Mostrar mensagens com a etiqueta Banco de Portugal. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Banco de Portugal. Mostrar todas as mensagens

sábado, 5 de abril de 2014

A entrevista que está a faltar


Como era de esperar, as ondas de choque BPN ecoaram na edição de hoje do EXPRESSO, uma semana depois da entrevista de Durão Barroso que, no mesmo EXPRESSO, tudo desencadeou outra vez.

O EXPRESSO publica opinião, hoje, para todos os gostos. É sobre isso que escrevem cronistas regulares: Ricardo Costa (o director), Miguel Sousa Tavares, Fernando Madrinha, Daniel Oliveira e Pedro Adão e Silva. Junta-se também João Galamba. Mas passa ainda ao lado do essencial, no plano jornalístico: aquilo que ficou por ser perguntado.

De facto, junta uma notícia sobre o caso da semana, assinada por Isabel Vicente e Pedro Santos Guerreiro, lembrando o que se sabia (e não sabia) em 2004 sobre o BPN. Notícia que é acompanhada por uma breve coluna de Filipe Santos Costa, de pontaria apontada: recorda que, no PSD, "durante os anos de liderança de Durão (1999-2004), o Conselho Nacional do PSD foi sempre presidido por Dias Loureiro, que teve cargos de destaque no BPN e na SLN a partir de 2001".

Mas ficou a faltar a entrevista óbvia: a Durão Barroso, para dizer o que gostaria de ter dito e mais o que, depois do que disse, todos gostariam de saber.

Recorde-se o excerto do EXPRESSO de há uma semana:
«DB: Foi pena não me ter perguntado mais nada sobre o BPN.
EXP: A entrevista não era sobre isso.
DB: Pois é, mas eu quando era primeiro-ministro chamei três vezes o Vítor Constâncio a São Bento para saber se aquilo que se dizia do BPN era verdade.»
Qual é, então, a entrevista que falta a Durão Barroso? Basicamente cinco perguntas (e o que mais suscitarem):
  • O que é que gostaria que lhe tivessem perguntado sobre o BPN e que não lhe perguntaram?
  • Em que datas chamou Vítor Constâncio a S. Bento para o esclarecer sobre o BPN?
  • O que lhe disse Constâncio de cada uma dessas vezes?
  • Questionou também o seu Presidente do Conselho Nacional, Dias Loureiro, sobre "se aquilo que se dizia do BPN era verdade"?
  • Se o fez, quantas vezes o fez e o que lhe disse Dias Loureiro? Se o não fez, por que questionou Constâncio e não Loureiro?
Esta a entrevista que ficou a faltar. Quem irá fazê-la? E a tempo ainda de aproveitar ao apuramento de responsabilidades?


quarta-feira, 2 de abril de 2014

BPN: o escândalo apitou três vezes

O toque para o momento culminante do clássico de Gary Cooper e Grace Kelly,
"O Combóio apitou três vezes" (High Noon, 1952)

Estava-se a ver, como aqui escrevi. Hoje, também o PÚBLICO, em editorial - "História do BPN ainda não está contada" -, vem partilhar a análise que o "Diário de Notícias" logo lançara em editorial de segunda-feira passada: "O que está por saber e esclarecer é muito."

Já surgiram também os primeiros comentários de distanciação e travagem. É o caso, em ambos os casos no EXPRESSO online, de Henrique Monteiro - "A politização do BPN" - e de Nicolau Santos - "Abriu outra vez a caça ao Constâncio".

Parte do que comentam Henrique Monteiro e Nicolau Santos é verdade. Porém, por um lado, a "politização" é inevitável, quer pelas gravíssimas consequências do caso, quer pelo estatuto político da generalidade dos seus actores, intervenientes e responsáveis directos ou indirectos. E, por outro lado, Vítor Constâncio, não sendo o único responsável, não pode eximir-se à responsabilidade que lhe cabia e ao Banco de Portugal, de que era o governador. Azar? É possível. No sítio errado à hora errada? É também possível. Mas a responsabilidade é isso mesmo. Como diziam os latinos, "ubi commoda, ibi incommoda".

Há um ponto que o EXPRESSO e os seus jornalistas têm que ter sempre presente, neste reacender do caso: não podem acusar quaisquer terceiros. Quem reabriu o caso foi Durão Barroso. Onde? Exactamente no EXPRESSO. Foi exactamente assim, no sábado passado:
DB: Foi pena não me ter perguntado mais nada sobre o BPN.
EXP: A entrevista não era sobre isso.
DB: Pois é, mas eu quando era primeiro-ministro chamei três vezes o Vítor Constâncio a São Bento para saber se aquilo que se dizia do BPN era verdade.
Parece até que Durão Barroso (outra revelação do EXPRESSO, logo a seguir) anotará, todos os dias, às 6:30 da manhã, tudo o que consigo se passara na véspera. Então, que notas guardou Durão Barroso desses dias e dessas conversas?

