Mostrar mensagens com a etiqueta pobreza. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta pobreza. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Acabar com os ricos... ou com os pobres

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

A pretensa opção entre acabar com os ricos ou acabar com os pobres nunca terá tido entre nós um grau de pertinência comparável ao que se regista no momento atual.


Acabar com os ricos... ou com os pobres
Numa suposta conversa havida entre Otelo Saraiva de Carvalho e Olof Palme, no pós-25 de Abril, o primeiro teria dito ao segundo que o que se pretendia nessa época em Portugal seria acabar com os ricos, ao que Olof Palme terá retorquido, com alguma piada, que na Suécia se pretendia precisamente o contrário: acabar com os pobres! A pretensa opção entre acabar com os ricos ou acabar com os pobres nunca terá tido entre nós um grau de pertinência comparável ao que se regista no momento atual.

No momento atual, a narrativa de austeridade que caracterizou a governação em anos transatos foi mais recentemente substituída por uma outra, de otimismo algo exagerado, que esquece as múltiplas reformas que urge implementar para atingir o nível de crescimento/desenvolvimento que os portugueses ambicionam. Não se pretende com isto dizer que não tenhamos vindo a assistir a desenvolvimentos positivos nos últimos trimestres, portadores de alguma esperança para os tempos que se avizinham. Em particular, a redução do défice orçamental das administrações públicas no ano findo, suscetível de conduzir à saída do país do procedimento por défice excessivo, bem como um crescimento do PIB para além das expectativas, com redução da taxa de desemprego, são aspetos positivos que importa assinalar e valorizar. Mas importa igualmente reconhecer que continuamos a gerir o curto prazo na base da conjuntura económica... descurando largamente o longo prazo. Com efeito, não só a austeridade permanece, embora em menor grau e sob formas diversas, como as reformas de que o país reconhecidamente carece para conseguir a credibilidade necessária a um desenvolvimento sustentável continuam por fazer. É isto que urge reconhecer!

Acresce que um tal otimismo não se afigura legítimo num contexto em que raramente as condições externas foram tão favoráveis à concretização das reformas indispensáveis e quando o desempenho de outros países do nosso espaço geográfico (nomeadamente a Espanha e a Irlanda) suplantam largamente o que estamos a conseguir; e isto aplica-se tanto em termos de crescimento e taxas de juro no financiamento externo como na confiança decorrente das expetativas resultantes das políticas prosseguidas.

Entre os problemas já identificados que urge resolver, realçamos o da representatividade do poder político como fonte de legitimidade democrática. É patente o afastamento dos cidadãos dos partidos e o seu crescente desencanto com a governação e a política. Assim sendo, a reforma do sistema eleitoral surge como indispensável, por forma a permitir uma intervenção mais direta e pessoal dos eleitores na escolha dos seus representantes. Como é sabido, o sistema eleitoral encontra-se capturado pelas lideranças partidárias, não permitindo que pessoas independentes se possam candidatar em representação dos muitos descontentes com o atual sistema.

Para além desta reforma básica, importa não continuar a adiar as reformas urgentes e em larga medida já consensualizadas como imprescindíveis ao país. Entre outras, são de referir: a da justiça, a da orgânica, competências e funcionamento das instituições reguladoras e da administração pública em geral, a da melhoria da governance das empresas públicas e as respeitantes aos domínios da formação profissional/educação, bem como da saúde e da segurança social.

No fundo e em particular, há que não perder de vista que a finalidade última das reformas a empreender consiste em promover o crescimento sustentável da economia, com base no investimento produtivo, na inovação e progresso tecnológico, por forma a assegurar a competitividade e a exportabilidade do output gerado como vias de assegurar o aumento do nível de vida e bem-estar da população. Igualmente presente deve estar a preocupação com a redução das desigualdades por via de uma repartição mais equitativa do rendimento. Tal implica a existência e o fortalecimento de uma “classe média” com capacidade e motivação para poupar e contribuir para o processo de crescimento e desenvolvimento do país.

