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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A hora de Centeno



A escolha para liderar o Eurogrupo é sem dúvida um grande êxito para Mário Centeno e uma fonte de regozijo para o governo onde é o ministro das Finanças. É também uma honra para Portugal. E uma oportunidade.

Por mim, estou contente. Sem qualquer espécie de reserva. Contente, ponto final.

Limitei-me a comentar, logo que foi anunciada a eleição do novo Presidente do Eurogrupo: “Uma boa notícia, a consagração de um bom trabalho, a responsabilidade de fazer melhor.” Isso mesmo repetiria agora. E repito.

Ontem, na rádio, ouvi Francisco Louçã prevenir contra a explosão de “centenismo” a que iria assistir-se, assestando contra a direita os seus tiros e procurando contrastar a política de Centeno com as políticas defendidas por PSD e CDS.

A prevenção de Louçã contra os “centenistas” da 25ª hora é, sem dúvida, avisada. Mas a prevenção aplica-se a si próprio e a outros das suas bandas. Ao apontar o dedo em riste, Francisco Louçã, ao espelho, está a apontar o dedo ao seu próprio nariz.

Centeno ganhou, porque, com indiscutível mérito seu e da sua equipa (bem como do primeiro-ministro), se tornou o “Ronaldo do Ecofin” (o conselho de ministros da Economia e Finanças da UE), nas palavras do diabolizado Wolfgang Schäuble.

Centeno ganhou, porque teve o apoio declarado de boa parte do PPE europeu, mostrando bem que a direita europeia não se rege pelo sectarismo dos companheiros e parceiros de Louçã.

Não vou obviamente dizer que Centeno aplicou a mesma política que PSD/CDS executariam, o que seria injusto e disparatado. Mas a política que Centeno aplicou só foi possível, porque PSD/CDS enfrentaram com coragem os anos da brasa da intervenção directa da “troika” e abriram espaço e tempo a novas escolhas e possibilidades de alternativa.

Hoje, com PSD/CDS, não teríamos políticas macroeconómicas muito diferentes, mas teríamos progressos sociais provavelmente mais lentos. O talento de Centeno, como quem faz um “patch work” muito cuidadoso e paciente, tem estado em ter mantido (e porventura melhorado) a trajectória de Portugal nos indicadores fundamentais para os equilíbrios do país e a nossa credibilidade nos mercados, nos parceiros e nas instituições, ao mesmo tempo que acelerou a chamada “reposição de rendimentos”, acorrendo à urgência de bem-estar de muitas famílias. “Chapeau!”

Mas onde a diferença de Centeno é fundamental é mesmo com os seus parceiros de geringonça. Se Centeno tivesse seguido a linha de Varoufakis, o grande herói de Louçã, Marisa Matias e Catarina Martins, estaríamos todos liquidados. Estaria Centeno destruído e nós também, debaixo da pata de um segundo resgate ou equivalente. Mesmo se o actual governo tivesse seguido uma mais moderada linha Tsipras 2, que já pediu desculpa pelo Tsipras 1 e se demarcou de Varoufakis, Centeno não teria sido consagrado como Presidente do Eurogrupo, mas não passaria de mais um pedinte humilhado por si mesmo e, por estar falido, incapaz de quaisquer escolhas.

Os derrotados da eleição de Centeno são os adversários consagrados do euro. Os vencidos pela eleição de Centeno são aqueles que sempre têm advogado a saída de Portugal da zona euro. Quem são, quem são? PEV, BE e PCP. Nem mais.

E quem foi o primeiro oráculo da eleição de Centeno? Wolfgang Schäuble, ele mesmo. E esta, hein?...

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Agenda para a IV República

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
A agenda da IV República são três reformas capitais: reforma eleitoral, reforma territorial, reforma do Estado. Quanto a falar delas, não são ideias novas. Ideia nova é querer fazê-las. E é ideia nova articulá-las e resolver nós estruturais do país.


Agenda para a IV República
Depois do meu último artigo nesta série, perguntaram-me qual era “a agenda da IV República”, ideia final do texto. É fácil. Basta olhar às questões fundamentais de que todos falam e ninguém trata. Três pilares – ou três alavancas, conforme o olhar – que se vão adiando sistematicamente. Somos um país encalhado.

A agenda da IV República são três reformas capitais: reforma eleitoral, reforma territorial, reforma do Estado. Quanto a falar delas, não são ideias novas. Ideia nova é querer fazê-las. E é ideia nova articulá-las e resolver nós estruturais do país.

Reforma eleitoral é devolver a democracia à cidadania. O propósito é reconstruir a confiança dos cidadãos, restaurar a credibilidade do sistema político, dotar de responsabilidade o sistema e seus atores. Como se faz? Fácil: pôr a escolha dos deputados nas mãos dos eleitores, em vez de no arbítrio dos bastidores. As direções dos partidos continuarão a escolher, mas indicarão quem os eleitores deem sinal de preferir, e não apenas favoritos e serventuários.

Temos um exemplo magnífico na Alemanha, cujas eleições foram no domingo passado. Eis um sistema – o melhor sistema da Europa – que é rigorosamente de representação proporcional, mas em que metade dos deputados são eleitos individualmente em círculos uninominais. Esta representação proporcional personalizada tem peculiaridades que não cabe pormenorizar. Essencialmente, cada alemão tem um voto duplo, em que pode escolher o seu deputado e o seu partido. O parlamento é constituído de acordo com a proporção obtida na votação das listas partidárias – exatamente como cá. Mas metade dos deputados são eleitos diretamente pela escolha individual dos eleitores. Os candidatos nas listas são eleitos para completar a quota proporcional de lugares de cada partido além dos uninominais obtidos.

Este simples fator de escolha muda todo o espírito de indicação dos candidatos. E isso influencia também a formação das listas. A arbitrariedade e o capricho deixam de reinar. Há democracia, porque há cidadania também.

Ora, o facto de todos os deputados terem poder próprio – porque têm voz, rosto, prestígio, capital – reforça a colegialidade e devolve institucionalidade não só ao funcionamento político do Estado, mas aos partidos também. O sistema salva os partidos, porque lhes devolve razão de ser e funcionamento digno. Assim como, nas eleições, o cidadão volta a ser rei, nos partidos voltam as bases a ser senhor. A participação com decisão informada pode voltar a ser regra.

O avanço para este sistema é possível desde a revisão constitucional de 1997. Além disso, para maior garantia dos pequenos e médios partidos, defendo um círculo nacional com função de compensação. O sistema já realiza esse equilíbrio, mas o círculo nacional concluiria essa tarefa de justiça representativa. Este círculo é possível desde a revisão constitucional de 1989. Dizendo de outra forma: a III República anda encalhada há 20 e há 28 anos, respetivamente.

Reforma territorial é dotar o país da administração territorial que nos faz falta. Tradicionalmente tivemos sempre um patamar intermédio entre o local e o central: era o distrito; antes, a província; e antes, a comarca. Agora, não temos nada. Anunciaram as regiões, mas nunca saíram do papel – foram diretamente para o cesto dos papéis.

Não há políticas territorialmente ajustadas se não houver administração territorial. Este patamar intermédio, que destruímos, é simultaneamente o quadro para as unidades desconcentradas da administração central e o espaço descentralizado de instâncias autárquicas. O facto de o termos destruído, gerando um caos administrativo que contamina o próprio desenvolvimento das áreas metropolitanas, fragilizou boa parte do território do país. Em minha opinião – digo-o há muito –, o imbróglio em que a “regionalização” degenerou e a desordem criada são grandes responsáveis pela desertificação, o agravamento de desigualdades, a perda de oportunidades. E o fracasso continuado das políticas de forte componente territorial resulta deste vazio. O exemplo mais recente é de escândalo: a arrastada incapacidade face à praga dos incêndios.

O Estado está demasiado longe, o município não tem escala. Falta o patamar intermédio que esteja, ao mesmo tempo, suficientemente perto, suficientemente distante. Aqui, uma vez que a Constituição não foi cumprida nem revista, a III República está encalhada há 41 anos.

