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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A Inventona


Fica sempre bem inventar a alguém de quem não se gosta o epiteto de «anti-semita».

Trump já foi acusado de ser anti-muçulmano; anti-imigrantes; anti-mexicano; anti-chinês... Agora calhou-lhe ser acusado de anti-semitismo.

Aqui há uns meses, aventou a hipótese de acabar com a hipocrisia e mudar a embaixada dos EUA em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Foi logo acusado de anti-árabe e de ser um radical sionista. A prova avançada era a influência do genro que é um judeu de Nova Iorque.

Agora de repente, calha na narrativa anti-Trump acusá-lo de anti-semistismo. Afinal, a filha casou-se com um Judeu e converteu-se ao judaísmo para DISFARÇAR o anti-semistismo da família. Ora toma!

Trump é, portanto, o primeiro sionista radical anti semita. Notável!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O desafio de Donald Trump

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.
Não tenho dúvida dos perigos, mas também das oportunidades, gerados pela chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.


O desafio de Donald Trump

A eleição e a tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, bem como as suas primeiras semanas de governo, estão a provocar um enorme alvoroço em todo o mundo e os governantes, os comentadores e os meios de comunicação do planeta já afirmaram quase tudo e o seu contrário acerca da influência global das decisões do novo presidente. O que resulta, infelizmente, de se olhar bastante mais para a personalidade controversa deste empresário feito presidente do que para a qualidade das democracias e dos governos para resistir às previsíveis ameaças, bem como para a necessidade de instituições que governem a globalização. De facto, o sucesso de Trump é o resultado da fraqueza da maioria dos governantes do nosso tempo para responder de forma adequada às necessidades e aos anseios dos cidadãos, bem como o vazio de poder, nomeadamente do poder de decisão, das democracias.

Não duvido de que, como presidente do país mais poderoso do mundo, Donald Trump seja um homem perigoso, nomeadamente no plano militar, mas duvido que a confusão que se está a deixar criar como resultado da governação fraca e populista das principais democracias seja a melhor forma de lidar com o assunto. Por isso, as reações e as preocupações da opinião pública mundial dirigem-se principalmente para as questões do folclore comunicacional de Donald Trump, nos temas sociais relativamente menos importantes, como a imigração ou o clima, onde cada país é livre de seguir as suas próprias convicções, temas em que as instituições americanas são, por si só, suficientemente fortes para corrigir quaisquer desvarios. Ao mesmo tempo, estão a deixar sem resposta os desafios em que Donald Trump pode ser realmente perigoso, como o equilíbrio geoestratégico ou a liberdade de comércio.

Resulta assim que os diferentes governos dos países democráticos, nomeadamente da União Europeia, terão toda a vantagem em concentrar a sua atenção nas alterações económicas, e principalmente militares, que o novo presidente norte-americano possa introduzir na governação global. E, nesse domínio, as posições de Donald Trump são relativamente claras: admira os fortes e detesta os que considera fracos, como é o caso, por exemplo, da União Europeia. Por isso, os seus aliados naturais são os países militarmente mais fortes – Rússia, Inglaterra, Israel e, possivelmente, a Turquia –, relações que utilizará para isolar, económica e militarmente, a China, o seu inimigo principal.

Penso que não será suficientemente louco para desejar a guerra, mas acredito que utilizará uma maior projeção do poder militar norte-americano do que aconteceu no passado mais recente, para obter efeitos favoráveis na economia e, porventura, no terrorismo. Afastar-se-á, portanto, da tradição dos Estados Unidos de contenção e de intervenção militar destinada à defesa das democracias, o que torna a NATO uma questão central da nova presidência, nomeadamente para a Europa, onde os partidos radicais de esquerda deveriam repensar as suas posições, tornadas agora mais difíceis de justificar.

Na economia, as propostas contraditórias de Donald Trump não se compadecem com a realidade económica dos próprios Estados Unidos, nem possibilitam alterações atingíveis pela negociação com os outros países. Em grande parte, as suas ideias vão em sentido contrário à evolução económica mundial. Por isso, assistiremos certamente a muitas decisões unilaterais, nomeadamente em setores limitados, como na energia e na indústria mais tradicional, ou a sua presidência seria rapidamente um enorme fracasso.

