmente por “imposto Mortágua” e destinado exclusivamente a imóveis para habitação. Sim, caro leitor. Se tiver uma casa alugada a uma família, mesmo com contrato vitalício, tem de pagar o imposto Mortágua. Mas se tiver alugado para um bar de alterne, estará isento!
Obra parada
A destruição do investimento na habitação
Um dos fundamentos da economia social de mercado é a mobilização das poupanças para investimentos social e economicamente eficientes. Por isso, desde os inícios do séc. XX e até 1974, a promoção imobiliária para habitação foi em Portugal uma das aplicações diretas das poupanças das famílias e das pequenas empresas.

Em 1975, o processo revolucionário então em curso manteve o congelamento das rendas em Lisboa e no Porto, que já vinha do Estado Novo, e alargou-o a todo o país mesmo, com uma inflação anual acima dos 20%! O que arruinou os proprietários que, ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado, se viram obrigados a vender ao desbarato os seus imóveis para não caírem na insolvência, devido a uma legislação que tornara os custos da manutenção dos edifícios mais altos do que as rendas congeladas por lei. Isso levou à ruína de muitas zonas urbanas e acabou com o investimento para arrendar. Ou seja, uma política de pretensa proteção social dos “inquilinos vitalícios” entregou aos bancos o encargo de financiarem em exclusivo a promoção imobiliária.

Face à degradação dos imóveis arrendados, a nova lei de 1992 permitiu a celebração de contratos de arrendamento com prazo certo, bem como a atualização periódica das rendas em função da inflação. Mas o valor extremamente baixo das rendas dos mais de 200 mil contratos habitacionais vitalícios estabelecidos antes de 1992 fazia com que a respectiva gestão continuasse a ser um verdadeiro suplício. E isso impedia novos investimentos para arrendar, pois permanecia bem viva a espada de Dâmocles do congelamento de rendas.

Os efeitos tenebrosos que esta política teve nos bancos nacionais são bem conhecidos. Forçados politicamente a dar crédito para compra de habitação às famílias das classes médias com prazos de empréstimo de 40 anos, mas dispondo apenas de fontes de crédito a cinco anos, os bancos criaram o caldo de cultura para o colapso que os atingiria com a crise financeira de 2008.

Para permitir a retoma do investimento direto de poupanças em habitação, foi criada a lei de 2012, que visava resolver progressivamente o fardo económico das rendas degradadas herdadas do período do “congelamento gonçalvista”. E essa lei permitiu, de facto, uma notável recuperação do património urbano, bem visível nas grandes cidades, e potenciar também o forte boom turístico de que Portugal tem beneficiado graças à instabilidade vivida nos principais destinos turísticos do Mediterrâneo e do Médio Oriente.
Quando o atual governo chegou ao poder, em finais de 2015, herdou assim uma notável recuperação urbana a par das consequências duma procura turística que ultrapassava tudo o que se podia ter imaginado em 2012.

Face a este novo quadro, o governo tomou em 2016 duas medidas desastrosas para a confiança de qualquer investidor: 
– Decidiu abolir os subsídios de renda previstos na lei de 2012 para apoiar os inquilinos com dificuldade em pagar as rendas sociais estabelecidas pela própria lei, obrigando assim os proprietários a continuarem a fazer assistência social num horizonte a perder de vista;
– Criou um imposto de confisco, designado popularmente por “imposto Mortágua” e destinado exclusivamente a imóveis para habitação.

Sim, caro leitor. Se tiver uma casa alugada a uma família, mesmo com contrato vitalício, tem de pagar o imposto Mortágua. Mas, se tiver alugado para um bar de alterne, estará isento!

Sempre fiquei na dúvida se os proponentes desta lei se aperceberam da monstruosidade social do que legislaram. Mas pelo menos uma pessoa da atual maioria se apercebeu: o presidente da Câmara de Lisboa. Fernando Medina resolveu fazer um desconto no IMI para quem for proprietário de casas arrendadas para habitação, ou seja, precisamente as vítimas do imposto Mortágua. Mas só em Lisboa estas têm uma ligeira compensação. Resumindo, uma total e absurda contradição interna das políticas de habitação!

E agora, perante a quebra do investimento para arrendar, o governo mantém o imposto Mortágua e fez mais dois avanços no sentido de regressar ao “congelamento das rendas”: 
– Tornar vitalícios os contratos temporários para inquilinos maiores de 65 anos; 
– Bloquear as ações de despejo.