Em conclusão, são necessárias políticas para acabar com os pobres... mas não com os ricos! Numa sociedade democrática são precisos “ricos” com capacidade para gerar poupança e assim poderem contribuir para a grandeza e enriquecimento do país. O problema é, pois, eminentemente político e de políticas. Frequentemente, culpam-se os economistas pelos insucessos do desempenho económico que se registam e ilustram-se estes com os falhanços das suas previsões. Esquecem-se, assim, os pressupostos em que estas foram feitas e a ausência de implementação das medidas que deviam servir-lhes de suporte.

Na prática, a responsabilidade pelos insucessos registados não cabe fundamentalmente aos economistas, mas aos políticos e às políticas que prosseguem, as quais frequentemente não são compatíveis com a credibilidade que gera confiança. Talvez isto explique também a interrogação que vem sendo feita do porquê da persistência na classificação de “lixo” como rating da nossa dívida, apesar das melhorias que se têm registado em vários indicadores da economia nacional. A resposta está em que, sem uma forte determinação e empenhamento na prossecução das reformas consideradas urgentes, os potenciais investidores na economia portuguesa permanecerão céticos quanto à solidez do nosso desenvolvimento futuro e continuarão a canalizar para outras paragens mais promissoras os seus recursos e energias!
A ignorância e o alheamento das decisões que a todos interessam e da forma como são tomadas são atitudes perniciosas que a todos afetam e não permitem o desbloquear da situação com que há muito nos debatemos. É vital tornar Portugal não só o país de sol, acolhedor e com boa comida onde é agradável viver, como igualmente o país onde o funcionamento dos órgãos do Estado e demais instituições relevantes propicia um clima estimulante para o progresso económico e social, suscetível de conduzir aos níveis de solidariedade e desenvolvimento porque todos nós há muito ansiamos. Mãos à obra!
José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

A sociedade civil tem de ser chamada a atuar

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído ontem no jornal i.
Vive-se hoje no país uma ameaça profunda à existência de uma situação económica equilibrada que possibilite a implementação de estratégias de crescimento.
 
Erros estratégicos geram falta de crescimento
e falta de crescimento agrava sempre a pobreza
 
A sociedade civil tem de ser chamada a atuar
Escrevi há semanas sobre as constantes ameaças que estão a sofrer as nossas pensões de reforma. De lá para cá, essas ameaças têm vindo a aumentar de forma preocupante. 
Fala-se na decisão perigosíssima de alocar fundos que protegem as nossas pensões a investimentos imobiliários, pondo em risco o nosso sistema de segurança social numa decisão tomada por uma classe política completamente impreparada. 
Ouve-se falar da criação de um ‘’banco mau’’ para limpar balanços dos bancos para que, muito possivelmente, os contribuintes e, em particular, os pensionistas venham a pagar as incompetências e, em muitos casos, a corrupção que levou bancos a concederem créditos a quem não o deviam ter feito. 
E o que dizer sobre as notícias vindas a público sobre o impacto de imensas offshores, que motivaram até o nosso recém-empossado Presidente da República a mencionar que os últimos casos punham em causa os sistemas democráticos ocidentais? 
Subscrevi em agosto de 2014 o manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”, documento de grande qualidade e atualidade que se concentra em imprescindíveis reformas do sistema eleitoral, com o objetivo de aproximar eleitores de eleitos para a Assembleia da República e do sistema de financiamento dos partidos políticos. 
Voltando às ameaças sobre a nossa economia, gostava de me concentrar sobre uma que afeta muito negativamente os custos de produção, o nível de emprego, o nível de investimento, o nível de impostos, e que afeta mais uma vez o nível das nossas já tão baixas pensões de reforma: trata-se da ameaça das 35 horas de trabalho semanal. 
Como industrial que sou há mais de 30 anos, gostava de mencionar que um sistema de 35 horas de trabalho é, para uma indústria e para outras atividades, uma enorme fonte de desestabilização na formação dos turnos de laboração. Quer queira a classe política ou não, hoje em dia, a concorrência tende a ser feita entre fábricas com laboração contínua (7x24h) ou laboração contínua durante cinco dias da semana (5x24h) pelo menos nos estrangulamentos, que normalmente são os centros de carga associados aos maiores investimentos. 
Logo, o número de horas de trabalho semanal dividido por 5 é bom que seja um número que, multiplicado por um dígito inteiro, dê 24, o número de horas de trabalho que se pretende laborar por dia. Aqui reside a grande vantagem da semana de trabalho de 40 horas, porque com três turnos de 8 horas cada completa-se facilmente o dia de trabalho. 
Normalmente fazem-se começar os turnos às 0, às 8 e às 16 horas. Se, pelo contrário, trabalharmos 35 horas semanalmente, vemos que em cada um dos três turnos de 7 horas falta uma hora, ou seja, faltam 3 horas de trabalho diário – detalhe que é tudo menos despiciendo, atendendo aos impactos que tal acarreta nos custos de produção, devido ao pagamento de horas extraordinárias ou ao recrutamento de pessoal adicional para trabalhar um número limitado de horas, situação que não é interessante nem para o empregado nem para o empregador. 
Só defende um regime laboral de 35 horas semanais quem anseia por maior pobreza no país e, por isso, os países da Europa ocidental com balança comercial positiva sempre defenderam, no passado recente, a utilização de sistemas de laboração com 40 horas semanais. 
Relativamente à utilização da semana de trabalho de 35 horas no setor público estatal, parece-me tratar-se de uma reforma do Estado pela negativa, em que as contas podem ser muito bem cozinhadas para efeitos de apresentação ao povo, mas em que todos os contribuintes mais tarde ou mais cedo serão chamados a pagar os custos adicionais que tal acarreta. 
Vive-se hoje no país uma ameaça profunda à existência de uma situação económica equilibrada que possibilite a implementação de estratégias de crescimento e existe ainda um fosso cada vez maior entre os cidadãos e a classe política dirigente, pelo que a sociedade civil devia fazer ouvir as suas opiniões relativas aos problemas que mais a afetam. 
Perguntas, subscrições e quaisquer outros assuntos relacionados com o manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade” podem ser tratados através do e-mail
Fernando TEIXEIRA MENDES
Gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

