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sexta-feira, 17 de julho de 2015

A falta de solidariedade com a Grécia: ora, puxem lá das calculadoras!

Plenário da Assembleia da República
3-Julho-2015

Todas as posições são legítimas, mas - é sabido - há umas que são mais verdadeiras do que outras. E algumas há que são completamente enganadoras e muito mentirosas.

Um dos mais flagrantes exemplos actuais é a ideia - e a afirmação - de que não tem havido (e não está a haver) solidariedade internacional com a Grécia, sobretudo por parte da União Europeia e dos seus Estados-membros.

Vamos, então, fazer umas continhas:
  • 2010 - 1º resgate: empréstimo à Grécia de 110 mil milhões de euros da troika
  • 2012 - 2º resgate: novo empréstimo à Grécia de 130 mil milhões de euros da troika 
  • 2012 - haircut, reestruturação da dívida grega, com perdão de 107 mil milhões de euros à custa dos credores, privados incluídos
  • 2015 - ELA, ajuda de liquidez de emergência do BCE, até mais de 90 mil milhões de euros
  • 2015 (em discussão) - 3º resgate: novo empréstimo de 86 mil milhões de euros do MEE - Mecanismo Europeu de Estabilidade 
Se a minha calculadora não mente, os montantes de ajuda disponibilizados à Grécia em cinco anos, ascendem a 523 mil milhões de euros! Tudo à custa do esforço de todos os outros, no equivalente a três vezes o nosso PIB.

Só a ajuda de liquidez de emergência assegurada pelo BCE, para que os bancos gregos continuassem a operar e as máquinas de multibanco a funcionar nestas semanas difíceis, foi superior ao nosso único resgate com a troika de 78 mil milhões de euros em 2011. E o perdão de dívida de que o Estado grego beneficiou foi equivalente a 52,3% do seu PIB desse ano e a cerca de 1/3 da dívida então existente.

Se isto tudo não é SOLIDARIEDADE, então já ninguém sabe o que significa a palavra solidariedade.

Tratem é de responsabilizar a incompetência dos governos gregos e a gritante irresponsabilidade dos seus políticos e dirigentes. E deixem a Europa e os outros europeus em paz.

terça-feira, 3 de março de 2015

Por que ataca Tsipras Portugal e Espanha?

"O sul é vermelho!"

O tom com que Tsipras atacou Portugal e Espanha, neste fim-de-semana, surpreendeu. As acusações foram, nada mais, nada menos, de que os governos português e espanhol quiseram «derrubar o governo do Syriza» e «levar a Grécia para o abismo». Foi ao ponto de sustentar mesmo, a apimentar o quadro, que Portugal e Espanha formaram um «eixo contra Atenas» (designação sugestiva...) e afirmou não ter dúvidas sobre que se tratava de um plano deliberado e bem urdido: «O plano era – e continua a ser – o de provocar desgaste e derrubar o nosso Governo ou forçar-nos a uma rendição incondicional, antes que o nosso trabalho começasse a dar fruto e antes que o nosso exemplo afectasse outros países.»

A coisa não podia ser mais delirante.

Jamais se ouvira algo assim nas relações entre governos europeus; e, por isso, o ataque causou estranheza, tendo sido logo criticado por terceiros atentos como uma «falha», enquanto Tsipras já aparenta sinais de recuo e surge a falar na necessidade de «diálogo» e de evitar «qualquer má interpretação». Ao mesmo tempo, declara negar a necessidade de criar «inimigos externos», um velho tique dos leninistas, mas deixa a dúvida sobre se isto não será outra velha táctica de mestre Lénine: dois passos em frente, um atrás.

A questão é saber por que motivo Tsipras, um líder político experiente e de sucesso, fez efectivamente aquilo. E fê-lo exactamente na primeira reunião do comité central do Syriza, pós-eleições.

A única explicação objectiva está na proximidade de eleições legislativas em Portugal e Espanha. O Syriza, junto com os seus compadres espanhóis e portugueses, aspira a vitórias do Podemos em Espanha e de uma amálgama de esquerda em Portugal (PS/BE/Livre e mais-não-sei-o-quê-que-por-aí-se-anda-a-formar). 