Face a esta calamidade anunciada, os incentivos da redução do IRS para contratos de arrendamento a mais de dez anos nada significam e o investimento para arrendar continua parado. E a monstruosa burocracia de concursos públicos para a seleção de candidatos para atribuição de “rendas acessíveis “ em imóveis privados retira qualquer vantagem a esta proposta. Pelo que as famílias à procura de casa não encontram habitações para arrendar, o que agrava os problemas sociais e demográficos do país.

Como, por outro lado, os bancos dão aos aforradores taxas negativas, estes, em desespero, vão investir em fundos que, provavelmente, vão financiar economias estrangeiras em vez de promoverem a habitação em Portugal. E isto num país terrivelmente descapitalizado! Mas certamente que o ministro Mário Centeno, agora também presidente do Eurogrupo, estará atento a este desastre na aplicação das poupanças dos portugueses que irá arruinar de novo a estabilidade do próprio sistema bancário. E desacreditar ainda mais a qualidade da nossa democracia. 
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Não invistam em habitação!

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O imposto Mortágua vai precisamente discriminar e penalizar quem invista em habitações para arrendar às famílias portuguesas!


Não invistam em habitação!
Promover o investimento nos setores concorrenciais da economia, baseado nas poupanças de empresas e particulares, é um dos objetivos prioritários do nosso país.
Por isso o ministro da Economia ergueu o Programa Capitalizar, destinado a reforçar o músculo financeiro das empresas, como uma das bandeiras políticas da sua atuação governamental.

Surge assim como um completo absurdo, e uma flagrante contradição com as prioridades da política governamental, a instituição no OE de 2017 do designado adicional do IMI, mais conhecido por “imposto Mortágua”.

Desde logo porque, sendo um imposto sobre o património e independente da receita que possa, ou não, gerar, terá sempre um enquadramento de “confisco” que leva à destruição dos capitais próprios das empresas e dos cidadãos.

Ora, exercer esse confisco seletivamente apenas sobre o património constituído pela habitação dos portugueses vai também contra outro dos objetivos prioritários do governo, que é promover o investimento em habitações para arrendar, em especial em Lisboa e no Porto.

Pois o imposto Mortágua vai precisamente discriminar e penalizar quem invista em habitações para arrendar às famílias portuguesas!

Ou seja, quem invista as suas poupanças para proporcionar um lar e gerar emprego é, afinal, castigado, comparativamente a quem invista noutros setores ou que simplesmente deposite o seu dinheiro no banco, ou compre barras de ouro para ficar à espera que a respetiva cotação suba...

Mas mais: para um governo e para uma maioria parlamentar que fazem grande alarde da sua consciência social, é confrangedor verificar que um imóvel destinado a alugar para habitação é penalizado pelo imposto Mortágua, enquanto outro imóvel destinado a um bar de alterne dele está isento!

E esta constatação deriva diretamente do articulado da lei pois, no segundo caso, esta é considerada como uma atividade comercial e, como tal, não penalizado.

Vejamos mais algumas chocantes incoerências deste imposto:

– Foi definido como um objetivo do atual governo a recapitalização da banca, nomeadamente para poder fazer face aos seus “ativos tóxicos”, constituídos em grande parte por imóveis de habitação.

Assim, o imposto Mortágua cai fatalmente em cima dos bancos, descapitalizando ainda mais os seus balanços.

– Também muitas empresas de construção figuram entre os detentores dos “créditos malparados” concedidos pela banca.

E as empresas de construção têm um vasto património habitacional, pelo que este imposto vai penalizá-las, tornando ainda mais problemático o pagamento das respetivas dívidas à banca.

Sendo o Ministério das Finanças quem promoveu a recapitalização da banca, que na Caixa Geral de Depósitos provocou já um grave aumento da dívida pública, não se compreende como é que esse mesmo ministério, ao criar depois este imposto, vai colocar mais obstáculos a essa recapitalização em que todos fomos obrigados a participar.

Mas a aplicação deste imposto criou ainda outras situações de gritante injustiça.

De facto, para além da questão do património imobiliário detido em conjunto pelos membros de um casal, como tem sido ventilado na imprensa, há também o caso das “heranças indivisas”.

Pois o OE 2017 decidiu penalizar com o imposto Mortágua todas as “heranças indivisas cujo património total destinado à habitação ultrapasse os seiscentos mil euros”.

Quer isto dizer que, se um conjunto de seis herdeiros tiver uma herança constituída por seis andares alugados para habitação no valor de 101 mil euros cada, já paga este imposto.

E isto apesar de cada um destes seis herdeiros ter apenas um património de 101 mil euros, pelo qual também paga ao Estado IMI, taxas de esgoto, de proteção civil e IRS.