Agora, o que se espera do EXPRESSO, no plano jornalístico, é que, já na edição de sábado próximo, complete e publique essa parte da entrevista de Durão Barroso que ficou a faltar: sobre o caso BPN, o que é que tinha para dizer e não lhe foi perguntado? Agora, vai ser preciso saber. Além de matéria de evidente e forte interesse público, será um grande furo jornalístico. Recordo o que aqui escrevi: "o que é que Barroso sabe? O que é que Barroso gostava de ter dito ao EXPRESSO, que não disse e o EXPRESSO nem perguntou?"

O suspense sobe. Altura para recordar o grande clássico de Gary Cooper e Grace Kelly, "O Comboio apitou três vezes" (High Noon, 1952).

Será agora o duelo final? Será agora que, como na boa moral dos western, "morrem os maus e ficam os bons". Era preciso.


Atoleiro BPN (parte III) - episódio 3


Está a cumprir-se a previsão que aqui fiz: o caso BPN voltou a rolar, a partir da entrevista de Durão Barroso, no sábado passado, ao EXPRESSO.

Depois do take 2, a manhã abriu, hoje, com o 3º episódio da longa saga, que, indo já (pelo menos...) no terceiro filme da série, ainda não deu para tudo sabermos, nem para os responsáveis serem todos chamados e punidos e os prejuízos começarem seriamente a recuperar-se. 

No episódio de hoje, o PÚBLICO dá à estampa a defesa de Vítor Constâncio feita por cinco antigos governadores, vice-governadores ou administradores do Banco de Portugal: Miguel Beleza, Teodora Cardoso, José da Silva Lopes, Artur Santos Silva e Emílio Rui Vilar. O que dizem eles? Fundamentalmente isto:  «a supervisão bancária não é um sistema de investigação de crimes financeiros» e «é irrealista a imagem criada de um supervisor que pudesse acompanhar em tempo real os milhões de operações que ocorrem a cada instante no sistema financeiro». Mas, subtilmente, passam também a bola para a Procuradoria-Geral da República: «Embora o Banco Central seja independente do Ministério Público, é evidente que, ao ser confrontado com indícios ou denúncias de fraudes, tem a obrigação de investigar, de reunir provas e de denunciar tais factos à Procuradoria-Geral da República. Tem ainda a obrigação de abrir processos de contra-ordenação contra todos aqueles que possam ter estado envolvidos em tais práticas. Ora, foi justamente isso que foi feito.» (O texto de defesa não tem apenas a ver com o caso BPN, mas também com o escândalo público muito badalado recentemente por causa de prescrições em sonoros processos por infracções no sistema bancário.)

Seguiu, assim, a troca de bolas, que não parará certamente por aqui. Além desta defesa não isentar Vítor Constâncio - ele próprio - de voltar a responder e esclarecer, entraram já novos actores em cena, Durão Barroso não poderá deixar de precisar o que gostaria de ter dito e contado e a Procuradoria-Geral da República será igualmente indispensável no cortejo. 

A coisa, aliás, logo ecoou pela comunicação online: além do próprio PÚBLICO, no EXPRESSO, no ionline, na RR, na TSF... E não vai parar por aqui. O importante é que se chegasse a algum lado de jeito - e que, além de mero ruído, se fizesse luz e responsabilidade, justiça e reparação.

Atoleiro BPN (parte III) - episódio 2


Como aqui previ, depois da entrevista de Durão Barroso ao EXPRESSO de sábado passado, o filme do BPN volta a desenrolar-se. Ontem, assistimos às cenas do segundo episódio:
  • Vítor Constâncio veio declarar que não se lembra de ter sido convocado por Barroso, quando primeiro-ministro, para falarem sobre o BPN, além de garantir nunca ter recebido, na altura, informações sobre irregularidades concretas;
  • e Nuno Melo, que sabe do assunto, garante que as inspecções do Banco de Portugal de 2003, 2005 e 2007 já revelavam ilegalidades gravíssimas e que, assim, Constâncio deveria ter dado conta ao primeiro-ministro Durão Barroso pelo menos da inspecção concluída em 2003.
Assistimos à primeira troca de bolas. E o sempre atento Câmara Corporativa já se perfilou no seu campo.

Seguirão as cenas dos próximos capítulos.