É previsível que o novo presidente vá ter algumas dificuldades internas e também externas, e, entre estas, a Rússia de Putin não vai ser um parceiro fácil, restando saber que cedências serão feitas do lado americano – cedências que podem ser perigosas, em particular para a Europa. No plano interno, os meios de comunicação serão um problema permanente para Trump e não vejo que as redes sociais constituam um instrumento suficientemente forte e duradouro para superar essa dificuldade, em particular quando passar a primeira fase de encantamento de muitos americanos. Também os novos setores da indústria avançada e dos serviços serão um obstáculo acrescido, porque não acredito que a nova política protecionista anunciada para a economia americana possa contrariar a importância das tecnologias americanas nas suas relações com o exterior sem uma enorme controvérsia interna, e também porque as suas políticas neste campo da economia permitem uma maior resistência dos outros países em todo o mundo.

A grande incógnita nesta equação é a forma como a China reagirá em presença de alterações da política externa americana, económica e militar, que contrarie os interesses chineses no mundo e a sua estratégia longamente delineada. Neste ponto, não posso deixar de recordar a tese chinesa de que a China é um país suficientemente grande e populoso para poder sobreviver a uma guerra nuclear. Não é provável, mas todos sabemos como, na história dos povos, o improvável se torna subitamente real.

Em resumo, não tenho dúvida dos perigos, mas também das oportunidades, gerados pela chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Por isso, em vista das fragilidades e dos vícios dos governos democráticos um pouco por todo o mundo, confio principalmente no povo americano e na qualidade das suas instituições democráticas para controlar o que de mal possa resultar desta nova presidência, com base na convicção de que é pela qualidade da democracia que melhor poderemos manter a paz e vencer as crises – convicção que, no plano nacional, está inscrita no manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A culpa é do Trump!

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído ontem no jornal i
Era da maior importância que o público português estivesse informado não da versão “Disneylândia” dos acontecimentos, mas da versão real e complexa das causas das consequências que nos acontecem.

Peña Nieto e Donald Trump, Presidentes do México e dos EUA

A culpa é do Trump!
Ao longo da última semana, os jornais portugueses têm-se cansado a atribuir culpas de tudo o que de mau acontece no mundo ao novo presidente dos EU. A lista é longa, mas inclui zangas de socialites de Hollywood e abortos que correm mal em África.

A última desgraça que atribuímos ao Donald é a “zanga” com o presidente do México, Peña Nieto, por este se recusar a pagar “o muro” e a declaração do Donald de que, para pôr os mexicanos a pagá-lo, vai impor taxas aduaneiras sobre as importações do México na ordem dos 20%.

O comportamento do Donald é, de facto, infantil e rasteiro, ao nível do Tio Patinhas e dos Metralhas; mas convinha ter presente que nem tudo o que parece é. Era da maior importância que o público português estivesse informado não da versão “Disneylândia” dos acontecimentos, mas da versão real e complexa das "causas das consequências que nos acontecem", como diz o prof. Adriano Moreira.

O mundo em que vivemos está realmente perigoso e, como sempre, pequenos acontecimentos podem espoletar cataclismos impensáveis; mas não valerá a pena aceitar acriticamente as versões mais infantis da realidade. Pelo contrário, se queremos viver como cidadãos informados, condição necessária para o pleno exercício de uma democracia de qualidade, temos de usar de um filtro crítico muito forte em relação a notícias dadas de forma ligeira e sensacionalista.

O caso do México e do muro é um excelente exemplo: é sabido que o presidente Trump pretende concluir a construção do muro fronteiriço com o México que foi iniciada na presidência Clinton. Tirando os excessos retóricos e as figuras de estilo donaldianas, o assunto nos EU é muito sério e até tem merecido um largo consenso. Menos consensual é a ideia de que os mexicanos devam pagar por um muro construído no exclusivo interesse americano.

Com a infantilidade perigosa que já lhe vamos conhecendo, o Donald declarou que vai impor taxas aduaneiras de 20% sobre os produtos importados do México, para pagar o muro. Como o valor do saldo positivo das importações é de 58 mil milhões de dólares para o México, 20% equivaleriam a 10 mil milhões, custando o muro sensivelmente isso – ou seja, chegava.

Dito assim, é de anedota: impor taxas aduaneiras ao México implicaria uma ação unilateral dos Estados Unidos que, de uma penada, punha termo ao tratado NAFTA (que só o Congresso pode terminar) e abria uma guerra comercial de consequências em cascata imprevisíveis – o Donald no seu melhor.