Para que tivessem sido isentos desta enormidade fiscal, o OE 2017 exigia que todos os herdeiros tivessem assinado, logo em maio passado, um documento dizendo que queriam ser coletados individualmente, bastando a falta de assinatura de um deles para que todos tivessem de pagar este imposto. E não houve da parte da Autoridade Tributária qualquer preocupação em avisar os contribuintes desta “novidade fiscal”.

Excelente forma de se promover o investimento para habitação, para cumprir os objetivos definidos pelo mesmo governo que também criou o imposto Mortágua!

Estamos, pois, perante um exemplo gritante de contradições estratégicas entre as várias políticas públicas.

Continuando hoje Portugal extremamente endividado, desde logo por parte do Estado, mas também por parte das famílias e das empresas, é necessário promover cada vez mais uma poupança que se converta em investimento produtivo. E isso não pode ser sabotado na prática através de outras medidas, como o imposto Mortágua, tomadas pelo próprio governo.

Pois só assim se pode reduzir progressivamente o endividamento e consolidar uma economia portuguesa na zona euro, sem a sombra de uma nova bancarrota como a de maio de 2011.

Uma democracia de qualidade tem de ter por objetivo que o conjunto das políticas públicas sejam coerentes entre si e transmitam aos agentes económicos uma metodologia eficaz para que a sociedade, no seu todo, seja mais próspera e socialmente mais coesa.

Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

O assalto às PME e a estabilidade da banca

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Para as PME que não conseguirem aumentar os preços de venda só haverá duas alternativas: endividarem-se junto da banca ou tornarem-se insolventes, com o consequente drama do aumento do desemprego.


O assalto às PME e a estabilidade da banca

O dinamismo e a capacidade de resistência das empresas produtoras de bens e serviços transacionáveis foram o que salvou a economia portuguesa após a pré-bancarrota a que Portugal chegou em maio de 2011, então conduzido pelo governo socialista de José Sócrates.

Reduzindo custos, lançando-se para o mercado exterior face à retração forçada do mercado interno, estas empresas, e muito em especial as PME, foram as responsáveis pela retoma económica registada logo a partir de 2012 e pelo fenómeno do reequilíbrio das contas externas, que desmentiram as previsões da “espiral recessiva” que muitos reputados economistas consideravam inevitável devido ao plano de ajustamento forçado pela troika.

Infelizmente, o novo governo da geringonça, logo que tomou posse, há um ano, decidiu atacar frontalmente a sustentabilidade das empresas que estão sujeitas à feroz concorrência externa.

Foi logo o abandono da redução da taxa de IRC, anteriormente acordada pelo próprio Partido Socialista, e que era uma peça fundamental para a capitalização das PME. Foi, de seguida, a decisão da reposição imediata dos quatro feriados, sem qualquer tentativa de acordo na concertação social, com importante influência no aumento dos custos de produção, muito em especial no quarto trimestre, onde se situam três dos quatro feriados repostos.

Foi, depois, o célebre “imposto Mortágua”, destinado a confiscar a poupança imobiliária, incluindo aquela que está investida em andares de habitação que se encontram devidamente arrendados e que, por isso, pagam já todos os impostos devidos.

E isto é tanto mais grave quando são as PME que criam grande parte do emprego e são indispensáveis para manter Portugal no euro. E só a solidez financeira das empresas dos setores transacionáveis pode permitir à banca ser rentável evitando as “loucuras financeiras” que geram depois as famosas imparidades, que só provocam mais dívida, pública e privada.

Criar as condições fiscais para que as empresas se possam capitalizar ao serviço da criação de emprego deverá ser, pois, um objetivo político fundamental para garantir a coesão social de Portugal e a sua manutenção na Zona Euro.

Por isso se assistiu agora com grande preocupação ao diktat do governo sobre as empresas no que diz respeito ao aumento do salário mínimo, aumento este que se situa muito acima da taxa de inflação e dos ganhos de produtividade, o que claramente coloca em causa a competitividade da economia portuguesa.

Com 557 euros, pagos 14 meses por ano, a que acrescem 22,5% da componente da TSU paga à parte pelas empresas, mesmo após a redução especial proposta para 2017, as empresas vão ter de despender 557x14x1,225 euros por cada colaborador, ou seja 9630 euros em 2017. Para os cerca de um milhão de colaboradores nestas condições, o esforço financeiro exigido globalmente às empresas atinge os 9630 milhões de euros.

Mas atenção: 33,5% deste montante é receita direta do Estado, através da Segurança Social, ou seja, 3250 milhões de euros saem das empresas diretamente para os cofres do Estado.