Vai ser preciso saber tudo. E responsabilizar efectivamente os responsáveis.

segunda-feira, 31 de março de 2014

BPN - o atoleiro do regime


Em entrevista, no sábado passado ao EXPRESSO, o ainda Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, deixou cair que, quando era Primeiro-Ministro de Portugal (ou seja, entre 2002 e 2004), chamou três vezes o então Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, para lhe perguntar se aquilo que se dizia do BPN era verdade.

Durão Barroso disse isto espontaneamente, com aparente displicência, já fora do espaço da entrevista, sem o jornalista - o próprio director do EXPRESSO, Ricardo Costa - lhe ter perguntado o que quer que fosse. E tinha começado por lançar, em tom de lamento: «Foi pena não me ter perguntado mais nada sobre o BPN.» Com isto, pode ter ateado um fogo, porventura um incêndio.

Excerto da entrevista ao EXPRESSO
clique para ampliar

O comentário, dito assim, a correr, como coisa sem importância, é de feição a incendiar de novo a actualidade. As questões abertas - e reabertas - com essa simples frase são muitas. Não só sobre o Banco de Portugal e Vítor Constâncio; mas também sobre o próprio autor das revelações: afinal, o que é que Barroso sabe? O que é que Barroso gostava de ter dito ao EXPRESSO, que não disse e o EXPRESSO nem perguntou? 

Nessa direcção, quem acendeu o primeiro fósforo foi o PSD, através do deputado Duarte Marques, que logo lançou um conjunto de questões dirigidas ao Banco de Portugal. Fez bem, do ponto de vista do esclarecimento público. Mas o caso tem o recorte propício a não ficar por aqui. E quem o confirma é o certeiro Editorial de hoje do "Diário de Notícias", que - também bem - aponta o foco e as baterias para mais fundo e porventura mais longe: «O que está por saber e esclarecer é muito. O que no caso do BPN é demasiado. Que dúvidas tinha o então primeiro-ministro que o levaram a chamar por três vezes Vítor Constâncio? Foram esclarecidas? Porque não decidiu informar a comissão de inquérito dessas suas diligências e só agora revela esses encontros? E Vítor Constâncio, porque não referiu aos deputados que foi chamado a prestar esclarecimentos ao Governo de então sobre o caso BPN? E efetuou diligências na sequência desses alertas do primeiro-ministro, Durão Barroso?»

As inquietações que, reabrindo todo o caso, Durão Barroso veio revelar sponte sua confirmam a seriedade de notícias que, a seu tempo, nunca foram devidamente valoradas. E perguntar-se-á outra vez: por que é que não foram devidamente valoradas? A indiferença foi negligência? Ou foi dolosa? E que consequências daí resultaram? Refiro-me às célebres informações publicadas, ainda em 2001, por Camilo Lourenço na revista EXAME e que tanta tinta fizeram correr. E refiro-me também às denúncias expostas pelo "Jornal de Negócios" em 2003, como o então director, Pedro Santos Guerreiro, recordou em artigo editorial de 2011: "O fabuloso ano de 2002 do BPN".

O caso pode tornar-se um novo embaraço para o PS, o partido de Constâncio. Mas igualmente para o PSD, o partido de Durão Barroso - e também de Dias Loureiro e Oliveira e Costa. Talvez ainda, indirectamente, para o CDS, que estava no Governo de que Barroso era Primeiro-Ministro. A pergunta será: o CDS sabia dessas inquietações e diligências do Primeiro-Ministro Durão Barroso? Ou, se o CDS nada tivesse sabido, ricochete de novo para Barroso.

O caso BPN, que é absolutamente o escândalo inominável propriamente dito, tem todos os ingredientes para isto. Primeiro, o volume esmagador dos prejuízos que da burla do BPN passaram para os contribuintes, num caso que é a nossa mini-Islândia - o DN fala, hoje, em 7 mil milhões de euros, o equivalente a «um décimo do empréstimo da troika. Segundo, os nomes envolvidos, de que muitos continuam isentos de qualquer responsabilização. Terceiro, a dimensão dos sacrifícios que o cidadão comum tem suportado com a crise, em contraste com a aparente descontracção de responsáveis pelo BPN ou dos que deveriam ter agido e não agiram. Quarto, a hipersensibilidade que este facto acumulou na opinião pública - como vários episódios recentes confirmam. Quinto, o sentimento difuso, mas profundo, de injustiça que tem crescido na opinião pública, pelo facto de os processos se arrastarem na Justiça e alguns dirigentes (ou beneficiários) não terem sido sequer acusados ou chamados a responder. Sexto, as dúvidas que nunca foram respondidas e a sensação de que há "coisas escondidas". Sétimo, o novelo de sensações latentes de "compadrios", "cumplicidades", "coisas abafadas", "impunidade", "filhos e enteados", "feitos uns com os outros". Em síntese: BPN é uma sigla que queima. E, como atoleiro do regime, vai-se prolongando como carambola infernal.