Porém, a realidade, menos colorida mas não menos impactante na nossa vida, é diferente e tem a ver com o sistema fiscal americano: simplificando, os EUA tributam os rendimentos universais das suas empresas por uma das taxas mais altas do mundo desenvolvido, 35%. A ideia é reduzir essa taxa para 20%, pondo simultaneamente termo à tributação dos proveitos realizados no exterior, mas – e o “mas” é fundamental – deixando igualmente de considerar os custos para as empresas americanas das importações feitas do exterior.

Desta feita, a consequência é que o valor das importações seria tributado em sede de IRC à taxa de 20%, porque deixaria de ser dedutível como custo. Não as importações do México, mas todas. Esta reforma do sistema fiscal das empresas está há muito a ser discutida e é um dos projetos mais queridos do Partido Republicano americano, sendo o seu principal defensor o presidente da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, e não Trump.

No fundo, trata-se de uma coisa que existe em muitos outros países, os diferenciais aduaneiros, a que os americanos chamam border adjustments.

Segundo os peritos, esta reforma do imposto das empresas não deve ser considerada como uma medida de efeito equivalente a uma taxa aduaneira. A teoria é a de que o sistema é compensado por uma subida concomitante do valor do dólar que tenderia a anular os efeitos do imposto. As contas apontam no sentido de que, para compensar integralmente o imposto, o dólar teria de subir 25%.

Ou seja, de uma forma ou de outra – subida do dólar ou efeito protecionista –, os efeitos do caso “muro do México” vão fazer-se sentir em Portugal. Se o presidente Trump insistir na ideia infantil de fazer os mexicanos pagar pelo muro, é caso para dizer que vamos pagar todos.

Num mundo já de si extremamente complexo e perigoso, esta complexidade adicional pode ser a gota de água que (não) nos faltava para fazer desmoronar a nossa fragilíssima ecologia económica.

Saber isto pode não ser tão colorido como vituperar o Donald pela sua consabida “infantilidade”, mas é provavelmente mais útil para a nossa avaliação do mundo que nos rodeia. E só cidadãos informados podem fazer escolhas conscientes.
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

November surprise

"A Europa, os países e os cidadãos europeus terão que fazer-se à vida, pois o guarda-chuva americano irá provavelmente acabar."

A surpresa

November surprise


O ambiente é de “day after”. Da euforia dos prosélitos “trumpistas” à incredulidade esmagada dos adeptos “clintonianos”, passando pela geral perplexidade dos observadores, mais ou menos terceiros, as reacções falam por si. Ninguém estava à espera. A não ser talvez Donald Trump, ele próprio. Mesmo os apoiantes mais fervorosos não creio que acreditassem – queriam muito que ganhasse, o que é coisa diferente de acreditar.

Este 8 de Novembro fica como o DTPF, o Dia em que Todas as Previsões Falharam. Realmente, falharam todas, mesmo ao fecho das urnas e já com a contagem a decorrer. A mais significativa é a que se precipitou a interpretar a muito elevada afluência às urnas como um sinal positivo para Hillary: os americanos acorriam a votar para barrar o caminho a Trump. Isso terá talvez acontecido com muitos. Mas também aconteceu ao contrário; e em maior número. Foram muitos que afluíram a votar para assegurar que a mudança iria mesmo produzir-se e não voltariam a uma administração Clinton, uma espécie de “kirchnerismo” norte-americano.

Talvez se tenha dito demasiado mal de Trump. E é bem possível que isso o tenha beneficiado. Com o profundo desprestígio do “sistema” – na Europa, nos Estados Unidos, no mundo, no Ocidente – é bem possível que muitos tenham concluído: «Se dizem tão mal dele, então deve ser bom.» E votaram em consequência.

Trump representou eleitoralmente o campo à direita. Num sistema completamente bipolarizado, era o único que o fazia. E, por conseguinte, não posso estar horrorizado ou totalmente desagradado com a sua vitória. Há qualquer coisa ali que me interpela e me chama para o benefício da dúvida.