Além disso, isto representará em 2017 um adicional de 448 milhões de euros relativamente a 2016, e deste aumento de despesa, 33,5%, ou seja, 150 milhões de euros, vão diretamente para o Orçamento do Estado como contribuições obrigatórias para a Segurança Social - o que constitui um precioso contributo para a redução do défice de 2017.

Mas, para manterem a atividade nestas novas condições, as empresas terão de ir buscar algures esses 448 milhões de euros adicionais.

Para as PME que não conseguirem aumentar os preços de venda só haverá duas alternativas: endividarem-se junto da banca ou tornarem-se insolventes, com o consequente drama do aumento do desemprego.

E se é certo que, em 2016, o extraordinário boom turístico, provocado pela instabilidade no Médio Oriente e no norte de África, salvou o emprego, nada garante que em 2017 este fenómeno se repita na mesma escala e que a ameaça do desemprego não ressurja.

E depois lá estará de novo o espetro do aumento das dívidas à banca e do aumento do malparado.

Conforme já referi em anterior artigo, a atual política de redução da poupança em simultâneo com o aumento do consumo só será possível, a prazo, com uma política laxista e suicida de concessão de crédito por parte da banca que aumente artificialmente a circulação financeira.

Por isso, considero que a última coisa que o atual governo da geringonça deseja, exatamente ao contrário do que se tem propalado, será aplicar o pré-acordo com o BCE para a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos que foi recentemente revelado pela imprensa e que visa, nomeadamente, uma grelha muito mais rigorosa para a concessão de créditos.

Mas esse será um assunto para ser tratado com maior profundidade em próximo artigo, para se criar em Portugal “Uma Democracia de Qualidade” conforme proposto no nosso Manifesto.


Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Não invistam em Portugal!

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O governo da geringonça está a dizer claramente aos portugueses para não investirem em Portugal! E também para não pouparem.


Não invistam em Portugal!

O atual governo da geringonça baseou a sua estratégia económica num aumento de crescimento assente numa política de estímulo ao consumo.

Concretamente, o manifesto eleitoral do PS prometia, assim, aos eleitores um crescimento de 2,4% ao ano.

Quão longe isso está dos últimos dados da Comissão Europeia, que apontam para um crescimento anémico da nossa economia, de apenas 0,9% em 2016!

Este fracasso estratégico deriva, na sua maior parte, de uma quebra brutal do investimento, tanto público como privado.

Se é certo que o investimento público foi sacrificado no “altar do controlo do défice”, forma que o governo decidiu usar para satisfazer Bruxelas a qualquer preço, já a quebra do investimento privado deriva da falta de confiança criada nos agentes económicos pelas políticas do atual governo.

Tudo começou logo com a reversão do estímulo à capitalização empresarial que a prevista redução do IRC representava e fora assinada pela anterior direção do PS.

E, depois, a perplexidade dos empresários aumentou ainda mais quando o governo decidiu criar pomposamente uma “comissão para promover a capitalização das empresas”.

Numa economia social de mercado, a capitalização das empresas é feita ou pela retenção dos lucros não distribuídos, ou pelo aumento do capital social das empresas feito pelos atuais ou futuros sócios.

Só que o governo parece não perceber isso e algumas declarações de responsáveis governamentais de topo, incluindo do próprio primeiro-ministro, levam-nos a supor que estão convencidos de que são os bancos que vão “capitalizar as empresas”.

É isto que transparece quando se afirma que a “recapitalização da Caixa Geral de Depósitos vai servir para esta poder apoiar as empresas”.

Ora os empréstimos bancários, porque é disso certamente que se trata, servem para apoiar os projetos de investimento das empresas, mas estes só serão aprovados pela banca se forem rentáveis e se as empresas dispuserem, elas mesmas, de capitais próprios para suportarem uma percentagem significativa dos investimentos a efetuar.

Por isso, o “imposto do confisco do património imobiliário”, mesmo aquele que está consagrado a atividades produtivas e à promoção do emprego, é uma medida do Orçamento do Estado para 2017 que é não só totalmente injusta como arbitrária e destruidora dos capitais próprios das empresas e, portanto, do investimento produtivo em Portugal.

Ainda se poderia perceber que, numa lógica de Robin dos Bosques de “roubar aos ricos para dar aos pobres”, promovida pela extrema-esquerda que apoia o governo, se decidisse fazer um “confisco ao património imobiliário de luxo que não estivesse a ser usado para fins produtivos”.

Mesmo que se condenasse a intenção, percebia-se a motivação política subjacente.

Agora, reduzir-se o imposto já anteriormente pago pelas casas de luxo superiores a um milhão de euros para passar a incluir património imobiliário todo ele afeto a atividades produtivas e geradoras de emprego logo a partir de 600 mil euros, e mesmo que composto por várias parcelas produtivas, mais parece um “apelo descarado a que não se invista em Portugal”.