Enfim, a coqueluche: a mais badalada e a mais frustrada. Somos um país falido, vivendo à beira do abismo. Estamos pendurados de ratings, com endividamento muito elevado. Batalhamos com o défice, não pelos tratados, mas por nossa saúde. Reforma do Estado é, para simplificar, conceber um modelo de Estado mais barato ou, dizendo melhor, ajustado à capacidade da economia e aos recursos financeiros e respondendo às responsabilidades sociais e de soberania. Só isso assegurará o sucesso duradouro do país e a sustentabilidade das políticas públicas.

É a reflexão coletiva mais importante que temos de fazer, pondo tudo em cima da mesa: aparelhos de segurança e defesa, justiça e diplomacia, administração local e territorial, sistemas sociais, administração central e entes autónomos, dimensão do pessoal político, desde autarquias e empresas municipais até gabinetes e assessorias, quadro e sistema de receitas. Sem essa reforma estruturada, continuaremos a resmungar: ora pelos cortes, ora por cativações. A qualquer desgraça que ocorra, gemeremos “falta de dinheiro”: na catástrofe dos fogos, no assalto de Tancos, num telhado em ruína… E, num outro dia qualquer, seja por novo desvario, seja por o BCE mudar de política, cairemos de novo ou no precipício, ou no colo doutra troika.

Extraordinário é o parlamento ter aprovado, em 18 de janeiro de 2013, a resolução da Assembleia da República n.º 4-A/2013, que constituiu a comissão eventual para a reforma do Estado. A oposição recusou integrá-la e boicotou; e a maioria renunciou ativá-la quando, em 2014, a troika partiu. A questão crucial ficou trancada na gaveta, mais uma vez adiada.

Aqui, costumo medir o calendário pelo “discurso da tanga” em abril de 2002 – desde então, ninguém pode dizer que ignora o problema. A III República encalhou-nos há 15 anos, pelo menos.

Reforma eleitoral, reforma territorial, reforma do Estado – eis a agenda para a IV República. As três reformas são fundamentais e coerentes entre si: democracia de cidadania; país coeso para todos; Estado forte, sustentado e sustentável. Todas se interligam. Por exemplo, a reforma do Estado, que é a mais substantiva, dificilmente se fará sem representação parlamentar genuína, com real presença da cidadania, isto é, sem a reforma política da democracia de qualidade.

Queremos continuar encalhados?
José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Mitos e obstáculos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Mito é pensar-se que o Ministério das Finanças é o Ministério das Finanças do país, quando geralmente tem sido apenas o Ministério das Finanças das administrações públicas.


Mitos e obstáculos
O país tem vivido de mitos, de tal modo assimilados que já são tomados como realidade. Eles servem a classe político-burocrática instalada que os sustenta e dinamiza, pois lhe trazem retorno eleitoral assegurado.

Mito é pensar-se que o Ministério das Finanças é o Ministério das Finanças do país, quando geralmente tem sido apenas o Ministério das Finanças das administrações públicas, ou até só de algumas, ou unicamente do setor público estatal. Para melhor servir tal objetivo, o Ministério das Finanças tornou-se tentacular, comandando ou influenciando decisivamente cada vez mais áreas e organismos, acentuando a prevalência do Estado na esfera económica e tornando clara a subordinação da economia real à lógica das administrações públicas e do calendário eleitoral. Prova é a política fiscal, concebida ao exclusivo serviço do Estado e ao arrepio da economia, ou a política orçamental, ao serviço dos interesses das burocracias instaladas e dos partidos do poder. O Ministério das Finanças, salvo honrosas exceções ou mercê de imposição externa, tem-se constituído como o grande patrono dos interesses burocráticos e partidários, prodigalizando-lhes o dinheiro que retira à economia, ao investimento, à formação e reorganização empresariais, e, assim, à produtividade e inovação.

Segregar do Ministério das Finanças muitas das funções que detém seria o melhor símbolo de autonomia da economia real (e do Ministério da Economia…) face às finanças públicas.

Também o mito eólico leva as pessoas a acreditar, já sem questionar, que o vento tornaria, por si, a energia mais barata. O mito fez esquecer que se tratava, e trata, de uma indústria de capital intensivo e de tecnologias que nem sequer dominamos, que levou a investimentos desproporcionados em relação à dimensão portuguesa, exigindo outros complementares nas fontes tradicionais que compensem a intermitência do vento, gerando dessa forma custos de oportunidade injustificados. O mito fez aceitar uma política energética cara, altamente lesiva dos interesses dos cidadãos e das empresas, afectando a economia familiar e a competitividade empresarial.

Outros mitos estão presentes na sociedade portuguesa. O mito da liberdade de empreender e investir, que não existe, sujeita a condicionamentos de toda a ordem; o mito da ecologia radical, que mais não faz que destruir projetos económica e ambientalmente interessantes; o mito do Estado produtor, que destrói a ideia de um Estado eficiente, regulador e fiscalizador; o mito da tragédia das falências e da bondade do apoio do Estado a empresas em dificuldade, que impede o rejuvenescimento do tecido produtivo.

Tais mitos traduzem-se em obstáculos ao desenvolvimento porque geram uma cultura que vê no Estado a solução dos problemas e o agente do progresso, logo uma cultura de aversão ao risco, de anti-empreendedorismo e de desconfiança face à globalização, inibidora de vontades e de projetos. Como estimulam a mentalidade conservadora da administração pública e a resistência à mudança, traduzidas num acentuar do seu poder burocrático, gerador de corrupção, e inibindo uma concorrência sã, pilar da economia de mercado.

E se os antigos gregos cultos viam a mitologia como forma de educação que indicava o caminho a seguir, distinguindo claramente as diversas categorias de deuses e heróis, insólito é que os portugueses de hoje ainda aceitem acriticamente toda a mitologia que a existente nomenklatura política, perpetuada pelo sistema eleitoral, lhes vai diariamente incutindo.

Zeus ofereceu à sua filha Pandora uma caixa de cobre, mas ordenou-lhe que nunca a abrisse. Mesmo avisada de que nunca deveria ter aceitado presentes dos deuses (e eu diria, nós, do Estado…), não resistiu a abri-la. Dela saíram todos os males do mundo, sofrimento, pobreza, velhice, doença… Desesperada, Pandora tentou fechar a caixa, mas era tarde. E então espreitou lá para dentro. E viu que uma estrelinha ainda lá tinha ficado, muito escondida, mas bem reluzente. Era a esperança!...

Possa também o Projeto Por Uma Democracia de Qualidade alimentar essa esperança de um novo processo eleitoral que leve à erradicação da classe político-burocrática instalada que sustenta os mitos e vive deles, substituindo-a por outra, de cabeça limpa, disposta a remover os obstáculos ao nosso desenvolvimento.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

À procura de rumo – factos e insuficiências

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

São as instituições políticas e económicas que estão subjacentes ao sucesso (ou insucesso) económico.


À procura de rumo – factos e insuficiências

O final de um ano e o dealbar de um novo são sempre ocasiões para fazer o balanço do que passou e conjeturas sobre o que começa. É assim que, no que respeita ao que terminou, o facto mais saliente de reflexão se centra na geringonça: mérito e sobrevivência da mesma contra as expectativas dominantes, o que, numa perspetiva alternativa, corresponde à descrispação e acalmia na vida político-social. Isso é indiscutivelmente positivo. Mas afigurar-se-á sustentável e, sobretudo, chegará para vencermos a crise interna com que há muito nos confrontamos?

Sobre as possibilidades e probabilidade de sobrevivência da geringonça, não me irei aqui pronunciar; deixo isso para os politólogos e jornalistas. Considero, aliás, que é a dimensão político-económica que é decisiva e que, sem uma visão estratégica para a questão económica, não será possível sair do círculo vicioso em que nos encontramos. No entanto, convém desde já salientar que existem neste domínio duas visões potencialmente conflituantes: a dos que defendem a premência de procurarmos resolver prioritariamente os problemas estruturais internos (visão reformista) e os que põem o acento tónico na dimensão externa da crise, a qual consideram impeditiva da melhoria das condições de vida dos portugueses e limitativa do exercício da soberania nacional (visão europeísta da crise).