O discurso de vitória – bem pensado – deu surpreendentes bons sinais. Mas não é possível fazer de conta que quem venceu é, por exemplo, um John McCain. Não, não é: foi Donald Trump quem ganhou, não outro. Trump com os seus excessos, com propostas inaceitáveis, com uma perigosa atracção pela provocação. Um personagem que inquieta e assusta. A mim também.

Se calhar, era preciso isso para ganhar. Se calhar, foi por isso que John McCain não ganhou e ele sim. Se calhar, o sistema é tão poderoso que só um boxeur coriáceo o bateria. Se calhar... É preciso rejeitar e detestar muito o “sistema” para eleger um Presidente que fez a campanha que vimos. Possivelmente era necessário cabedal de granito para resistir a todo o tipo de golpes baixos e sujos como desenterrar uma gravação pirata de 2005 carregada de conversa grosseira. O mesmo também quanto a Hillary, sejamos justos, que teve de enfrentar um FBI que desenterra e arquiva e-mails na recta final da campanha, ora prejudicando, ora favorecendo. Que sistema é este que a isto chegou?

Os tempos são de prudência e de atenção. Muita atenção. Viva a democracia, sempre, é certo. E há o famoso sistema dos “checks and balances” – com um Congresso que, continuando Republicano, não é “trumpista”. Todavia, convém não esquecer a substância e o conteúdo da campanha, fazendo de conta que é tudo rosas e que estas rosas não têm espinhos. Sim, é verdade que “tudo está bem, quando acaba bem” – mas não acabou; em verdade, ainda não começou sequer.

Estando à direita, celebrarei que não se confirmem as piores previsões que tantos fizeram sobre o futuro Presidente dos Estados Unidos da América. Também me inquietam. Detestaria que fossem verdade. Espero ser surpreendido – e dizer que me enganei. Mas não estou só com um pé atrás. Estou com os dois.

Na agenda americana, incomoda-me a política quanto à aquisição livre de armas ou a ideia de partir a galope para fazer revogar o Obamacare. E agrada-me o empenho (positivo, a vários títulos) que manifestou quanto à obra pública e à modernização e reconstrução da infraestrutura. Mas isso é menos da minha conta. Tocam-me mais aspectos que têm a ver a segurança mundial. E também o efeito Trump na política global. Tenho muitos pontos de interrogação, a que só o tempo concreto dará respostas.

Uma coisa parece certa: a Europa, os países e os cidadãos europeus terão que fazer-se à vida, pois o guarda-chuva americano irá provavelmente acabar. Se formos capazes de o perceber a tempo e formos inteligentes e lestos na forma de o fazer, menos mal. Esta é uma percepção urgente. Estamos sempre melhor com as nossas próprias forças. Os amigos e aliados são bons para nos socorrer, não para nos sustentar ou levar ao colo.

Não podemos continuar, como nas últimas décadas, a dizer sempre mal dos americanos, mas a viver sistematicamente à custa dos seus riscos, das suas perdas e do seu orçamento. Temos de assumir a coragem do nosso destino. Temos de parar de alimentar os nossos fantasmas e de viver de prosápia, sobranceria e indolência. Chegou o tempo de assumir mesmo os nossos sonhos – e servi-los. Ora, os sonhos só se servem com a realidade. Sem esta, desfazem-se – e morrem. 

9 de Novembro de 2016

José Ribeiro e Castro

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Um, dois, três, lá vamos nós outra vez…

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
Ai desta classe política, que se não se corrige rapidamente e de forma drástica, se continuar enredada nos seus joguinhos bizantinos, vai descobrir um dia que foi submersa por uma onda de indignação popular.


Um, dois, três, lá vamos nós outra vez…
Mohamed El-Erian, um conhecido economista, publicava há dias mais um artigo no blog Project Syndicate com o título “Toxic Politics Versus Better Economics”.

Sustenta que a relação entre a política e a economia está a mudar: a classe política dos países desenvolvidos está comprometida em conflitos frequentemente tóxicos e bizarros em vez de discutir e tentar chegar a um consenso alargado sobre a questão de como escapar a um período, que já vai muito longo, de crescimento anémico e desigual.

O risco desta situação, adverte-nos, é que a má política pode acabar por expulsar a boa economia e que a frustração e indignação das populações acabe por submergir a boa política e tornar o debate ainda mais tóxico.