A estratégia é simples: por um lado, alimentar o discurso anti-troika e os sentimentos anti-germânicos; por outro lado, apontar que os governos à direita estão do lado dos "maus" (os alemães) contra os "bons" (os gregos). Tudo envolvido na "heroicidade" dos "guerreiros negociadores gregos" e no glamour de Varoufakis. No fim de tudo, passada a fase dos PIGS e dos PIIGS, sonham vir a entoar, em coro: "O Sul é vermelho!" Talvez até cantando de novo a Internacional.

Que Espanha escapou por um triz à troika, que os programas de ajustamento correram fundamentalmente bem na Irlanda e em Portugal e que só falharam na Grécia porque não cumpriu quase nada - é o que não interessa. Que os "bravos negociadores" gregos tiveram que ceder quase tudo, diante do banho da realidade - é o que importa pôr e manter na sombra. Que os governos Rajoy e Passos Coelho defendem os interesses portugueses e a capitalização dos sacrifícios feitos e não estão ao serviço nem de alemães, nem de gregos - é o que importa desacreditar.

É fundamental que o governo grego arrepie caminho e mostre sentido de responsabilidade. Não vem mal ao mundo que os partidos afins tenham relações interpartidárias e se apoiem mutuamente, isto é, que o Syriza se relacione com o Podemos e o BE, se é assim que gostam. Mas querer transformar o Conselho Europeu num tabuleiro de estratégias e tácticas eleitorais seria uma irresponsabilidade completa e um caminho suicidário, que se pagariam muito caro. Faria muito mal à própria Grécia e seria mais uma deriva para o desastre de que a Europa não precisa nada.

O lugar para protestar, governo a governo, é pela diplomacia e embaixadores, não por métodos que sejam apelidados de "queixinhas". Passos Coelho fez bem em desmentir o alegado "protesto" em Bruxelas e o respectivo folhetim que se armou. Mas o assunto é sério. E merece ser analisado e tratado com seriedade e determinação nos termos apropriados e com impecável rigor, quer no plano das relações bilaterais, quer no funcionamento multilateral das instituições europeias.

O Conselho Europeu não é um bando de rapazes, de cachecol, bandeiras e autocolantes, entretidos em campanhas eleitorais. É uma instituição de que depende o futuro da Europa e dos cidadãos europeus.

segunda-feira, 2 de março de 2015

A maldade alemã, a solidariedade grega e a subserviência portuguesa

O tema das relações entre Portugal e a Alemanha é um tema recorrente no escasso debate público europeu dos últimos anos, nomeadamente quanto a saber se a Alemanha "manda demais", ou não, se deveríamos, ou não, alinhar pelo "anti-germanismo" que alguns círculos, predominantemente à esquerda e na extrema-direita, alimentam.

Esse debate aqueceu novamente na sequência das últimas eleições gregas e da formação do Governo Tsipras.

Pedimos uma reflexão sobre o assunto a Pedro Sampaio Nunes, que, ainda há dias, teve internções magníficas a este respeito e de outros temas da actualidade europeia, no programa PRÓS & CONTRAS, na RTP-1.