O caso excita a curiosidade. Legitimamente. E o ambiente de campanha eleitoral para as europeias só pode fornecer mais combustível ao fogareiro: além do caldo geral de campanha e escândalo, Constâncio e Barroso são indirectamente dois alvos europeus apetitosos. Já houve duas comissões de inquérito parlamentares. Não me surpreenderia que se começasse a falar de uma terceira - ou, ao menos, que um novo corrupio de figuras passasse (de novo) por uma cascata de audições no Parlamento. 

Do caso BPN, era bom que, de uma vez por todas, não ficasse pedra sobre pedra. Tudo fosse sabido, julgado, responsabilizado e, na medida do possível, recuperado e reparado.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O caso BPN: verdade e consequência.



Foram 90 minutos bem empregues, hoje de manhã, no auditório do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, para assistir ao “Debate sobre o escândalo por detrás do BPN”, na sequência da Grande Investigação que o jornal tem vindo a publicar nos últimos dias a respeito da maior fraude a que alguma vez se assistiu em Portugal. Gostei particularmente das intervenções de Nuno Melo e de Manuel Meira Fernandes, um dos elementos da administração Miguel Cadilhe. Mais um grande serviço do DN ao país e à opinião pública.

Depois de três anos sem nada verdadeiramente acontecer, a opinião pública inquieta-se e acumula potencial de indignação. A expectativa sobre a nova comissão parlamentar de inquérito em início de actividade é, por isso, elevadíssima – todos temos de ter consciência disso. 

A primeiríssima responsabilidade da comissão de inquérito sobre o caso BPN é fazer a narrativa exacta da burla, da fraude, do assalto que nos feito: uma narrativa cristalina, exaustiva, completa, bem compreensível, solidamente documentada e com os nomes por extenso. Nada pode ficar por conhecer: desde a montagem e a operação dos vários ilícitos e abusos cometidos ao longo de anos até ao percurso da nacionalização e da pós-nacionalização até hoje. E terá que exercer a responsabilização política que couber.

A Assembleia da República tem que servir ao país, tim-tim-por-tim-tim, toda a história do BPN do primeiro ao último dia, de A a Z, de fio a pavio. Queremos saber.

Mas as responsabilidades de acção são gerais e de vários órgãos do Estado – não é só a Assembleia da República. 

É indispensável que todos os órgãos do Estado com responsabilidades actuais ou passadas na matéria exerçam a parte do poder que lhes cabe sobre todos aqueles que roubaram, prevaricaram ou falharam. O Governo, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público em geral, a Polícia Judiciária, os Tribunais (isto é, os diferentes juízes), a CMVM, o Banco de Portugal – todos têm que actuar efectivamente na parte que lhes compete. Não chega comentar, é imperativo agir.

A opinião pública não compreende, nem compreenderá, que se volte, uma vez mais, a respeito do BPN, ao crónico jogo-de-empurra nas responsabilidades a apurar: “não, isto é com os tribunais”; “não, isto é com os políticos”; “não, isto é com o supervisor”. É com todos!!

Têm que ser apuradas, rigorosamente estabelecidas e pontualmente liquidadas todas as responsabilidades, aos diferentes níveis e nos diferentes quadros de avaliação: a responsabilidade política, a responsabilidade criminal, a responsabilidade civil, a responsabilidade contratual, a responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade disciplinar. O país exige: verdade e consequência.

Temos ainda que ter bem presente que este é também, à vista de todos, um caso-teste à capacidade do Estado. 

O Estado tem obrigação de mobilizar todos os vários instrumentos de que dispõe para descobrir onde está o dinheiro que foi desviado: follow the money tem que ser uma palavra de ordem imperativa da polícia, da política e dos organismos financeiros. 

A opinião pública não entenderá a rendição, a negligência ou a mera impotência dos organismos estatais e da cooperação internacional diante dos alçapões, dos biombos, dos truques, das engenharias financeiras e contabilísticas, do labirinto de circulação dos activos desviados. Se os Estados não conseguem recuperar estes roubos gigantescos é preciso equipar os Estados com a ferramenta indispensável. Já. E a tempo. O país exige: verdade, sanções e recuperação do produto do roubo.