Mas mais. Lendo-se o parágrafo 2 do artigo 135º-B da proposta do OE/2017, verifica-se que ficam excluídos deste imposto “os prédios urbanos classificados na espécie ‘industriais’ bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística (…)”.

Para além de ficar a dúvida de se saber o que é “industriais”, entre aspas no próprio texto oficial (sic), o mais grave é que o legislador protege umas atividades económicas em detrimento de outras, o que parece inconstitucional, e esquece qualquer proteção do património afeto a atividades produtivas face a outras de eventual usufruto meramente sumptuário.

Ou seja, o governo vai buscar, sem qualquer lógica económica e de forma atrabiliária, capital que os cidadãos e as empresas acumularam e que tiveram a iniciativa de investir e de pôr ao serviço da sociedade e da criação de empregos. Enquanto, se tivessem investido essas poupanças em barras de ouro guardadas em cofres ou em fundos de investimento aplicados no estrangeiro, não tinham tido qualquer penalização com este OE/2017.

E assim, com esta medida, o governo da geringonça está a dizer claramente aos portugueses para não investirem em Portugal!

E também para não pouparem, isto num país em que a poupança global líquida já é negativa. E dessa forma garantirem que, no futuro, o crescimento económico será cada vez mais fraco.

Foi exatamente para evitar que este tipo de arbitrariedades e confiscos fiscais totalmente contraproducentes continuem a destruir a parte mais saudável da economia portuguesa que assinei o “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”.

Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A geringonça e o "stick" de hóquei

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Numa democracia de qualidade, em que deputados não fossem meros delegados à ordem do chefe, o plano político e económico da ‘geringonça’ seria rejeitado no parlamento.


A geringonça e o stick de hóquei
Quando trabalhava na banca de investimentos, era frequente analisar planos de reestruturação de empresas. Tratava-se geralmente de entidades com desequilíbrios de balanço, investimentos financiados por capitais alheios, grande endividamento, dificuldades de tesouraria, resultados operacionais e prejuízos avultados.

No entanto, pressupostos criteriosamente selecionados por ilustres consultores, acompanhados de alguma racionalização interna, conduziam de imediato a um aumento das vendas, a uma diminuição de custos e à obtenção de resultados positivos crescentes, situação que obviamente recomendava o apoio do banco a um alongamento da dívida, ao fortalecimento do fundo de maneio, a um estimulante período de carência de capital e juros, ao financiamento dos investimentos em curso, garantia de cash flow no curto prazo.

Os resultados, de crescentemente negativos passavam a crescentemente positivos e, se traduzidos num gráfico, configurariam a imagem de um stick de hóquei. O que não deixaria de ser excelente, não fora os sofisticados pressupostos escolhidos escaparem, quase sempre por completo, à capacidade de controlo da empresa e dos gestores. Na primeira reunião com os responsáveis, a imagem do stick era normalmente suficiente para demonstrar que a evolução estimada era um mero passe de mágica que poderia começar por iludir o banco, mas a empresa seria certamente a vítima final.

Passados anos, muitos ainda me perguntam como vai o stick. O facto é que a aplicação da ideia, que não inventei, apenas repliquei, levou a verdadeiras reestruturações das propostas de reestruturação iniciais.

Lembrei-me destes episódios quando, faz pouco mais de um ano, o gestor do PS apresentou aos portugueses, com o suporte da “autoridade” dos ilustrados consultores que o elaboraram, um macro plano de reestruturação da economia e das finanças do país, de modo a conseguir o crescimento da produção, no caso do PIB, a diminuição dos prejuízos, no caso do défice, e o fim da austeridade. O que seria excelente, não fora o plano baseado em pressupostos que escapavam ao seu controle, mas que um afinado power point considerou jeitosos para consubstanciar um modelo inovador capaz de colocar, de uma penada, o país a crescer, a dívida a diminuir, o défice a definhar, a austeridade a acabar. Crescimentos das exportações a 5,9% e do investimento a 7,8% vinham mesmo a calhar.

Os trabalhos de construção da geringonça e do OE para 2016 levaram a que o plano fosse retocado, alterando pressupostos à medida para que se mantivessem os grandes objetivos iniciais. 

Claro que qualquer observador sensato e autoridades independentes, nacionais e internacionais, verificaram que os pressupostos se tornaram ainda menos controláveis e mais incapazes de produzir os resultados previstos.