A maldade alemã, a solidariedade grega e a subserviência portuguesa 
Temos assistido nestes últimos dias a afirmações surpreendentes ainda na sequência da vitória do Syriza na Grécia, país submetido ainda a um processo de ajustamento condicional aos dois empréstimos feitos ao País pela troika das Instituições, depois daquele ter perdido acesso aos mercados de financiamento internacional. 
Uma das teses que correm, muito popular junto à esquerda nacional e a algumas figuras do centro-direita que se têm notabilizado pela sua postura de crítica sistemática ao actual Governo legítimo de Portugal, em contradição com o que afirmavam num passado recente, nomeadamente quando assumiram funções de Governo. 
Essa tese, em síntese, diz que o Governo Português se tem portado de forma subserviente à Alemanha e de forma pouco solidária com a Grécia, prejudicando assim os interesses do Povo português, uma vez que as vantagens que a Grécia vai obter seguramente no processo negocial com o Eurogrupo poder-nos-ia beneficiar também. 
Ora, nada mais falso. Façamos uma pequena incursão na história recente, para enquadrarmos um pouco esta questão. 
Estava Portugal a negociar a sua adesão há 7 anos, desde 1977, quando em 1984, o governo de Thatcher, solicitou a devolução de parte substancial da sua contribuição para os cofres comunitários. Com efeito, a Política Agrícola Comum absorvia 80% do orçamento comunitário e beneficiava de forma desproporcionada a França, penalizando o Reino Unido, à época apenas o segundo país menos desenvolvido da Comunidade. A Grécia tinha entrado em 1981, e as negociações com os Países Ibéricos arrastavam-se sem fim à vista. 
Ora após intensas negociações na Cimeira de Fontainebleau,  pela mão da Alemanha e de Delors,  foi alcançado um compromisso  em que se aceitou o ”rebate” inglês, contra o acordo para a conclusão célere das negociações com Portugal e Espanha. Assim nessa altura já a Alemanha se dispôs a custear ainda em maior proporção a construção europeia, de forma a acelerar a entrada dos dois novos membros. No entanto, em Fevereiro de1985, já mesmo no fim das negociações, o governo do PASOK de Papandreou colocou na mesa uma chantagem no valor de 2 000 milhões do que hoje seriam euros. Só aceitaria a entrada dos dois novos futuros membros se fosse entregue à Grécia esse montante, para compensar a pretensa concorrência que essas duas economias lhe fariam quando entrassem no mercado comum. 
E mais uma vez a Alemanha aceitou pagar essa factura, dos PIMs, que viriam mais tarde A ser usados como precedente por Delors, para propor a nova política da Coesão Económica e Social, que não existia nos Tratados iniciais, e que passaram a ser hoje a rubrica do orçamento comunitário mais expressiva, significando para Portugal transferências anuais líquidas da ordem dos 4 000 milhões de euros anuais, através dos Fundos Estruturais. 
Por essa razão, nem a Alemanha demonstrou nenhuma maldade no processo histórico da construção europeia, antes pelo contrário, nem a Grécia mostrou qualquer solidariedade com os outros países que emergiam de regimes autoritários como o seu, e que as velhas democracias ocidentais queriam amarrar ao comboio de prosperidade e liberdade que é a União Europeia.
Já quanto à alegada subserviência portuguesa, é mais um logro em que a pequena politiquice nacional nos quer fazer cair, com a cumplicidade dos que deveriam saber bem do que falam. Portugal cumpriu o Memorando de Entendimento com determinação e, mais uma vez e como em 1983 e 1977, com resultados espectaculares no que refere á rápida resposta da economia nacional ao Programa de ajustamento. Por essa razão, Portugal apresenta-se nos fora internacionais orgulhoso de ter conseguido, tal como a Irlanda, uma saída limpa, que ninguém, mas ninguém, antecipava ainda há cerca de um ano! Isso é subserviência à Alemanha? Porquê? O Memorando de Entendimento foi assinado entre Portugal, o FMI, o BCE e a Comissão europeia, em representação do Eurogrupo. Em nenhuma destas instituições a Alemanha dispões de mais de 8 % dos direitos de voto. E as posições nestas instituições são consensuais. Por isso, um pouco mais de trabalho de casa evitaria muito dos disparates que se ouvindo hoje nos media… 
Pedro SAMPAIO NUNES
Engenheiro
Ex Sub Director Geral das Comunidades Europeias (de 1983 a 1986)
Ex Chefe de Gabinete adjunto do Comissário Cardoso e Cunha (de 1986 a 1992)
Secretário de Estado da Ciência e Inovação no XVI Governo Constitucional

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A paz grega


Agora, que acabou a dança negocial entre o novo governo grego e as autoridades europeias, é que chegou o tempo de balanço.

Primeiro, uma saudação: ainda bem que houve acordo. O acordo parece equilibrado, como ressalta da síntese apresentada pela RR: Os cinco pontos do acordo entre Grécia e instituições europeias.

