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sexta-feira, 1 de junho de 2018

Prever o futuro é essencial para governar bem

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído hoje no jornal i.

Essa ideia peregrina, que floresce em alguns setores da nossa sociedade, de receber todos os que pretendam cá chegar não é viável e só pode dar asneira. 
 
Prever o futuro é essencial para governar bem
Aceito que me chamem racista e xenófobo, ou qualquer outra coisa de que se lembrem, mas não aceito, nem um bocadinho, que todos os deserdados do mundo decidam vir viver para o Ocidente, em particular para a Europa, trazendo consigo as suas culturas, as suas religiões e os seus hábitos de vida. Pela razão simples de que essa ideia peregrina, que floresce em alguns setores da nossa sociedade, de receber todos os que pretendam cá chegar não é viável e só pode dar asneira. De facto, já está a dar asneira.

A asneira resulta, como é evidente, de que os povos ocidentais estão assustados com a chegada às suas cidades e aos seus bairros de milhares de seres humanos com hábitos, culturas, ideias e objetivos de vida que não encaixam nos seus padrões de vida e de aceitação. Razão principal por que milhões, que não são racistas nem xenófobos, protestam da única forma eficaz que conhecem, na mesa de voto, dando assim vazão às suas inseguranças e receios ao escolherem aqueles políticos que propõem não aceitar a imigração em massa. Os atuais governos populistas de direita dos Estados Unidos, da Polónia, da Hungria, da Áustria e, proximamente, da Itália são disso o resultado e muitos mais o serão no futuro. Isto é, o mesmo populismo e a incapacidade de pensar fora da gaveta ideológica por grande parte das esquerdas estão a gerar uma enorme guinada à direita que coloca em causa os valores tradicionais dos povos ocidentais.

Claro que tudo isto era previsível para quem tivesse dois dedos de testa. Bastaria pensar que as novas tecnologias da televisão, da ethernet e dos telemóveis estavam a chegar a todo o lado e que os povos mais pobres e deserdados do globo passariam a querer fugir dos seus países para viver no mundo ideal de que estavam a tomar conhecimento. Simplesmente, os governos ocidentais estão tão ocupados na acumulação de 40% de toda a riqueza global para os bolsos de um por cento da população mundial, e a usar os paraísos fiscais para não pagarem impostos, que nunca lhes passou pela cabeça encarar de frente a ameaça.

Pessoalmente, pensei nisto há 20 anos quando apresentei, com os socialistas Pereira da Silva e Carlos André, a moção “Pensar Portugal” ao XIII Congresso do Partido Socialista, onde escrevemos: “Nesse sentido, uma segunda reivindicação das forças do progresso deve conter uma transferência global de recursos dos países desenvolvidos do Norte para os países pobres do Sul, recursos a serem geridos palas Nações Unidas e destinados apenas à educação e à saúde, através, por exemplo, de uma taxa de 1% sobre todo o consumo de bens e serviços dos países desenvolvidos, valor acrescido de 1% sobre as importações oriundas dos países em vias de desenvolvimento.” 
Escrevemos a seguir: “Trata-se de algo semelhante à Taxa Tobin mas numa versão muito mais abrangente e, acreditamos, muito mais realista, na medida em que, sendo mais universal, envolverá os setores da sociedade mais progressivos e mais solidários, isto é, permite que estes setores se coloquem na primeira linha da solidariedade com as populações mais pobres do globo. Por outro lado, ao entregar a gestão dos programas de apoio às Nações Unidas e ao dirigir esse apoio para a educação e para a saúde, haverá melhores condições para evitar a corrupção local e o desvio desses fundos para outros objetivos, mais ou menos obscuros, em que os governos são férteis.”

Como este capítulo da moção era sobre a globalização, escrevemos ainda: “Em resumo, acreditamos que a globalização, como fenómeno de mudança, pode ser aproveitada pelas forças do progresso para realizar um grande salto qualitativo, no sentido de uma sociedade humana globalmente mais livre, mais pacífica e mais justa. É tempo de as sociedades mais desenvolvidas ultrapassarem a fase das boas intenções e da contestação e passarem aos atos, mostrando as reais intenções dos homens de boa vontade, nomeadamente através da demonstração, para além de qualquer dúvida, de que o processo de globalização implica o progresso e a justiça social para todos os povos do mundo.” 
A ideia era que António Guterres fizesse esta proposta na Internacional Socialista e tentasse ganhar um primeiro apoio para uma questão que sabíamos de difícil aceitação pelos governos, mas que, em qualquer caso, serviria para introduzir o tema no debate público. Pura ilusão: os congressos dos partidos políticos não servem para debater ideias nem para prever o futuro dos povos e, entretanto, passaram 20 anos sem que os partidos e os governos fizessem alguma coisa de inteligente para reduzir as desigualdades e dar alguma esperança aos povos do Sul, nem sequer regras aduaneiras mais favoráveis. Por outro lado, as Nações Unidas, agora dirigidas por António Guterres, têm-se limitado a evitar que morram, antes de tempo, uns tantos seres humanos nos genocídios frequentes a que estão sujeitos e a pedir que os governos recebam mais refugiados. Isto é, pede--se aos governos que contribuam mais para um problema que é insolúvel nos termos em que é colocado, mas que serve bem para assustar ainda mais os eleitores dos diferentes países para que votem nos populistas de serviço, populistas que compreendem bastante bem o filão político que lhes estão a oferecer.