O que se confirma no “crescimento” da produção, que andará abaixo de 1%, efeito de pressupostos irrealizáveis, com a receita fiscal a crescer o triplo do produto, aumentando a carga tributária e estagnando consumo e investimento, a despesa a aumentar, o investimento público a cair para compensar o aumento dos funcionários e o fim do IVA da restauração. As exportações de 2016 apresentaram o valor mais baixo desde 2009, enquanto a dívida atingiu o valor mais alto de sempre.

Numa democracia de qualidade, em que deputados não fossem meros delegados à ordem do chefe, o plano político e económico da geringonça, padecendo da síndroma do stick de hóquei, tal a ficção dos seus pressupostos, seria rejeitado no Parlamento. O stick configurado no programa seria mesmo o instrumento ideal para lançar a ficção para bem longe. Ao contrário, ofereceram-no como presente à geringonça, que teima em manter pressupostos e modelo.

E cá estamos todos a aguentar as stickadas, máximos na dívida, zero na economia.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Os empresários e a geringonça

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Passando a depender do apoio da extrema-esquerda, o novo governo deixou de ter como objetivo prioritário a competitividade das empresas.


Os empresários e a geringonça
Quando em maio de 2011 o então governo de José Sócrates solicitou o apoio da troika para evitar a bancarrota do nosso país, muitos eminentes economistas consideraram que era impossível a Portugal equilibrar as suas contas externas utilizando nas suas exportações uma moeda tão forte como é o euro. 
Todavia, foram os empresários e os seus colaboradores dos setores dos bens transacionáveis que se fizeram à luta e que com imaginação, dedicação e imenso trabalho foram capazes em 2012, 2013, 2014 e 2015 de aumentar as exportações, substituir as importações e em três anos consecutivos, e pela primeira vez em 70 anos, Portugal conseguiu ter um excedente nas suas contas exteriores. 
E, com esse esforço notável a percentagem das exportações no PIB subiu nesse período de 28 para 43%, o que proporcionou o recrutamento de mais colaboradores e com isso a estabilização e depois o aumento do emprego, que constitui a maior base da coesão social. 
Foram pois os empresários os heróis da saída limpa da troika e quem de facto assegurou que Portugal não era a Grécia e que apesar do desastre das políticas públicas desde a entrada no euro, o nosso país tem capacidade para poder vir a ter uma economia competitiva no âmbito do euro. 
E, subitamente no Outono passado, eis que inesperadamente a geringonça chegou ao poder. 
Passando a depender do apoio da extrema esquerda, o novo governo deixou de ter como objetivo prioritário a competitividade das empresas, visto que considera que se pode promover o crescimento, o investimento e o emprego, sem defender as bases que permitem a capitalização autossustentada das empresas. 
Desde logo, a suspensão unilateral da descida do IRC, para todas as empresas incluindo PME`s, que havia sido acordada pelo próprio partido socialista, seguida da reposição imediata e abrupta dos quatro feriados que haviam sido suspensos, com claros sobrecustos em importantes indústrias exportadoras como são o têxtil e o calçado. 
Numa economia que precisa desesperadamente de capitalizar as suas empresas, a geringonça na prática nada faz para o promover, e também nada faz para atrair o investimento estrangeiro. 
A perplexidade de muitos empresários, nomeadamente das PME`s dos bens transacionáveis, roça hoje por vezes a incredulidade. 
Como é possível o governo acreditar que avançando com políticas que não só descapitalizam as empresas, como também aumentam a despesa pública, arriscando assim um segundo resgate, pode promover a confiança que gera o investimento e o emprego? 
Como é possível diminuir de forma sustentada o malparado da banca, sem que as empresas tenham sido antes incentivadas a aumentar os seus capitais próprios? 
Mas o desafio que está colocado hoje aos empresários ultrapassa em muito a transitoriedade do governo da geringonça. 
Os empresários, e especialmente os seus porta-vozes que são as Associações e Confederações empresariais, têm que demonstrar a uma parte significativa do eleitorado ainda descrente que só eles podem investir e criar emprego, tornando-se assim a única força capaz de fomentar, na prática, a coesão social e o sucesso económico de Portugal no euro. 
E têm de exigir em simultâneo ao atual governo que é do interesse nacional que as empresas tenham condições para investir e criar emprego, ao contrário da política de factos consumados contra a solidez financeira das empresas que se instalou no governo desde o Outono passado. 
Mobilizar capitais para os colocar nas empresas como capitais próprios é hoje em Portugal um risco muito elevado, pois isso exige uma confiança muito grande a médio e longo prazo, dado que os capitais próprios se destinam a ficar na empresa por muitos anos, por vezes ao longo de várias gerações. 
Mas essa confiança a médio e longo prazo torna-se virtualmente inexistente quando os partidos de extrema-esquerda, que apoiam o atual governo, têm programas que são claramente hostis à iniciativa privada. 
E não se pense que os apoios comunitários resolvem o problema da confiança e do reforço dos capitais próprios das empresas. Até porque, como é óbvio, os Programas Comunitários são destinados a apoiar projetos rentáveis, liderados por empresas com capitais próprios adequados, de forma a garantirem o emprego a médio e longo prazo. 
O desafio de investir através de empresas capitalizadas é pois hoje um desafio muito difícil, e também muito frustrante depois de todo o esforço já despendido nos últimos cinco anos. 
Mas é fundamental para o futuro da economia de Portugal! 
E isto apesar da geringonça que, por definição, é muito mais transitória que a generalidade das empresas.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