É óbvio que a crise com que nos confrontamos tem uma dimensão europeia (ou mesmo global), que constitui a sua envolvente externa. Mas pretender defender que esta é a causa única (ou decisiva) dos problemas com que nos debatemos há décadas, ignorando o papel determinante dos condicionalismos internos que bloqueiam o nosso desenvolvimento e crescimento, é um claro atentado à inteligência dos portugueses. Não faltam estudos, análises e reflexões sobre as falhas, deficiências e lacunas das nossas instituições político-administrativas e empresariais, causadoras de graves distorções na esfera socioeconómica e de comportamentos impeditivos de uma salutar concorrência e de uma competitividade criativa. E esta competição é decisiva no contexto da globalização, com vista a facilitar a mobilidade seja de bens e serviços, seja das pessoas e ideias. Sem ela não haverá lugar ao crescimento, ao progresso e ao desenvolvimento económico-social. Claro que isto não elimina a importância da repartição do rendimento no processo de progresso e melhoria das condições de vida, mas põe em evidência a indispensabilidade do crescimento económico enquanto fator determinante dos fins a atingir. Este é um ponto essencial a ter em conta na formulação da política em geral e das políticas públicas em particular.

Ora, como todos bem sabemos, não pode haver crescimento (sustentável) sem confiança dos agentes económicos no sistema político e suas instituições. E todos nós estamos certamente bem conscientes também das limitações quer de umas quer de outras, entre nós. Pondo para já de lado as questões relacionadas com as deficiências do sistema político, que estão, aliás, na origem do Manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade” - e na base dos artigos que semanalmente vêm sendo publicados neste jornal sobre esta temática -, são conhecidas as insuficiências e a má qualidade das instituições em Portugal. Não só de natureza estritamente pública, mas igualmente de supervisão, reguladoras, empresariais, cooperativas, etc., sem esquecer as de natureza judicial, todas elas atingindo níveis de ineficiência que deveriam ser motivo de repúdio e vergonha por parte dos responsáveis políticos, tal como, aliás, sucede já com uma grande parte (maioria?) dos cidadãos.

Dito isto, deveremos começar por não esquecer os ensinamentos contidos nessa obra fundamental, da autoria de D. Acemoglu e J. Robinson, “Porque Falham as Nações”. São as instituições políticas e económicas que estão subjacentes ao sucesso (ou insucesso) económico. São as sociedades que conseguem organizar-se por forma a criar incentivos e compensar a inovação, assim permitindo a todos participar nas oportunidades económicas que daí resultam, e simultaneamente garantir que o sucesso e o progresso daí emergentes se torna sustentável, através de uma governança responsável (accountable), capaz de dar resposta aos anseios da grande maioria dos cidadãos, que triunfam; caso contrário, o seu falhanço é inexorável. Quão longe estamos em Portugal de alcançar este desiderato? Queremos nós continuar a ignorá-lo?

Sem isto também não será possível formular políticas públicas apropriadas e portadoras de futuro, uma vez que há que pôr cobro às distorções resultantes de interesses mesquinhos e lóbis de compadrio, e apostar decisivamente em políticas que promovam o investimento eficiente e de qualidade que está subjacente ao progresso - nomeadamente em pessoas (capital humano) e locais de trabalho que garantam a qualidade de vida e a dignidade dos cidadãos.

Abandonemos, pois, as visões parciais que resumem tudo a slogans e fazem depender tudo de medidas pontuais, que já provaram a sua incapacidade para resolver os problemas das sociedades contemporâneas, sejam elas as que põem ênfase na contenção de défices nas contas públicas, na privatização, na eficácia dos mercados, na liberalização do mercado do trabalho, etc., sem ter em consideração uma visão integrada dos problemas que confira dimensão humana e de justiça à solução. Só por essa via conseguiremos enfrentar os populismos e pôr cobro à demagogia!

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Os Tarzans da inutilidade

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
Desde há década e meia, desde que aderimos ao Euro, que Portugal iniciou uma década perdida: crescimento económico muito débil, o mais baixo das últimas décadas.


Os Tarzans da inutilidade

Um trilema consiste em o Estado escolher duas das seguintes três coisas: haver liberdade de movimentos de capitais; ter uma taxa de câmbio fixa; dispor de uma política monetária independente orientada por objectivos de interesse nacional.

Quaisquer duas destas coisas são incompatíveis com a terceira: num espaço monetário com liberdade de movimento de capitais e com uma taxa de câmbio fixa em relação às moedas de reserva, não é possível orientar a política monetária por objectivos de interesse nacional, porque esses podem implicar a desvalorização da moeda.

Se o Estado quer orientar a sua política monetária por objectivos de interesse nacional, então tem de desistir de ter uma taxa de câmbio fixa, ou de estar num espaço de liberdade de movimento de capitais.

Uma taxa de câmbio fixa acompanhada de uma política monetária subordinada ao interesse nacional implica controlos à circulação de capitais.

Em 1992, Portugal escolheu, destas três opções, duas: manter a liberdade de movimentos e optar por uma taxa de câmbio fixa, abdicando a prazo da sua soberania monetária. Em 1999, com a entrada no Euro, passamos definitivamente essa soberania para a União Europeia e para o Banco Central Europeu.

Mais rigorosamente, quando aderimos em 1985 à Comunidade Europeia reconfigurada pelo Acto Único, já sabíamos que, a prazo, devíamos repensar a nossa política monetária e cambial. Se não sabíamos, devíamos saber…

A principal consequência disto é que deixamos de ter a possibilidade de adequar a nossa política monetária às circunstâncias da nossa perda de competitividade relativa, ou seja, de fazer «desvalorizações competitivas».

Uma economia emergente e aberta, com um crescimento económico baseado nas exportações de produtos intermédios e em baixos salários, só podia sustentar esse crescimento no último quartel do Século XX, fazendo um up-grade para investimento capital intensivo e na qualificação permanente da sua mão-de-obra, o que implicava uma enorme mobilidade laboral e capacidade de investimento através de IDE e endividamento.

Os atrasos desse up-grade, num mundo cada vez mais global que incluía cada vez mais economias emergentes, pagavam-se em desvalorização da nossa moeda e, portanto, em inflação e perda de poder de compra, mantendo um elevado número de empregados.

Ao optar pela adesão ao Euro, opção fundamental do Estado Português feita em Maastricht, Portugal optou por ter uma taxa de câmbio fixa com as moedas dos nossos principais parceiros comerciais e, portanto, para manter a sua competitividade e o seu crescimento económico, teria de aumentar muito a sua produtividade relativa.

Qualquer opção do trilema tem custos. Nós recusamo-nos a pagar os nossos, mas não há como evitar as consequências das nossas opções: na zona monetária do euro, com um Banco Central que se orienta essencialmente pela estabilidade dos preços e das taxas de câmbio, o sistema se não tem a válvula de escape da desvalorização competitiva repercute-se no nível de emprego e em crescimento económico anémico.

Desde há década e meia, desde que aderimos ao Euro, que Portugal iniciou uma década perdida: crescimento económico muito débil, o mais baixo das últimas décadas, associado ao crescimento de um estado social galopante que devora recursos e acaba por se reflectir num deficit estrutural das contas públicas.

Numa economia que não cresce, a única forma de o Estado financiar os custos crescentes do sistema social é a de admitir um nível de endividamento cada vez maior e simultaneamente consumir uma percentagem cada vez maior de recursos do País.

A questão fundamental é a de saber como é possível pôr um termo nisto. No quadro actual não é, e daí as profecias de morte lenta que nos vão fazendo.

É então possível conceber outro quadro de actuação em que não tenhamos a morte lenta no horizonte, cresçamos mais que a média da União e possamos assegurar o emprego dos nossos filhos?

Possível é, mas implica mudar muito daquilo que são os dogmas do País desde o 25 de Abril e até desde muito antes.

Os nossos representantes eleitos comprazem-se na Assembleia da República em bater com as mãos no peito e berrar muito alto a propósito de assuntos sem importância nenhuma, discutindo “fininhos” que de forma alguma corporizam o interesse do País.

Entre a geringonça e o PAF, divertem-se em jogos circenses que nada contribuem para as discussões que interessam. São uns verdadeiros Tarzans da inutilidade, como lhes chamou um bom amigo meu.