Depois, uma previsão quanto à "comentocracia" reinante: do lado das agendas alinhadas, cada um, conforme o seu lado, procurará sublinhar ora que foram os gregos que triunfaram ("viva a coragem do Syriza que desafiou e venceu os eurocratas!"), ora que foi o governo grego que recuou em toda a linha num remake do que acontecera já com François Hollande em França ("a Europa não é para irresponsáveis e a Grécia também teve que entrar na linha"). Quanto aos ministros gregos, procurarão naturalmente exaltar uma "vitória", pois têm que se justificar perante os seus eleitores; e, em países com eleições à porta, como Espanha e Portugal, as oposições também irão "syrizar" em abundância, mostrando-se mais gregos do que os gregos, na crença de que assim entalam os seus governos nacionais. 

É a tudo isso que já estamos a assistir, como a RR ilustra neste breve apanhado: Reacções ao acordo do Eurogrupo com a Grécia. Ou neste artigo de opinião de Paulo Ferreira, no OBSERVADOR: A Grécia cedeu. A zona euro ganhou. E para uma melhor compreensão de tudo o que se passou, temos também este interessante balanço no mesmo OBSERVADOR: Acordo? Onde houve fumo branco e onde houve fumo cinzento. Tudo elementos importantes de ponderação e análise para formarmos a nossa própria opinião. 

A minha previsão final, porém, é acabarmos por chegar a um armistício dos "comentocratas" e tudo se saldará pela fórmula que faz as delícias da tecnocracia: foi uma solução win/win, isto é, ambos ganharam, ninguém perdeu. Maravilha. Há palavras para tudo.

Por cá, as orquestras, ecoando os interesses e sopros da oposição, já começaram a tocar contra o Governo português, colocando-os do lado dos "maus", assim como se todos os outros fossem os "bons". É o caso do PÚBLICO: Em Atenas diz-se que Portugal e Espanha foram os que mais dificultaram o acordo. Também do DN: Lisboa e Madrid exigem conhecer compromissos assumidos por Atenas. E o enredo aparece também mais explicado no OBSERVADOR: Governo português fez pressão para exigir mais à Grécia, não discordou das conclusões – fonte do Governo.

Estas "leituras" parecem, à partida, demasiado ridículas, quando todos conhecemos as posições sempre assumidas pelo Presidente do eurogrupo, o socialista holandês Jeroen Dijsselbloem, as constantes advertências fortes dos alemães, o facto de em cima da hora a Eslováquia e a Estónia terem aparecido publicamente a empurrar a Grécia para fora do euro e as resistências habituais da Holanda e da Finlândia. Há também um relato mais desenvolvido pelo EL MUNDO - Las casi 10 largas horas para salvar el euro - que ajuda a compreender o filme do dia, a ser verdade o que aí se conta. A certa altura da reunião, ainda numa fase precoce, haveria, sob batuta de Dijsselbloem e da Alemanha, um grupo de "falcões" que o jornal não identifica na íntegra - é de presumir que o espanhol De Guindos também aí estivesse, até porque é o próximo candidato a liderar o eurogrupo. Acrescenta o jornal, que aos "falcões" se juntaram, a seguir, Finlândia, Holanda, Eslováquia, Estónia, Bélgica e Portugal, assim como logo depois (ora, vejam lá...) o ministro austríaco, que tinha sido apresentado como "amigo" do governo grego. É apenas, já com a reunião quase a terminar, que o jornal conta: «Grecia deja caer que España y Portugal están bloqueando el posible acuerdo. Fuerte malestar entre los helenos.» O que cheira bastante a jogos partidários do Syriza com os amigos do Podemos e do BE. O baile do dia já estava a acabar. E bem. 

Seja como for, feito o acordo, resta agora o fundamental: o futuro.