quinta-feira, 28 de abril de 2016

O póquer, a política e as empresas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, ontem saído no jornal i.
Criar as condições que estimulem o reforço dos capitais das empresas portuguesas deveria ser hoje uma prioridade, mesmo que isso implique acabar de vez com o póquer político atualmente em exibição.


O póquer, a política e as empresas
O póquer, como jogo, baseia-se em utilizar uma parte da realidade, aquela que um jogador conhece em exclusivo, para este tentar alterar a perceção do conjunto da realidade que os outros jogadores têm. 
Por isso baseia-se muito na capacidade de “convencer” os outros duma realidade global que, de facto, não existe. 
Os jogos políticos, no sentido trivial do termo, têm por vezes muito de póquer, e esta abordagem é passível de ter sucesso a curto prazo. 
Mas a abordagem predominante “de póquer” não é suscetível de ter sucesso a médio e longo prazo, porque dessa forma os povos não podem fazer as escolhas persistentes de investimento empresarial e de formação e qualificação pessoal, dado que não podem ter uma perspetiva fundamentada de estabilidade do quadro operacional em que irão atuar no futuro. 
E daí a diferença abismal que distingue um estadista de um “político de ocasião”. 
Por maioria de razão, um verdadeiro empresário tem de saber construir paciente e persistentemente novas realidades, baseadas em projetos de investimento, no recrutamento de colaboradores e em tecnologias que têm em vista criar produtos e serviços que satisfaçam os interesses da sociedade em que se inserem. 
Uma aposta num investimento empresarial é sempre um “risco e um desafio ao futuro” que se prolongará por muitos anos, às vezes mesmo por várias gerações. Por isso os empresários se baseiam no “risco calculado”, tanto quanto possível minimizado por ser fundamentado nas análises de mercado e nas tecnologias, a fim de se poder garantir a segurança de todos os envolvidos no investimento e, desde logo, os trabalhadores, empresários, bancos financiadores, clientes e fornecedores. 
Ora Portugal tem sido, desde outubro passado, ator involuntário de um formidável jogo de póquer, jogo esse que permitiu ao atual primeiro-ministro alcançar esse lugar depois de ter perdido as eleições mas que, ao mesmo tempo, se transformou num “bluff” que é um risco permanente sobre a consistência da mais importante aposta da sociedade portuguesa a médio e longo prazo: a permanência de Portugal na moeda única europeia, o euro. 
A prosperidade económica dos países da União Europeia e, por maioria de razão, dos países do euro, baseia-se na competitividade de que as empresas instaladas nos respetivos territórios têm de dispor para sobreviverem no mercado global. 
A moderna solidariedade europeia do pós-guerra, desde as suas origens no Tratado de Roma, baseia-se na construção de um enquadramento legal e político que permita a “todas as suas empresas competir com regras abertas e idênticas em todo o espaço europeu”. 
É daí que desejavelmente se cria a riqueza que permitirá manter o “pilar social da Europa”. 
Por isso, os Estados tudo devem fazer para que os seus cidadãos mantenham as suas poupanças nos seus países e para que essas poupanças sejam utilizadas para investir em empresas que criem emprego nesses mesmos países. 
Por maioria de razão, isso deve acontecer em Portugal, país acabado de sair de um resgate que tem ainda uma muito elevada dívida pública e privada, onde as empresas estão no geral muito descapitalizadas e em que o Estado absorve uma parcela desmesurada de riqueza criada. 
Tudo aquilo que, no póquer político que temos vindo a viver nos últimos seis meses, contribua para atrasar investimentos nas empresas portuguesas, ou para afugentar a captação de capital estrangeiro para o nosso país, só cria desemprego e põe em risco a coesão social e a permanência de Portugal no euro. Além disso, e por arrastamento, enfraquece ainda mais a estrutura financeira das empresas e, por consequência, a da nossa banca, pelo aumento do crédito malparado a que tal inevitavelmente vai conduzir. 
Por isso, criar as condições que estimulem o reforço dos capitais das empresas portuguesas deveria ser hoje uma prioridade, como já foi referido publicamente pelo atual ministro da Economia, Caldeira Cabral, o que todavia não teve ainda qualquer tradução prática, mas que a deve ter a curto prazo, mesmo que isso implique acabar de vez com o póquer político atualmente em exibição. 
Assim o exige a construção de uma democracia de qualidade em Portugal.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Investimento público - mais do mesmo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.