Por essa razão, a dívida pública vai crescendo e crescendo, e a rapaziada está assanhada a discutir, não o plano de capitalização da Caixa, mas as nomeações de administradores para a Caixa.

Alguém que explique aos apparatchiks partidários que o que está em causa é apanhar o comboio do futuro onde caibam os nossos pais, que vivem de uma pensão, os nossos filhos que querem um emprego, e nós, que trabalhamos e pagamos impostos e a sobrevivência digna de Portugal.

Ai desta classe política, que se não se corrige rapidamente e de forma drástica, se continuar enredada nos seus joguinhos bizantinos, vai descobrir um dia que foi submersa por uma onda de indignação popular, não para bem da democracia nem da qualidade da democracia, mas para mal de todos. Já faltou mais, e não era pior que “essa” gente se convencesse que ou muda de vida, ou a vida muda-os a eles.
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Lições da História: o teorema de Pitágoras e o sistema político português

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Passados 27 séculos, também por cá os guardiães da doutrina afirmam como obra perfeita a atual ordem política. Tão perfeita que se arrogam o direito, já não de condenar ao afogamento quem a conteste, mas de dificultar, impedir e boicotar qualquer revisão da mesma.


Lições da História: o teorema de Pitágoras e o sistema político português 
Se não alterarem princípios, práticas e lideranças, os atuais partidos políticos acabarão por desaparecer ou ver reduzida a sua influência.

Pitágoras, séculos VI e V a.C., foi uma personalidade de saber enciclopédico, da astronomia à música e à religião, da aritmética e geometria à filosofia. Condensando esses saberes, fundou um movimento filosófico e político baseado na ordem e na harmonia, as mesmas que via no universo, no movimento circular das estrelas, na sucessão do dia e da noite, no ciclo de semear e de colher, movimento que determinou governos de várias cidades da antiga Grécia.

A propensão matemática de Pitágoras levou-o a pensar que tal ordem só podia ser explicada se o universo fosse regido por números e relações matemáticas. Os números, reflexo e representação dessa mesma ordem, não podiam ser senão perfeitos e, sendo perfeitos, eram também racionais, no sentido de que cada um deles se traduzia numa fração ou razão entre dois outros. O contrário seria impossível, uma irracionalidade.

Aconteceu que tal construção teórica foi posta em causa a partir da própria obra de Pitágoras, quando um discípulo, partindo do seu célebre teorema, descobriu que certos valores dos catetos determinavam para a hipotenusa um número decimal infinito e não periódico, o que contrariava dramaticamente a teoria pitagórica da racionalidade dos números e, pior do que isso, todos os fundamentos da sua doutrina. E de forma tão radical que Pitágoras chegou a negar a evidência e condenou o discípulo à morte por afogamento.

Passados 27 séculos, também por cá os guardiães da doutrina afirmam como obra perfeita a atual ordem política. Tão perfeita que se arrogam o direito, já não de condenar ao afogamento quem a conteste, mas de dificultar, impedir e boicotar qualquer revisão da mesma. Mas, tal como no tempo de Pitágoras ficou provado, e a partir da própria doutrina que concebera, que nem todos os números eram racionais, também aqui e agora se comprova, a partir da própria ação política, a imperfeição de uma ordem que se recusa a reconhecer as suas insuficiências, bem como a irracionalidade de princípios e normas em que assenta.

Como é o caso de princípios, ou ausência deles, que tornam legais ações políticas que provocam a rutura financeira do Estado e o definhar da economia, ou que tornam inconstitucionais medidas de mero bom senso, com prejuízo de todos e do bem comum, mas em benefício de lóbis sociais, empresariais e sindicais bem posicionados na escala do poder.

Ou que permitem a discriminação entre funcionários públicos e demais população, com esta a pagar os privilégios de emprego garantido e de horário reduzido dos primeiros, e também interpretações discriminatórias entre trabalhadores no ativo e na reforma, com uma base impositiva diferenciada a penalizar os reformados.

E de princípios que marcaram um tempo e uma geração, mantendo no seu ideário a abertura do caminho para uma sociedade socialista e que até, no limite, permitem a formação de governos com bases de apoio parlamentar nunca apresentadas e até sonegadas aos eleitores.

Na ordem pitagórica surgiram discípulos que puseram em causa alguns dos seus pilares constituintes. Não tendo sido ouvidos, o movimento acabou por desaparecer, envolvido nas suas contradições.

Também aqui, se não alterar comportamentos, o nosso sistema político acabará por soçobrar pelas mesmas razões que provocaram a extinção da ordem pitagórica. Urge, pois, arejar a nomenklatura política e promover a mudança de atores, através de processos eleitorais que levem à escolha dos melhores, e não dos meros seguidores dos aparelhos partidários que há muito se desobrigaram das reformas de fundo necessárias a Portugal.

Urge erradicar a irracionalidade política em que vivemos e o “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade” é um alerta nesse sentido. Devemos isso a Portugal.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O prior de São Bento e a abadessa prioresa

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
A dívida do convento, onde acabam as facilidades e começam as dificuldades, essa, não pára de aumentar.

Cenacolo ("Última Ceia") em Santa Maria delle Grazie

O prior de São Bento e a abadessa prioresa
Conta a História, ou a lenda, que o duque de Milão Ludovico Sforza chamou ao seu palácio Leonardo da Vinci que, no Convento de Santa Maria delle Grazie, pintava “A Última Ceia”, preocupado que estava com o atraso da obra que mecenaticamente vinha financiando como penhor de salvação do Inferno e de minimização da quase certa temporada no Purgatório. Da Vinci justificou-se com o tempo que investia na busca, Milão afora, dos rostos que melhor correspondessem ao perfil dos discípulos de Jesus Cristo. Perguntado sobre se já tinha ideias sobre o rosto de Judas, Da Vinci respondeu que aí não tinha dúvidas: o rosto do prior era o que lhe parecia mais adequado.

Se Santa Maria delle Grazie continua a ser convento e a albergar tal obra-prima, o mesmo não acontece ao nosso Convento de S. Bento da Saúde, que mingua de obras-primas, deixou de ser mosteiro e se converteu em palácio com palacete adjacente, instalações bem mais adequadas para albergar irmãos laicos, mais dados às coisas dos negócios e da política, sobretudo baixa, do que aos prazeres da contemplação. Também eles vão entronizando sucessivos priores, alguns bem falsos como Judas, demagogos, líderes traidores de princípios e promessas. Ocupados no exercício de um mero poder pessoal, distribuindo benesses com garantia de retribuição em agradecidos apoios, fazendo todavia crer que é o bem-estar do povo que os move, eles deixaram o priorado à sua sorte, empobrecido e endividado. São os primeiros responsáveis pela situação. Mas não os únicos.

Também o são as elites académicas que se deixam instrumentalizar ou procuram mesmo ser instrumentalizadas, prestando-se a torturar números, estatísticas e princípios para elaborar planos económicos a gosto do prior, erróneos nos pressupostos e na eficácia das medidas, mas aptos a produzir as fichas falsas necessárias a alimentar o jogo das apostas, conceito em que o prior sintetiza todo o seu pensamento de crescimento económico do convento e de desenvolvimento do priorado social.

Sim, essas elites académicas são também bem responsáveis pela situação, dando um falso fundamento científico a medidas e políticas de conquista e conservação do poder do prior, mas incapazes de melhorar a sorte e a vida dos vassalos do foro conventual.

Também são responsáveis alguns irmãos não professos, mercadores, artesãos e menestréis, com acesso aos aposentos do prior, visando facilidades para comércio, obras e festas no mosteiro, ao arrepio de uma livre concorrência, fator de inovação e progresso.

Degradando-se a economia para equilibrar as finanças do convento, conubiou-se o prior com a abadessa de um pequeno mosteiro vizinho, numa aliança de consolidação do poder. E é agora a prioresa que aparece a defender as regras que antes condenava, e até novas e acrescidas corveias que, acrescidas às dízimas e capitações existentes, não poupam mesmo os mais pobres dos vassalos. E associada aos académicos aboletados, acena com mais e melhores apoios que uma economia estagnada e um priorado social cada vez mais depauperado, com escolas sem dinheiro para suportar gastos básicos, atrasos de pagamentos nos hospícios e aumento do tempo de espera nas enfermarias públicas negam à evidência.