Por mim, não vejo outra alternativa senão esperar que alguém convença a maioria dos cidadãos dos países mais ricos – para facilitar, poderão ser apenas os europeus – a receberem de boa vontade nos seus bairros mais refugiados e mais imigrantes, os quais, sabemos, não terão trabalho, nem casa, nem educação, que é o que acontece com os que já cá estão. Não falo obviamente de Portugal, onde fazemos muito pouco para evitar a nossa própria emigração e, em qualquer caso, os refugiados que cá chegarem rapidamente se vão embora para outras paragens. O que justifica o peito feito dos partidos políticos portugueses relativamente aos refugiados, já que não têm de enfrentar o problema. Aliás, se não sabem resolver os graves problemas que temos em casa, não se compreende a solicitude para dar lições aos outros países a fim de aceitarem mais imigrantes, os quais, diga-se, precisam de bastante mais do que os discursos inflamados de solidariedade universal.

Em resumo, talvez um pouco mais de lucidez e de respeito pelos eleitores que votaram em Donald Trump e nos outros políticos da direita europeia possa reduzir a enorme confusão política que se instalou e evitar o afastamento de mais cidadãos dos partidos políticos tradicionais, cansados que estão de retórica e de má governação.

Henrique NETO
Empresário
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade


NOTA: artigo publicado no jornal i.


terça-feira, 31 de maio de 2016

Um dia igual, um dia diferente

Publicamos, aqui, o texto integral do artigo com o mesmo título, de que uma versão mais curta foi publicada hoje no jornal Público, no contexto das comemorações do Dia dos Irmãos.


O Fernando e eu, na festa dos meus 60 anos

Um dia igual, um dia diferente

- por José Ribeiro e Castro


É lema conhecido: todos iguais, todos diferentes. O mesmo pode dizer-se dos dias: têm 24 horas, mas todos são diferentes – pelo tempo que faz, pela hora a que o sol nasce ou se põe, pelo calendário. Repetem-se, todos os anos; e, repetidos, podem ser diferentes. O traço distintivo é a memória que assinalam ou o valor que celebram: um aniversário; ou a referência social que lhe associamos.

O dia de hoje distingue-se por ser Dia dos Irmãos – festejamos os irmãos e a sua relação. Foi em 18 de Setembro de 2014 que a assembleia geral da Confederação Europeia de Famílias Numerosas (ELFAC) resolveu instituir o Dia dos Irmãos, fixando-o a 31 de Maio a nível europeu, e iniciou a sua celebração anual, na sequência de uma primeira experiência estreada em Portugal nesse ano.

Já havia dias para praticamente tudo, não ainda para celebrarmos irmãs e irmãos. E, todavia, termos irmãos, sermos irmãos, é tipicamente a relação mais forte, mais próxima, mais duradoura na nossa vida. As experiências não são iguais. Há irmãos que se dão mal, não só os que se dão bem – estes predominam largamente sobre aqueles e são o exemplo que guardamos. Variam também os quadros e circunstâncias. Há os que só têm um irmão ou irmã e os que têm muitos. Há os irmãos de idade próxima e os de idades muito afastadas. Há irmãos dos dois pais e meios-irmãos, só de mãe ou só de pai. Há ser o mais velho e ser o mais novo. Há os gémeos e os que o não são. Há ter só irmãos, ou ter só irmãs, ou tê-los de ambos os sexos. Mas seja qual for o quadro, é singular e fortíssima a relação de irmãos. Prolonga-se e alarga-se por tios, primos e sobrinhos. Há sobrinhos, filhos de irmãos, que nos são tão queridos como filhos. Há primos, filhos de irmãos dos pais, com que enturmamos como irmãos – os primos-irmãos, propriamente ditos. E os tios, irmãos dos pais, são os que frequentemente têm connosco as conversas que os pais não têm, grandes camaradas de rectaguarda. É a relação de irmãos que estrutura a ampla e alargada relação familiar.