 

domingo, 29 de janeiro de 2012

Sinais dos tempos



Há bocado, estacionando o carro no Campo Grande, abeirou-se de mim uma pessoa, a pedir. Acontece muitas vezes. Às vezes, ligo; outras vezes, nem por isso. Hoje, prendeu-me a atenção. 

Pedia-me ajuda, que tinha fome. Pedia-me uma moeda, para almoçar. Dei-lhe esmola. Reparei que estava relativamente composto. Tinha bom aspecto. Estava envergonhado. Falava baixo. A medo. Perguntei-lhe: «Está desempregado?...» Disse-me que sim, com as lágrimas nos olhos: «As pessoas olham para os cabelos brancos e acham que já não sabemos trabalhar.»

Perguntei-lhe se já tinha procurado ajuda nas instituições sociais. Que sim: «Fui à Junta de Freguesia e mandaram-me à Misericórdia. Fui à Misericórdia e mandaram-me à Segurança Social. Fui à Segurança Social e mandaram-me para a Junta de Freguesia...» Insisti ainda: «Então e o Rendimento Social de Inserção?» Disse-me que seriam 95 euros por mês... E fiquei até sem saber se os recebia, ou não.

Perguntei-lhe se era dali. Que não: «Não, senhor doutor. Vivo na Charneca da Caparica. Tenho que andar por aí, a ver se encontro quem me ajude.» 

Depois, perguntou-me ele: «Não é o Dr. Ribeiro e Castro?» Respondi-lhe que sim. Disse que me conhecia da televisão e mais umas coisas simpáticas. Achou-me muito mais magro e quis saber: «Não está doente, pois não?» Disse que não. Comentou: «Ah! Ainda bem.»

Perguntei-lhe qual era o seu ofício e que idade tinha. Respondeu-me: «Era cortador de carnes, mas o talho teve que dispensar pessoal.» E disse-me que tinha 58 anos. De novo com as lágrimas nos olhos, sussurrou: «Às vezes, sinto-me de tal maneira que me passam umas coisas pela cabeça...»

58 anos é também a minha idade. Dei-lhe uma palmada no braço. Desejei-lhe boa sorte. 

Tempos difíceis, estes. Muito difíceis.