E a dívida do convento, onde acabam as facilidades e começam as dificuldades, essa, não pára de aumentar.

O que não admira, num convento onde até se torna possível que irmãos vencidos nas votações capitulares se tornem priores. Convento onde Da Vinci não teria grande dificuldade em escolher o rosto de Judas.

Mas há quem pugne, vide “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”, por alterar as normas vigentes no priorado, a começar pela eleição do prior. De modo a que Da Vinci nunca pudesse ver nele um rosto para retratar os Judas desta vida.
António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade


quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Uma pedrada no charco

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

É chegada a hora de uma tomada de consciência por parte da sociedade civil e da sua mobilização para uma inflexão no caminho que vem sendo percorrido.


Uma pedrada no charco

Chegámos ao fim do normal período de férias, o que em termos políticos significa o fim da silly season. Devia agora seguir-se-lhe a rentrée, ou seja, o período anual de reflexão sobre as reformas e medidas políticas a implementar, com vista à melhoria, progresso e sustentabilidade do processo de desenvolvimento do país. Mas será isto que podemos antever nesta rentrée de 2016? Dificilmente...

Em primeiro lugar, porque não é esse o padrão de responsabilidade a que os sucessivos governos nos habituaram. Pelo menos na última década, para não dizer neste século, aquilo a que assistimos é a um agravamento da crise em que o país há muito mergulhou, consequência, em larga medida, do sistema corporativo de partidos que se instalou, empenhados primordialmente na sua sobrevivência. Daí a luta fratricida de interesses a que se dedicam, limitando-se a constatar e a tornar públicos os resultados da sua sucessiva desgovernação. Ninguém é culpado, ninguém é julgado, ninguém é preso. E nem o poder político nem os órgãos de soberania parecem ter consciência da responsabilidade que lhes cabe. A impunidade é total.

Face a esta situação, parece oportuno e mais do que necessário que os cidadãos se interroguem sobre a representatividade do poder político em Portugal – poder que há muito deixou de representar os interesses da generalidade dos cidadãos, como o comprova o crescente desinteresse destes pela “causa pública” e o seu progressivo alheamento do sistema eleitoral. Esta desmotivação é bem patente e está bem refletida no anedotário nacional que perpassa pelas redes sociais.

Do que precede retiramos uma conclusão. É chegada a hora de uma tomada de consciência por parte da sociedade civil e da sua mobilização para uma inflexão no caminho que vem sendo percorrido. Mas como, se é também um facto insofismável a fraqueza da nossa sociedade civil? A resposta só pode vir de um amplo movimento de contestação e “civil desobedience”. Foi este o método utilizado nos casos em que houve que pôr cobro e inverter caminhos pressentidos como desajustados dos princípios humanistas e dos interesses das maiorias. Como afirmou H. Thoreau, no célebre ensaio de 1849, o “governo pode expressar a vontade da maioria, mas pode igualmente expressar nada mais do que a vontade da elite política”. Daí a legitimidade de se opor resistência à governação, pela recusa em cumprir leis, pagar impostos e satisfazer outras exigências, como forma de influenciar a legislação ou a política governativa, na convicção de que tais exigências são moralmente injustas e que o sentir da consciência se sobrepõe às obrigações para com o Estado.

Como é óbvio, a desobediência civil não é isenta de controvérsia e de alguma ambiguidade. Desde logo, em virtude da legalidade do protesto e pela natureza violenta, ou não, do mesmo. Mas o que é inquestionável é o papel que tem desempenhado ao longo da História, sobretudo no contexto dos movimentos de independência, direitos humanos e várias formas de resistência.

Em face do que precede, parece pois justificar-se, e de forma premente, a necessidade de promover o aparecimento de um amplo movimento de contestação civil à situação com que nos confrontamos relativamente à governação do país. Porém, para ser eficaz e conseguir os seus intentos, este movimento terá de ser seletivo e definir objetivos e prioridades que permitam alcançar o desiderato visado. Não é possível ser eficaz contestando sistematicamente tudo e todos. Neste contexto, parece-nos prioritário eleger como objetivos a alteração (1) do sistema eleitoral; (2) do sistema subjacente à política orçamental; e (3) do sistema de Justiça.

Quanto ao primeiro objetivo, ele está na origem do “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade” e tem sido objeto de amplas e variadas justificações e sugestões, nos artigos que, semanalmente (às quartas-feiras), alguns dos subscritores do referido documento têm publicado neste jornal. No entanto, nada acontece, não se mostrando os partidos interessados em alterar a atual situação, como, aliás, se constatou nas audiências havidas com os promotores do Manifesto ou através de quaisquer desenvolvimentos subsequentes. Justifica-se, pois, que este tema seja objeto de iniciativas de desobediência civil. Como exemplo de iniciativas neste âmbito, poder-se-ia avançar com um forte apelo a uma participação nas eleições legislativas através do voto nulo (ou em branco). Assim se daria um sinal claro de desagrado e repúdio pelo atual sistema, suscetível de “acordar” os políticos e mobilizar os eleitores.

Que a atual política orçamental é insatisfatória e gravosa do ponto de vista nacional, também não há lugar para dúvidas. Continua longe de garantir o equilíbrio das contas públicas e de contribuir para a solvência do Estado, exibindo um nível de exaustão incapaz de permitir a estabilidade da política fiscal e um financiamento eficaz da economia compatíveis com a acumulação de capital exigida por um crescimento sustentável do processo de desenvolvimento.

O combate a esta fragilidade financeira e económica só poderá ser conseguido com uma alteração da política orçamental com vista à sua estabilização e consolidação a médio prazo, assente na análise rigorosa das prioridades e qualidade da despesa e numa política fiscal estável que permita o eficaz financiamento da economia, com vista ao seu crescimento e desenvolvimento sustentáveis. Este é, assim, um objetivo primordial em que a cidadania deveria empenhar-se, nomeadamente protestando ativamente e recusando qualquer alteração de impostos e da carga fiscal que não se alicerce numa estratégia e num programa económico e orçamental de médio prazo, devidamente fundamentado e discutido em termos dos seus pressupostos, e transparente nas medidas a implementar, bem como no acompanhamento da sua execução, inclusive por parte de movimentos representativos da cidadania. Trata-se, como é óbvio, de formas organizadas de pressão política sobre o governo, mas que deverão contribuir decididamente para se sair do rumo pantanoso em que o país está a afundar-se.

Por último, há que ter em conta a ineficácia e descrédito do atual sistema de Justiça. Os exemplos são bem conhecidos e não necessitam de mais comentários. O que se torna premente é dotá-lo de eficácia, até porque nele assenta o Estado de direito. E sem isso, o país não terá a credibilidade nem haverá confiança para o investimento, crescimento e desenvolvimento social e humano. Que formas deverá a desobediência civil revestir neste caso, deixo para proposta dos especialistas na matéria. Lembraria somente que o recurso às redes informáticas, como via de divulgar opiniões e fazer reivindicações, está ao dispor de grupos de cidadãos empenhados e vem-se revelando cada vez mais eficaz; isto para já não falar no recurso a manifestações de protesto.

À guisa de conclusão, diríamos que não há lugar para dúvidas quanto ao facto de a generalidade dos cidadãos estar consciente da encruzilhada em que o país se encontra; austeridade versus crescimento não passa de um dilema com que nos confrontamos, mas insuscetível de solução no atual quadro económico, social e político. Urge, pois, alterar este estado de coisas. Só que tal não parece possível no quadro partidário vigente. Por conseguinte, surge como inevitável que seja a sociedade civil a promover e lutar pelo desbloqueamento da situação, através de movimentos organizados em torno de projetos e propostas devidamente alicerçados em estudos, levados a cabo por instituições independentes e competentes da sociedade (think tanks), como forma de pressão política, no âmbito da desobediência civil.