A lacuna já não existe. Ary dos Santos escreveu no poema que Fernando Tordo musicou para Paulo de Carvalho: “Natal é quando o homem quiser”. Assim é o Dia dos Irmãos: é quando o quisermos – não só quando nos lembramos dos irmãos, mas também neste Dia que, a partir da afirmação civil, escolhemos para os celebrar socialmente. Escolhemos 31 de Maio, hoje.

Existe, é certo, uma petição. Aliás, três: uma, dirigida à Assembleia da República; outra, para as instituições europeias; e outra, para as Nações Unidas. Essas petições são instrumentos de divulgação e agregação – não se destinam a pedir para ser criado o que já está criado. O Dia dos Irmãos existe desde 2014, instituído pela ELFAC.

Claro que será bom que qualquer dessas instituições públicas, superando partidarismos, o abrace e afirme também. Mas estes “Dias” existem fora de qualquer deliberação política. Onde está a lei ou a resolução que criou o Dia do Pai? Ou o Dia do Mãe? Ou o Dia dos Namorados? Não há. Vivem de afirmações sociais. O Dia Mundial do Escutismo resultou dos próprios escuteiros, que adoptaram o Dia de S. Jorge. O Dia Mundial da Terra decorreu da proclamação de um senador americano que foi fazendo o seu caminho. O Dia Mundial da Voz foi a escolha e decisão das associações de otorrinolaringologistas.

O Dia dos Irmãos já está aí para o celebrarmos; e só existe na medida em que o celebremos. De que serviria qualquer instituição proclamá-lo, se os irmãos não o festejássemos? O que seria do Dia da Mãe se não lembrássemos a nossa mãe, não lhe falássemos com um mimo ou uma graça, não lhe déssemos um beijo ou um abraço, não lhe escrevêssemos um bilhete, não lhe levássemos aquela flor?

De tão habituados estarmos aos eventos do “Portugal sentado”, perguntam-nos por vezes: o que vai acontecer no Dia dos Irmãos? O que vão fazer no Dia dos Irmãos? Será como cada um quiser. Ninguém pode substituir-se à singularidade da nossa relação com os nossos irmãos e à imaginação que cada um escolher. Pode ser uma almoçarada ou jantarada. Aquele encontro alargado de família que se adia há tantos anos, fazendo até o plenário dos irmãos, isto é, com tios, primos e sobrinhos também. Uma conferência telefónica via Skype, entre os que estão longe. Começar um jornal de família ou estrear uma página ou grupo no Facebook. Buscar e partilhar fotografias e vídeos antigos. Um concurso de textos, pequenas histórias, quadras, desenhos. Uma futebolada ou um torneio de matraquilhos, malha ou ping-pong. Redescobrir as caricas e os berlindes e fazer um campeonato. Um festival de karaoke. Um simples reencontro. Isso! O mais importante de tudo: reencontro.

Os irmãos marcam-nos para sempre. São como nossa segunda natureza. Na minha circunstância, só tive um irmão. Melhor dito, só tenho um irmão. É facto que já morreu; mas nunca deixei de o ter. Só vivendo, percebemos o que estou a dizer. Não o entendia antes; entendo-o agora.

Um cancro levou-o de repente: ainda novo, com 61 anos. Um cancro de pulmão de células pequenas: terrível! Um cancro de fumador, particularmente agressivo. Num ano, deixámos de o ter connosco. Foi diagnosticado em Fevereiro; morreu em Março do ano seguinte.

O meu irmão tinha qualidades extraordinárias, não só de inteligência, trabalho e dedicação, mas também de temperamento e alegria. Crescemos muito, cultivando sentido de humor diante da vida, das situações e das dificuldades. O desenvolvimento do cancro teve duas fases: uma, em que pensou num milagre; outra, de contra-ataque inexorável do bicho. Numa das últimas semanas, fui almoçar com ele perto do seu trabalho. Não tinha cabelo, por causa da quimioterapia. Ao sairmos para o restaurante, cruzámo-nos com umas jovens, colegas dele, que fumavam à porta do edifício. O meu irmão, sorrindo muito, olhou para elas e disse-me: “Zé! Eu já disse a estas meninas para terem cuidado: fumar faz cair o cabelo.” Elas sorriram também. Sorriso contido.

Nunca o ouvi lamentar a sua sorte. Mas o meu irmão gostava muito de viver. Adorava a vida. Sinto que partiu triste. Gostava de ter mais tempo. E tinha muito para fazer.