As diferentes clientelas do poder político utilizarão a sua influência para concretizar projetos de interesse pessoal e deixarão Portugal ainda mais pobre do que já está.
Investimento público - mais do mesmo
O programa de investimentos e apoios diversos desenhados pelo governo, que prevê gastar 10 500 milhões de euros em quatro a cinco anos, em grande parte com origem nos fundos comunitários, representa a continuidade do pensamento de governos anteriores, segundo o qual o investimento público promoverá o desenvolvimento económico e social do país. Ora isso, podendo ser verdade noutras circunstâncias, não acontecerá agora, seja porque não existe um programa coerente de desenvolvimento, mas uma lista de objetivos em grande parte questionáveis, seja porque não existe nenhuma estratégia que oriente esse investimento, seja porque, mais uma vez, as diferentes clientelas do poder político utilizarão a sua influência para concretizar projetos de interesse pessoal e deixarão Portugal ainda mais pobre do que já está. 
A ideia peregrina de fazer um debate público para influenciar os investimentos a fazer só pode piorar a situação, porque não havendo uma estratégia de crescimento económico, tal debate conduzirá fatalmente a uma enorme diversidade de projetos sem massa crítica para as mudanças necessárias na economia do país. Por exemplo, promover o mercado interno em vez das exportações, gastar mais dinheiro público, ou dos trabalhadores através da Segurança Social, com o objetivo de recuperação do parque imobiliário das cidades - objetivo infelizmente desprezado no passado -, ou a obsessão com as energias renováveis, nomeadamente eólica, são o resultado de algum primarismo estratégico ao serviço das diversas clientelas interessadas apenas em si próprias.
Mesmo os gastos previstos com objetivos meramente sociais, sendo desejáveis e compreensíveis em vista da pobreza existente, não são sustentáveis sem uma forte base de crescimento económico e de criação de empregos, isto é, sem uma nova estratégia e sem um novo modelo económico. De facto, este modelo baseado no investimento do Estado já foi usado no passado recente e falhou economicamente, além de ter promovido o desperdício e a corrupção. 
É por estas e por outras razões que, neste jornal, tem sido enfatizada a necessidade política de desenvolvimento de uma democracia de qualidade, verdadeiramente democrática, com instituições fortes e independentes, de forma a desenvolver em Portugal o pensamento estratégico, o estudo sério dos problemas nacionais e o fim da promiscuidade entre a política e os negócios, fator este suficiente, só por si, para conduzir ao fracasso este novo programa, que corre o risco de repetir os erros do passado e pelas mesmas razões. 
Por outro lado, o hábito de criar objetivos financeiros, para mais previamente divididos por setores, é um erro revelador da ausência de cultura profissional dos governos. De facto, a metodologia correta passa por, primeiro, definir a estratégia de desenvolvimento, depois elaborar os projetos que melhor e de forma mais competitiva possam servir essa estratégia e só depois tratar da melhor forma de financiar cada projeto, tendo em conta as suas prioridades relativas. O debate público tem certamente utilidade, mas principalmente na fase de consensualizar a estratégia e, no final, para criticar a hierarquização das prioridades. 
Este hábito nacional de definir envelopes financeiros para setores concretos, fazendo-o sem estratégia e sem uma visão global das metas de maior impacto no desenvolvimento do país, faz com que o primeiro objetivo a atingir pela burocracia nacional seja gastar o dinheiro de cada envelope, em que o primeiro beneficiário da distribuição do dinheiro é o próprio Estado, central e autarquias, além de incentivar o aparecimento de projetos tão desnecessários como pouco ou nada rentáveis. Para mais, sabendo-se que não existe a tradição de avaliar cada projeto realizado com o dinheiro dos contribuintes portugueses e europeus. 
Em resumo, a intenção do governo de consumir uma tão elevada quantia dos fundos europeus de forma leviana e pouco profissional, para mais quando não existe uma ideia clara e consensual sobre o nosso modelo de desenvolvimento, só pode dar mau resultado. O que terá consequência graves, nomeadamente porque se trata de uma última oportunidade para, no nosso tempo, mudar para melhor o destino coletivo dos portugueses.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.