Dir-se-á que não é bonito! É fácil concordar. Só que parece não haver outro meio (pacífico) de alterar a situação. Além de que ele já deu provas em múltiplos casos, incluindo entre nós. Nomeadamente quando da manifestação contra a tentativa de alterar a TSU pelo anterior governo (15 de setembro de 2012). E por muito pouco bonita ou ortodoxa que seja a desobediência civil, sempre poderá criar as “ondas” que nos permitam sair do atoleiro...

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Movimento Democrático

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
Só um movimento democrático pode mudar o atoleiro a que chegámos.


Movimento Democrático
Só um movimento democrático pode mudar o atoleiro a que chegámos.

Podemos olhar para o nosso problema político culpando a mulher de César. Tornou-se moda citá-la a torto e a direito, em mostra de grande moral, ética superior. Toda a gente aponta o dedo para dizer que, como ela, não basta ser sério, é preciso parecer. Pela escassa vergonha que se exibe e cresce, a convocação da senhora não tem servido de muito; talvez esteja a ser contraproducente.

A atenção centrou-se no parecer, esquecendo-se o pressuposto: ser. Além disso, multiplicam-se exemplos de ninguém se importar muito com o que parece, em razão desse outro mito da “presunção de inocência”. Entretanto, toda a gente descurou o que realmente é.

O problema não é apenas a ética das atitudes, mas a própria distorção geral da função política e do seu exercício. Hoje, os grupos políticos que dominam o exercício na arena transmitem a ideia de se preocuparem mais com o parecer do que com o ser. O estudo foi substituído pelo marketing; programas e manifestos são feitos para impressionar, não para resolver; a intervenção política é mais dominada por faroladas e chicuelinas do que pela preocupação de fazer avançar uma agenda consistente. Abunda o tacticismo e o jogo das aparências. Toda a gente parece ter perdido o foco quanto ao fundamental da política: primeiro, pensamento sólido, conhecido, claro e consistente; segundo, estratégia determinada e consequente, para afirmar e concretizar o pensamento; terceiro, persistência, talento e capacidade para servir um e outra. A táctica é a menor das artes - não merece o galarim a que foi içada, junto com a aparência da mulher de César.

Isto explica o país adiado: o que é mais preciso nunca acontece; somos entretidos com o que parece. Muitas coisas cuja necessidade está longamente estabelecida nunca chegam realmente a acontecer - vão sendo submergidas pelo espectáculo.

Em Abril de 2002, na estreia de Durão Barroso como primeiro-ministro, fomos informados de que o país estava de tanga. Quase 15 anos depois, com troika e sem troika, com a questão permanentemente no radar (no nosso e no dos outros), ainda não conseguimos resolver estavelmente o problema, apesar de toneladas de sacrifícios. Seguimos adiados. É clara a necessidade de uma política financeira sólida, alicerce da independência, continuidade e sustentabilidade das políticas públicas, que nos liberte do garrote da dívida e consinta uma redução fiscal duradoura que favoreça competitividade e crescimento na economia e permita alívio às famílias. O adiamento festivo tem sido constante. E voltou pela esquerda o discurso que nos faz derrapar. Desde os finais dos anos 90 que se fala na reforma do Estado. Quase 20 anos passados, nada de consistente e articulado foi feito, nem parece haver ideias claras de por onde começar ou o que fazer. De par com o clientelismo galopante, estamos adiados.

Há 40 anos que a descentralização está por estruturar. O quadro constitucional era o das regiões, que encalharam num referendo há 20 anos. Não anda, nem desanda. Nem regiões, nem distritos, nem províncias - nada. O país centralizou-se e desertificou, o território ficou mais frágil, o desordenamento avolumou-se, desperdiçam-se oportunidades, há muita coisa ao abandono e outra está a arder. O verbo é adiar.

O sistema político foi apoderado por grupos fechados. Em muitos partidos, nem bases, nem eleitores têm influência e preponderância. As decisões que importam são tomadas em circuitos obscuros fora dos órgãos, a colegialidade orgânica desapareceu, a institucionalidade é papel de cenário, os processos funcionais foram infantilizados. Não temos quem nos represente e o poder de escolher foi-nos cerceado - a usurpação chegou mesmo às eleições locais, onde, por isso, a reacção por listas independentes já atingiu 7% nas eleições municipais, 10% nas de freguesia. Tudo continua enclausurado nos chefes, sua corte e seus cortejos - não funciona de baixo para cima, nem há preocupação de ouvir e decidir em colectivo. O sistema não é democrático, mas oligárquico ou autocrático. Em 1989 e em 1997 foram feitas revisões constitucionais que permitiram uma reforma eleitoral significativa, capaz de romper com esta decadência e devolver a política à cidadania. Tem sido sempre adiada - vai sê-lo outra vez.

Em coerência, o sistema não aprende com o facto de termos vindo a sofrer uma crise gravíssima, apenas possível graças a um grau intolerável de promiscuidade entre política e negócios. Os exemplos recentes de Durão Barroso e Paulo Portas mostram que não se aprendeu nada; talvez defensivamente, o sistema ousa dar novos passos que mais ninguém do mesmo estatuto e nas mesmas condições havia ousado dar antes. O modo como estes exemplos são assimilados faz recear o pior para o futuro - outros se seguirão. A promiscuidade que nos tem vitimado - ao Estado, aos bancos, à economia, aos cidadãos, aos contribuintes - quer prevalecer. Adiados também, na ética da separação e da independência.

Noutras matérias piorámos, adiando debaixo das aparências: na energia, as chorudas rendas excessivas continuam a provar resistência de granito, à nossa custa; a política externa, um dos nossos grandes capitais, foi mergulhada há anos em fragmentação e desnorte; a política europeia foi esquecida e não tem definidor; na educação, é posta em causa a política de largos consensos, crucial para o sector; na saúde, a ADSE parece lançada aos bichos, em surdina; na floresta, uma das nossas maiores riquezas, não há política integrada e persistente, e só o fogo não é adiado; a Segurança Social não se reforma nem se explica, estando posta debaixo de fogo e, no fundo, continuando-se a alvejá-la como o mealheiro do regime.

Não creio que os grupos que controlam hoje os principais partidos estejam preocupados com estas questões. Foram formatados para o que chamam o “poder”; e não vêem fora dos tacticismos que, por um lado, protegem os interesses do grupo e, por outro, acreditam que lhes garantirão a ribalta. Hoje, a política não é uma construção, mas um pugilato.

O caminho possível é um Movimento Democrático com um referente humanista e personalista, ancorando-se ao centro, que seja capaz de alinhar propostas concretas de reformas democráticas para Portugal. Um movimento que federe, em aliança, pessoas qualificadas em diferentes sectores e outros corpos cívicos e políticos já estabelecidos, articulando respostas a estas questões e estruturando o debate plural sobre outras. Um movimento que seja capaz de fazer a diferença e, ao fazê-la, empurre os partidos dominantes para uma mudança radical de atitude ou, se assim não for, esteja pronto a dar um passo em frente como parte da alternativa e sua mola.

A não ser assim, se não nos movimentarmos… é adiados que continuaremos.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i.


sexta-feira, 27 de maio de 2016

Porque é que o défice orçamental é inimigo de uma democracia de qualidade?

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído anteontem no jornal i
O défice orçamental permite aos governos não confrontar os eleitores com o custo das decisões políticas que são tomadas, mas que comprometem as gerações futuras. Que não votam…


Porque é que o défice orçamental é inimigo de uma democracia de qualidade?
Imaginem um tanque de água. Pode estar raso, meio cheio ou vazio. Vamos-lhe chamar tanque da dívida pública. A água nesse tanque tem algumas qualidades: diminui com a evaporação – chamemos-lhe inflação – e aumenta com a chuva – chamemos-lhe juros.

No princípio o tanque estava vazio e num tanque vazio não chovem juros. Como é que o tanque se começou a encher?

O tanque encheu alimentado por um tubo de água chamado défice orçamental. Pode esvaziar por um tubo chamado superavit orçamental.