Tenho sempre dúvidas sobre se estas coisas funcionam, pois também fui grande fumador e as recomendações não funcionavam comigo. Mas sinto que a prevenção do meu irmão a quem fuma é esta: “Cuidado! Fumar faz cair o cabelo.”


segunda-feira, 15 de abril de 2013

Tolerância zero, coesão mil

Foto: National Post

Podia ter sido comigo. Podia ter sido com qualquer um de nós. Podia ter sido a tomar o pequeno-almoço com a minha mulher ou a abraçar os meus filhos. Podia ter ido buscar os meus netos. Podia estar a passear o meu cão. Podia estar a andar de bicicleta, num momento de descontracção. Podia estar a ler ou a estudar numa esplanada. Podia estar a trabalhar ali ao lado. Podia estar só a assistir ao final de uma corrida, a torcer por um atleta, a apoiar um último esforço, a entusiasmar-me por um sucesso. Podia estar a embarcar num avião ou já a voar. Ou podia ser num comboio, numa carruagem de metro, num autocarro, num cacilheiro. Podia ser em qualquer lugar, a qualquer hora, em qualquer segundo de azar, onde e quando nunca se está à espera.

É isto que faz tão odioso o terrorismo e tão absolutamente intolerável a ameaça contemporânea do terrorismo global.

Há anos que sustento que esta é a maior ameaça no mundo moderno. A mais sórdida também. Não ataca às claras – é cobarde, escondida, traiçoeira. Não enfrenta forças e poderes – alveja, fere e mata inocentes comuns. Não atinge unicamente a vida e a integridade das suas vítimas – é devastadora também para a segurança, para a liberdade, para a comodidade, para o normal desprendimento do dia-a-dia.

Nada, nem ninguém pode explicar e justificar esta brutal barbaridade em que, volta e meia, nos mergulham. A complacência é tão intolerável como o próprio terrorismo. É também o seu surdo aliado. É preciso erradicar de vez esta ameaça, começando pela sua completa, absoluta, radical ilegitimação. Seja qual for a “causa” que diga servir ou o sector “ideológico” onde se integre, o terrorismo global contemporâneo é a maior ameaça e a mais extensa violação contra os direitos humanos fundamentais. Acabemos com isto.

No Parlamento Europeu, iniciei, em 11 de Março de 2004, o estabelecimento do Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo. Foi no dia dos atentados de Madrid. Ano após ano, tenho-me esforçado por dar mais visibilidade a essa data tão fundamental, uma data de consciência, de solidariedade. de memória, de determinação, de coesão. Muitas vezes, um esforço solitário. As últimas discretas evocações foram em Madrid e numa declaração em Bruxelas, no passado dia 11 de Março. Falta ainda também a declaração universal, no quadro das Nações Unidas, do Dia Mundial em Memória das Vítimas do Terrorismo, onde engasganços burocrato-diplomáticos têm complicado o caminho. É importante consegui-lo. É fundamental reforçar uma coesão de cimento e aço contra o terrorismo e todos os terroristas.

Conheci Boston há 35 anos. Uma cidade maravilhosa, com a sua costa recortada e o Charles River, o Logan Airport, arredores belíssimos, os seus parques e avenidas, carregada de carácter, de história e de tradição, sede de duas das mais reputadas e emblemáticas instituições universitárias dos Estados Unidos da América e do mundo: Harvard e o M.I.T. (Massachussets Institute of Technology).  

Boston não merecia esta chaga. Ninguém merece.

Nos atentados de hoje, que atingiram a chegada da Maratona de Boston, uma das duas vítimas mortais já declaradas é uma criança de 8 anos. Uma criança de 8 anos! Não pode ser.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O futuro é de África

[clique para ampliar]

Estou farto de ouvir que «África é um continente perdido». Só gente sem visão pode pensar e dizer esse tipo de coisas. Sempre pensei o contrário. 

Acharão talvez que exagero na minha "africofilia". E não compreenderão o título deste post, quando são tão más - ainda - as notícias dominantes que nos chegam do continente africano. Perguntarão por que digo eu que o futuro é de África.

É fácil. Basta analisar e estudar os números e quadros das previsões demográficas das Nações Unidas, constantes do "World Population Prospects: The 2010 Revision". Basta olhar para o gráfico acima, cujo original pode ser consultado aqui. Que nos diz o gráfico?

O continente africano tem, hoje, apenas 14,8% da população mundial. Subirá para 23,6% em 2050 e  para 35,3% em 2100 - por outras palavras, África corresponderá a 1/4 e a 1/3 do mundo, respectivamente a meio e no final deste século. Conhecerá sensível melhoria da situação sanitária, contínuo crescimento económico, progresso social e assinalável aumento do peso político global. Mora aí o futuro. 