Numa nota complementar, o falecido sir Ralf Dahrendorf (1929-2009) escrevia em 2006 um artigo, “Parties and Populists” (Project Syndicate), em que sustentava que o centro social estava a desaparecer e que, se nada fosse feito para travar a deriva polarizadora do debate político para os extremos, cedo ou tarde nos veríamos confrontados com fenómenos populistas e autoritários. Premonitório…

Também já aqui escrevi sobre estes temas e sobre a nova vaga dos angry voters, aquela parte das classes médias que sente estar a perder com a globalização e não vê as suas preocupações representadas pela classe política.

São os angry voters que dão sustento à inacreditável campanha de Donald Trump, aos líderes autoritários que surgem com frequência crescente na Europa, que invertem os resultados mais óbvios e lógicos dos referendos sobre questões essenciais (Brexit é um bom exemplo) e que votam em partidos de extrema-esquerda (e extrema-direita), pulverizando o quadro político e tornando os países ingovernáveis.

Enquanto as classes médias – e antigamente ascendentes – sentirem na pele o peso excessivo dos impostos, a diminuição crescente da rede de apoio social e a distância cada vez maior de uma classe política embrenhada em discussões tóxicas, desagradáveis e bizantinas, sem dúvida que estarão abertas, também crescentemente, a apoiar populistas e demagogos.

Aqui, na Península Ibérica, posso dar dois exemplos recentes do absoluto desprezo que a classe política manifesta pelas preocupações dos seus “constituintes”: recentemente, em Espanha, o governo de Mariano Rajoy foi obrigado a aceitar a demissão de um ministro envolvido em mais um escândalo de corrupção. No dia seguinte à última votação nas Cortes em que o governo foi mais uma vez chumbado, o ex-ministro foi nomeado para um altíssimo cargo no Banco Mundial. Corrupto mas não imprestável, pelos vistos…

Em Portugal temos o caso da Caixa Geral de Depósitos, em que é nomeada uma nova administração que vai ganhar o triplo da anterior. Trata-se de uma instituição à beira da falência, em que o Estado injeta, para a “recapitalizar”, ou seja, salvar, milhares (muitos) de milhões de euros que vão sair, obviamente, dos bolsos de quem paga impostos.

Verifica-se que a nova administração aceitou o encargo depois de ter contribuído para estabelecer um plano de reestruturação da Caixa, tendo-o feito enquanto os seus membros eram administradores de um banco concorrente da Caixa. Pedro Passos Coelho, presidente do PSD, interroga-se sobre se os pressupostos do plano foram fornecidos aos administradores de um banco concorrente, que assim passou a ter acesso aos segredos mais íntimos da Caixa. É uma interrogação válida e legítima.

O novo presidente da Caixa, um banco público salvo com muito dinheiro público, vem responder ao líder do partido mais votado e maior partido da oposição que, se ele soubesse alguma coisa de contas, nem colocaria a questão: os dados usados para o plano são públicos, são as contas da CGD.

Ou seja, não responde à pergunta feita e ainda é impertinente: se o grande e maravilhoso plano que consiste em injetar na Caixa uns largos milhares de milhões de euros foi feito em cima do joelho com base em informação do domínio público, é estarrecedor. Se não foi e foram usados elementos da Caixa que são segredo seu, foram ou não postos à disposição de um banco concorrente?

De tudo isto resulta que António Domingues, o “salvador” da Caixa, afinal é mais um apparatchik socialista, mais preocupado em pôr em cheque Passos Coelho do que em levar a bom porto a sua missão no banco.

Como é evidente neste combate, em vez de estarmos a discutir o interesse nacional de reestruturar e pôr a funcionar devidamente o maior banco – público – do país, estamos a assistir a um debate puramente politiqueiro. Os contribuintes, que pagam o plano, assistem a mais este episódio e podem fazer o quê?

Deste filme só podemos sair emigrando, que é uma forma pessoal de fazermos o nosso próprio bailout: fugir para onde não haja uma dívida pública tão elevada que ponha em causa o nosso futuro. É isto que se espera de nós?

Ai desta classe política, que se não se corrige rapidamente e de forma drástica, se continuar enredada nos seus joguinhos bizantinos, vai descobrir um dia que foi submersa por uma onda de indignação popular, não para bem da democracia nem da qualidade da democracia, mas para mal de todos. Já faltou mais, e não era pior que “essa” gente se convencesse que ou muda de vida, ou a vida muda-os a eles.
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.