Num país bem governado, a injecção no tanque de défice e a sucção de superavit deveria permitir manter o tanque a níveis satisfatórios, na margem da chamada dívida sustentável. Na verdade, não há um número mágico que determina que a divida seja ou deixe de ser sustentável: os EUA têm uma divida pública igual à nossa; o Japão tem uma divida pública muito superior à nossa – 200% - e no entanto ambas são consideradas sustentáveis e contempladas com os Triple A das agências de rating. Isto é assim porque a sustentabilidade da divida depende de muitos factores, entre os quais o facto de estar denominada em moeda desse país, de haver ou não crescimento económico, do nível de fiscalidade, da inflação, de divida externa e balança de pagamentos…

Em Portugal não há um único ano dos últimos 40 em que tenha havido superavit; houve défice em todos os anos desde 1974. Isto determinou que ao longo das décadas o tanque da dívida foi enchendo e nunca esvaziando, mesmo quando se tiraram de lá uns baldes de água chamados privatizações.

Neste momento o tanque está raso de água e a transbordar. Significa isto que quem nos pode emprestar dinheiro só o faz com juros punitivos, ou como é o caso, com uma garantia de recompra de títulos dada pelo Banco Central Europeu. Quer isto dizer que no dia em que essa garantia desparecer, estaremos tão falidos como antes de 2011.

Porque é que chegámos aqui? Ou por outras palavras, porque é que ano após ano o tubo do défice nunca parou de bombear para o tanque da dívida? A verdade é que ter défices orçamentais é uma escolha política. Há alternativas: pode-se aumentar as receitas ou fazer diminuir as despesas.

O que o Estado português escolheu fazer nos últimos 40 anos foi aumentar os impostos, fazer crescer as despesas e financiar a diferença entre receitas e despesas com recurso a crédito, ou seja, injectar água no tanque da dívida.

Se olharmos para as principais rúbricas da despesa pública, é fácil de perceber porquê: educação, saúde e segurança social, e sobretudo esta que consome cerca de 27% do PIB. Nenhum governo democraticamente eleito quer perder eleições cortando nestas despesas.

A alternativa escolhida consistiu em vender aos credores uns papéis chamados divida pública cuja garantia de pagamento é o trabalho e o rendimento que os portugueses do futuro hão de ter.

Compreende-se pois: os governos «oferecem» hoje ao eleitorado vantagens e regalias que não saem do bolso de ninguém agora, mas que hão-de sair no futuro. As vantagens eleitorais são agora, razão pela qual qualquer governo que queira ganhar eleições não hesita nesta troca de «compre agora e pague depois», mas a verdade é que esta troca distorce profundamente a democracia, constituindo quase uma compra de votos (“votem em nós e aumentámos-vos as pensões”) e no fundo funciona como se o Estado dispusesse de um poço de petróleo ao qual se vão buscar os rendimentos que não saem dos impostos. Não saem agora, mas hão-de sair.

O défice orçamental permite pois aos governos não confrontar os eleitores com o custo das decisões políticas que são tomadas, mas que comprometem as gerações futuras. Que não votam…

Há outra razão pela qual o défice orçamental é profundamente atentatório de uma democracia de qualidade: ao engrossar ano após ano o tanque da divida pública, lança o Estado e as politicas públicas nas mãos dos credores, que nos confrontam com um dilema que consiste em que ou pagamos o que devemos nas condições que os credores estabelecem, ou incumprimos com resultados catastróficos.

Em 1876 a Turquia incumpriu a sua dívida assumida durante a guerra da Crimeia; foi-lhe imposta pelos credores internacionais uma comissão da divida que passou a deter o controlo das alfândegas e da cobrança dos impostos turcos e passou a decidir quais as reformas que teriam de ser realizadas. Esta completa perda de soberania é o que acontece a um país que tem dívida em excesso, ou seja, divida que não consegue pagar. Há pior forma de deturpar a democracia do que entregar as decisões sobre o nossos futuro a credores estrangeiros?
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Toca o alarme e ninguém ouve

 

Saiu, anteontem, o Economic Insight do Commerzbank, sobre Portugal. As observações dos economistas deste influente banco alemão foram suficientemente tratadas pela imprensa portuguesa, também anteontem, como foi, pelo menos, o caso do: 
Jornal de Negócios: Commerzbank: Políticas do Governo podem ameaçar dívida e competitividade
Diário de Notícias: Commerzbank avisa: Políticas de Costa e Centeno podem fazer subir dívida
Observador: Commerzbank: “Portugal é a nova criança problemática” da zona euro
É útil ler cada uma destas notícias para entender bem aquilo que está em causa e os pontos principais de preocupação para estes analista externos.
 
Atentemos somente no lead do relatório, isto é, o parágrafo inicial de síntese (tradução minha):
Portugal: A nova velha criança problemática
O novo governo de esquerda de Portugal fez uma mudança fundamental na política. Como resultado, a dívida pública pode subir ainda mais e a competitividade do país pode deteriorar-se mais uma vez. Dito isto, é questionável por quanto tempo mais o governo irá continuar este curso; uma deterioração mais acentuada da situação orçamental implica o risco de que a última agência de notação diminua também o rating de Portugal para o nível de lixo no fim de Abril e, portanto, que o BCE já não possa comprar quaisquer títulos portugueses sem um novo programa de resgate. Portugal estaria, então, em risco de encontrar-se numa posição semelhante à da Grécia no último Verão. E o novo Presidente da República, a eleger em breve, poderia também parar o governo.
Lido isto, o que surpreende? 
 
Surpreende que, ao fim de dois dias sobre a apreciação do banco alemão, ainda ninguém tenha perguntado aos candidatos presidenciais sobre se, a confirmarem-se as razões desta advertência, parariam, ou não, parariam o governo. Isto é, deixam a casa arder? Ou agem antes?
 
Por que não fazem a pergunta? Que diabo! Isto é, ou não é, uma campanha eleitoral?
 

terça-feira, 10 de março de 2015

Iberian Stream - reflexões a propósito da Cimeira de Madrid

A interligação das redes de gás e eletricidade são uma prioridade europeia

Pela sua importância, actualidade e qualidade, remetemos, com a devida vénia, para três excelentes posts recentes do blogue "O António Maria". Informação e pensamento estratégicos da melhor qualidade. Está lá tudo do principal que devemos conhecer e sobre que reflectir:

- em 4 de Março: Iberian stream

- em 6 de Março: Iberian stream (2)

- em 6 de Março: Iberian stream (3)

Do segundo post, destacamos este ponto, em particular, em razão de ter outras implicações gerais da maior importância e premência:
«O principal obstáculo que agora resta remover no caminho da reestruturação suave e em curso da nossa dívida pública advém precisamente das rendas excessivas e dos contratos leoninos abusivos das PPP. Só denunciando e renegociando as PPP e as rendas excessivas, só parando as inúteis barragens engendradas pelos piratas do anterior governo, será possível impedir que o avolumar do serviço da dívida pública portuguesa destrua o país, colocando-o no caminho da Grécia a muito curto prazo.»

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Quem é Costa Pina? O majestoso legado do costa-pinismo.

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Não é suficientemente conhecido o legado do ex-secretário de Estado do Tesouro, Costa Pina, que ultimamente tem andado muito na comunicação social por causa do inquérito aos chamados swaps. E, não sendo suficientemente conhecido, não pode ser devidamente apreciado.

O nosso colega blogue 4R - Quarta República, numa verdadeira missão de serviço público, Foi analisando nalguns dos seus posts a genialidade do desempenho de tão preclaro governante, assim a registando para a posteridade.

E a injustiça da discrição e do anonimato pode começar, assim, a ser reparada.

Façamos silêncio diante deste outro inesquecível legado socrático:
Como dizia o outro: Ditosa Patria que taes filhos tem!!!

ACTUALIZAÇÃO (3 de Agosto de 2013): A última edição do EXPRESSO revela mais uma admirável proeza do costa-pinismo, que a SIC-Notícias prontamente levou ao conhecimento do mundo.
A este respeito, porém, Costa Pina emitiu o seguinte esclarecimento, também publicado no EXPRESSO.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

Cavaco Silva, a crise política e os riscos de "segundo resgate"



Cada um tem as suas posições políticas próprias. É normal. 