Além da gravidade ímpar do que se passou no BPN, todos temos de ter consciência do momento gravíssimo que o país atravessa. Se a tolerância para a impunidade seria sempre baixa em qualquer circunstância, então no clima em que vivemos e vamos viver mais uns anos ninguém aturará que, quanto a vários responsáveis desta burla gigantesca por acção ou por omissão, nada se passe e que consigam escapar entre os pingos da chuva. O business as usual não poderá ser o rescaldo final deste caso de escândalo e vergonha. 

O DN pôs em evidência, com a investigação divulgada nos últimos dias e o debate de hoje, como é deplorável o tempo perdido nos últimos três anos. Será absolutramente intolerável – e potencialmente explosivo, no plano social e político – que, daqui por diante, o mesmo ambiente amolecido e de passa-culpas prossiga. 

O país exige verdade e acção, com nomes postos, sanções aplicadas e activos recuperados. Para o Estado não se mostrar incapaz e o regime incompetente ou cúmplice.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Ou há moralidade...



Infelizmente, a polémica em torno das recentes declarações do Presidente da República sobre a insuficiência das suas pensões para as suas despesas não dá mostras de ir apagar-se. Numa semana em que o acordo de concertação social foi importante factor para levantar o moral num contexto de crise muito exigente, esta querela pública só serve para desmoralizar. Não vou chover no molhado. Sobre as declarações em si, já tudo foi dito. O pior pode ser o resto.

A curiosidade pública sobre a matéria não pode separar-se do que se passa - e passará - com os subsídios de férias e de Natal dos funcionários e reformados do Banco de Portugal. É conhecida a querela latente a esse respeito, uma vez que o BP procura esquivar-se ao paradigma geral definido pelo OE 2012 para este ano e o próximo. Os principais partidos, incluindo a maioria PSD/CDS, pressionam o BP no sentido da igualdade de tratamento. Soube-se, entretanto, que um dos subsídios já foi pago aos funcionários do BP. E, ainda ontem, Teodora Cardoso, administradora do BP e próxima presidente do novo Conselho das Finanças Públicas, insistia em defender um regime diferenciado. 

Enquanto a igualdade de tratamento não for estabelecida, a pressão não baixará sobre o Banco de Portugal - e reflexamente sobre o PR, um reformado do BP.

Há dias, o PÚBLICO noticiou que «a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e o Instituto de Seguros de Portugal (ISP), dois supervisores financeiros nacionais, vão cortar os subsídios de férias e de Natal aos trabalhadores, cumprindo a imposição do Governo.» E acrescentava: «A CMVM não quis fazer comentários sobre o tema, mas o PÚBLICO apurou que o supervisor vai proceder à eliminação dos subsídios em 2012 e 2013. Isto apesar de estar sujeita à legislação internacional e de gerar receitas próprias, sem direito a financiamento do erário público.» Por outro lado, «O ISP respondeu que "irá dar cumprimento ao quadro legal em vigor", cortando o 13.º e 14.º mês.»

Este facto aumenta ainda mais a forte exposição do Banco de Portugal perante a opinião pública, quanto à excepção que quer proteger para os seus, mesmo recordando, como a notícia do PÚBLICO, que «num comunicado emitido na semana passada, o Banco de Portugal garante que irá proceder a cortes "equivalentes" nos rendimentos e regalias dos seus funcionários.» [Pode ler aqui o comunicado do BP.]

Não foi esquecida a forma crítica como, logo em 19 de Outubro, na apresentação do pacote de austeridade para 2012/13, o Presidente da República logo reagiu publicamente contra o corte dos subsídios de férias e de Natal anunciado pelo Governo - o que, posteriormente, silenciou, apesar de várias vezes desafiado a não promulgar o Orçamento de Estado 2012. E é talvez essa memória, nunca apagada, da discordância desabafada por Cavaco Silva, que leva Passos Coelho a recordar enfaticamente: «Todas as pessoas, independentemente da posição que ocupam, fazem sacrifícios importantes, sejam aqueles que têm reformas maiores sejam os que têm mais pequenas. Os sacrifícios têm de ser repartidos por todos. Não há ninguém que fique de fora.» Fosse qual fosse o espírito do primeiro-ministro, a verdade é que essa a razão para a interpretação e o destaque que estas declarações mereceram da generalidade da imprensa, como se vê no DN, no PÚBLICO e no JN.
O que quero dizer?

Isto: além do falatório desagradável sobre as pensões do Presidente, há o risco de a questão dos subsídios do Banco de Portugal para os seus funcionários e reformados servir para cavar erosão entre o Presidente e o Governo/maioria, num sem-fim de dichotes, perguntas, respostas, interpretações e intriga.