A Europa é que, se não se cuida, coitadinha... Cairá de 10,7% da população mundial, para 7,7% em 2050 e 6,7% em 2100. Ainda por cima envelhecida e fraca.

Portugal do futuro: a catástrofe demográfica


Não sei o que me surpreende mais: se a notícia em si, publicada em Maio do ano passado; se o facto de não ter gerado reacções. Não houve nem alarme, nem nenhuma mostra de preocupação nas altas esferas de decisão.

E, todavia, só o título em si arrepia: Portugal vai perder 4 milhões de pessoas até 2100 - uma previsão do relatório "World Population Prospects: The 2010 Revision", publicado pelas Nações Unidas. 

Esta é, aliás, apenas a previsão média, de acordo com a qual, estudando um pouco mais, verificamos que Portugal irá perder, em média, a cada 5 anos, 235.000 habitantes, ou seja, perdemos um concelho como o do Porto todos os cinco anos. Nesse cenário, evoluiremos ao longo do século num quadro demográfico desastroso: seremos cada vez menos e mais velhos - a idade média da população passará para cima dos 50 anos de idade por alturas de 2030 e por aí se manterá grosso modo. Apesar de essa previsão apontar para uma recuperação progressiva do índice de fertilidade a partir de 2020 (hoje, nos 1,3), a recuperação é muito lenta e insuficiente: ainda estaremos em 1,99 em 2100, abaixo dos 2,1 que asseguram a mera reposição das gerações. E evoluiremos de uma pirâmide demográfica invertida (situação em que estamos a entrar e a que chegaremos por volta de 2050) para um quadro de tronco demográfico em 2100: população igual em todos os estratos etários dos 0 aos 70 anos, com quebra apenas a partir daqui.

Se analisarmos a previsão baixa, os números são ainda mais assustadores: um verdadeiro cataclismo demográfico. Em 2100, a população portuguesa terá caído para 3,7 milhões de habitantes, perdendo nós, em média, 410 mil habitantes a cada 5 anos - Portugal perderia todos os cinco anos o equivalente aos concelhos de Sintra e Mafra, incluindo Agualva, Cacém, Algueirão, Mem Martins, Queluz, Monte Abraão, Massamá, Rio de Mouro, Colares, Ericeira, etc. A idade média dos portugueses passaria para cima dos 60 anos a partir de 2060, arrastando-se depois nesse patamar. Perderíamos, neste século, 7 milhões de habitantes, caindo para cerca de 1/3 do que somos.

Por seu turno, numa hipótese de taxa de fertilidade constante, a população portuguesa cairá para 5 milhões até ao final do século. Nessa hipótese, perderemos todos os cinco anos o equivalente aos municípios de Cascais e Oeiras, incluindo Estoril, S. Pedro, S. Domingos de Rana, Parede, Carcavelos, Santo Amaro, Paço d'Arcos, Algés, Carnaxide, Miraflores, Linda-a-Velha, etc. - iremos perder, em média, 335.000 habitantes a cada 5 anos. Nesta hipótese, a idade média dos portugueses passará para cima dos 50 anos em 2035 e dos 55 anos em 2065. E seríamos, no fim do século, metade do que somos hoje. Note-se ainda que esta hipótese, por sinal, estima a taxa de fertilidade actual em 1,36, quando efectivamente já estamos pior que isso: 1,31.

É verdadeiramente terrível o declínio a que a cultura anti-família e anti-natalidade nos conduz, desde os anos '80 e de forma cada vez mais aguda: seremos menos, muito poucos, envelhecidos, mais pobres, mais sós e mais fracos. 

Teremos cada vez mais aldeias abandonadas, porventura vilas desertas e cidades de bairros decadentes. O quadro será de falta de dinamismo económico e crise social profundíssima - porventura a completa insustentatibilidade. Não percebo por que não houve ainda um sobressalto.

Leio no EXPRESSO que o Presidente da República irá retomar os "Roteiros do Futuro" e dedicará o próximo (17 de Fevereiro) justamente ao tema do declínio da fecundidade na Europa e em Portugal. Faz bem. Tem sido dos poucos a tocar esta tecla. O Bloco e a esquerda socialista continuam alegremente a brincar às agendas fracturantes. E os partidos dominantes continuam sem capacidade ou sensibilidade para assumirem uma clara agenda pró-família e pró-natalidade. Uns por falta de convicção, outros por complexo.

Temível futuro se prepara a Portugal. Sobretudo para as mais novas gerações. Esses que vão chegar a 2100 serão, quase todos, aqueles que ainda não nasceram. Coitados!

E, todavia, é bem possível dar a volta.