Mas, sendo objectivo, quem não está de acordo com estes dados evidenciados pelo Presidente da República Cavaco Silva, quanto ao enquadramento incontornável das saídas para a crise política?
  • «O Orçamento do Estado de 2014 e o momento da sua entrada em vigor são determinantes para que Portugal possa regressar aos mercados e obter os meios financeiros indispensáveis ao financiamento da economia e do Estado e para encerrar com êxito o actual Programa de Ajustamento.»
  • «A falta de Orçamento do Estado agravaria, de forma muito significativa, o risco de Portugal ter de recorrer a um novo programa de assistência financeira.»
  •  «Este novo programa [de assistência financeira] seria provavelmente mais exigente.»
  • «[Este novo programa de assistência financeira] teria condições mais gravosas do que aquele que actualmente está em vigor, com reflexos directos - e dramáticos - no dia-a-dia das famílias.»
  •  «Não há sequer a garantia de que os parlamentos nacionais dos diversos Estados europeus aprovassem esse segundo resgate financeiro. »
  • «Em 2014 irão vencer-se empréstimos a médio e a longo prazo, que contraímos no passado, no valor de 14 mil milhões de euros.»
  • «[O Fundo Monetário Internacional] impõe, nestas situações, uma regra: com um ano de antecedência relativamente à data de vencimento dos empréstimos, o Estado devedor tem de possuir os meios financeiros necessários para efectuar o reembolso. »
  • «Em palavras simples: Portugal tem de assegurar, nos próximos meses, a totalidade dos meios financeiros para proceder ao pagamento dos empréstimos que se irão vencer em 2014.»
  •  «A realização imediata de eleições legislativas antecipadas poderia comprometer a conclusão positiva da 8ª e da 9ª avaliações da execução do Programa, previstas para este mês de Julho e para final de Setembro, o que pode conduzir à suspensão da transferência para Portugal das parcelas dos empréstimos que nos foram concedidos.» 
  • «O risco de termos de pedir um novo resgate financeiro é considerável.»
  • «No caso de um segundo resgate, a posição de Portugal ficaria muito desvalorizada tanto na União Europeia como junto de outros países com os quais mantemos um intenso relacionamento económico.»
  • «Depois de tantos sacrifícios que foram obrigados a fazer, depois de terem mostrado um admirável sentido de responsabilidade, os Portugueses têm o direito de exigir que os agentes políticos saibam estar à altura desta hora de emergência nacional.»
Alguém quer rebentar por completo com o país? Alguém se inscreve para discordar?

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O "miserável" PS que "endoida" com a verdade


Lê-se e custa a acreditar que o fanatismo possa levar tão longe. Endoidar? Miserável?

A fúria dos deputados socialistas contra o discurso de ontem do Presidente da República representa-se nestes elegantes comentários do deputado João Galamba. E vai um: «Cavaco quer cumprir o tratado orçamental mas queixa-se da austeridade generalizada em toda a Europa. É oficial: endoidou.» E vão dois: «discurso miserável de um miserável Presidente. Que vergonha!»

Recordemos uma das verdades, absolutamente centrais e incontornáveis, que Cavaco Silva recordou, ontem à Assembleia da República:
«Uma avaliação objectiva do caminho percorrido nestes dois últimos anos deve ter em linha de conta as alterações muito significativas que entretanto ocorreram na governação da União Económica e Monetária, com vista a dar resposta à crise verificada na Zona Euro.
As regras de disciplina e supervisão orçamental a que os Estados Membros estão sujeitos foram substancialmente reforçadas, especialmente através dos pacotes normativos «six-pack» e «two-pack» e do Tratado Orçamental, que entrou em vigor a 1 de Janeiro deste ano.
Significa isto que, depois do Programa de Ajustamento, Portugal, à semelhança de todos os outros países da Zona Euro, continuará sujeito a um acompanhamento rigoroso por parte das autoridades europeias, de modo a garantir o cumprimento das regras de equilíbrio orçamental e de sustentabilidade da dívida pública.
Neste cenário, é uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental irão desaparecer no fim do Programa de Ajustamento, em meados de 2014.
Com efeito, nos termos do Tratado Orçamental, o País terá de assegurar um défice estrutural não superior a 0,5 por cento do PIB e o rácio da dívida pública de 124 por cento, previsto para 2014, terá de convergir no futuro para 60 por cento. Para alcançar estes objectivos  Portugal terá de manter superavites primários muito significativos durante um longo período.
Tudo isto se irá processar num quadro em que já não beneficiaremos de empréstimos externos nos moldes até agora praticados, ficando inteiramente dependentes dos mercados para satisfazer as necessidades de financiamento da economia e do Estado. É fundamental que todos os Portugueses estejam bem conscientes desta realidade.
Tendo em conta estas exigências, que se irão prolongar por muitos anos, o País não pode afastar-se de uma linha de rumo de sustentabilidade das finanças públicas, de estabilidade do sistema financeiro e de controlo das contas externas. A não ser assim, seríamos obrigados, se as instituições internacionais estivessem na disposição de o fazer, a um novo recurso à ajuda externa, e dessa vez, muito provavelmente, em condições mais duras e exigentes do que aquelas que actualmente tantos sacrifícios impõem aos Portugueses.
Que não haja ilusões.»
As palavras do Presidente da República limitaram-se a recordar aquilo que todos os deputados e dirigentes políticos sabem bem. Os socialistas estão, aliás, quer a nível nacional, quer a nível europeu, entre os grandes defensores do chamado "tratado orçamental" que foi imposto, disse-se, pelas necessidades de disciplina comum da Zona Euro.

Assim sendo, o Presidente falhou? Talvez. Em quê? 

Cavaco só omitiu uma coisa: podia ter dito também que as brutais restrições que, agora, a nossa política orçamental tem de seguir ao longo de vários anos resultam unicamente do expansionismo irresponsável de sucessivos orçamentos socialistas, caracterizados pelo festival da despesa e pelo esbanjamento. A "vergonha" é essa: o PS "endoidou" e legou-nos uma situação realmente "miserável". 

Agora, precisamos de verdade e coragem. 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O foco é na despesa pública



Cavaco Silva bem poderia ter-se inspirado no Manifesto Despesa Pública para um Futuro Melhor, recentemente lançado. Ou ter sido até um dos seus subscritores. A sua mensagem de hoje à Assembleia da República, por ocasião do aniversário do 25 de Abril,  foi muito boa; e, no ponto crucial da consolidação orçamental, não deixou de recomendar que se aponte o foco para o ponto fundamental:
«(...) deve salientar-se que o défice primário estrutural terá sofrido uma redução de 6 pontos percentuais do PIB nos últimos dois anos. É, objectivamente um sinal positivo que deve merecer a atenção dos nossos parceiros europeus, na medida em que representa um esforço superior ao realizado pelos outros países que igualmente se encontram sob intervenção externa.
Em todo o caso, parece hoje mais claro que teria sido preferível – aliás, em consonância com o Tratado Orçamental – ter fixado, logo no início do programa de assistência, que as metas para a correcção do défice seriam definidas em termos de variação do défice primário estrutural, utilizando um mesmo universo orçamental.
E, após esta intervenção externa, poderá ser preferível fixar limites ao crescimento da despesa pública, os quais, sendo mais fáceis de avaliar, tornam o processo de consolidação orçamental mais credível e mais transparente
O nosso Manifesto de 31 de Março, por seu turno, lembremo-lo, aponta na seguinte direcção:
«A consolidação orçamental está longe de estar concluída, uma vez que o défice estrutural terá ainda de se reduzir para 0,5% do PIB depois de 2016. Considera-se que este objectivo deverá ser atingido essencialmente através da redução das despesas públicas, já que a economia não comporta os tremendos aumentos de impostos verificados nos últimos anos. Para se atingir uma situação sustentável, a médio e longo prazo, devemos reduzir a despesa estrutural primária para 33% do PIB em quatro anos e definir um tecto de referência estável em que, por regra, o total da despesa pública não ultrapasse os 40% do PIB. Acima desses valores, a dívida continuará, com toda a probabilidade, a aumentar em vez de a reduzirmos.»
Quando o conseguirmos... bingo! É esse o caminho.