O problema da Grécia é nunca ter cumprido um acordo. Desde ainda o governo Papandreu e o primeiro resgate que os gregos nunca conseguiram cumprir. Por isso, tiveram de passar do primeiro ao segundo resgate; e estavam à beira do terceiro. E, pelo meio, tiveram vários acertos excepcionais, incluindo a tal salvadora "reestruturação" da dívida, com um substancial perdão parcial. Se a credibilidade inicial já era baixa, foi-se deteriorando e perdendo cada vez mais. Com os extremistas na rua, as resistências várias instaladas e governos fracos, a Grécia nunca cumpriu e, assim, se foi afundando consecutivamente e caindo no completo descrédito. 

Essa é a principal diferença com a Irlanda e Portugal que também tiveram que receber a troika. Irlanda e Portugal cumpriram.

Compreende-se, por isso, o cepticismo de alguns, havendo quem exteriorize que "fé na Grécia é quase zero". O novo Governo grego tem que provar que é diferente dos anteriores e que, desta vez, cumpre aquilo que acorda e assina. Senão...

Pelo meu lado, não vou dizer se tenho fé ou não tenho fé, que é coisa que aqui interessa muito pouco. Mas, sim, tenho esperança de que, agora, os gregos consigam cumprir e acertar o passo com todos. Saído progressivamente da rua para o Governo, pode ser que o Syriza consiga e mostre aquilo onde os velhos partidos do "sistema" fracassaram.

Essa era também a linha do último artigo no DN de João César das Neves, cuja leitura atenta recomendo vivamente: O partido que é quinta-feira. Ele mostra também como a vitória do Syriza foi recebida por muita gente, em Portugal e na Europa com expectativa positiva, em coerência, aliás, com o facto de que os 35% votos syrizianos não são obviamente votos de extrema-esquerda, mas de cansaço, saturação e esperança.

O sistema partidário grego implodiu pela corrupção e incompetência generalizadas dos partidos tradicionais dominantes: a Nova Democracia, à direita, e o PASOK socialista, à esquerda. 

Já aqui ecoei noutro post, a esperança expressa na The Economist: «He [Alexis Tsipras] has sound ideas on attacking corruption, fighting tax evasion and shaking up Greece’s cosy business elite.» Ou seja: atacar a corrupção reinante, combater a enorme, escandalosa evasão fiscal e sacudir a sério a cleptocracia grega, que se aproveitou enquanto levava o país à ruína.

Partidariamente, também lamento que a Grécia tenha chegado ao Syriza. Mas a verdade é que a sua vitória tem o seu quê de moral, representando a "débacle" do PASOK e da Nova Democracia, que roubaram e deixaram roubar, albrabaram e arruinaram a Grécia, desde o Papandreu (pai) a Papandreu (filho), passando por Simitis e por Karamanlis, à direira. O último primeiro-mitro de centro-direita, Samaras, coitado, já só pôde apanhar os cacos... O que a Nova Democracia fez de 2004 a 2007, depois de ter recebido uma situação caótica do PASOK, não tem explicação, nem desculpa possível. Tudo com o Eurostat a ver e, ao que parece, a Goldman Sachs a assessorar. Foi assim que chagámos ao Syriza, aos "Gregos Independentes" e... à "Aurora Dourada".

Há semanas, na enorme manifestação de Madrid do espanhol "Podemos", a televisão mostrava uma senhora que gritava: «¡Sólo queremos políticos honrados!» Essa senhora parecia-me mais a minha mãe do que a Catarina Martins ou a Ana Drago. 

Enquanto a direita e a esquerda tradicionais e, na Europa, os PPE e PSE não denunciarem e enxotarem os centros de corrupção que consentiram (ou alimentaram) no seu seio, não vamos lá. Houve, de facto, uma cleptocracia que deu as mãos ao euro de maneira vergonhosa e absolutamente decadente. Ou será que não vemos? Nem lemos?

O Syriza tem, agora, o seu teste, o seu momento de verdade. Como nós continuamos com ele e Espanha também. É que os problemas não estão resolvidos. Estamos a caminho disso, mas ainda não chegámos lá.

Retomo o final do artigo de João César das Neves, para que remeti há pouco:
«O verdadeiro problema da Grécia, como aliás de Portugal, é construir um Estado que se consiga sustentar sem recorrer a estrangeiros. Estes, que há décadas sucessivamente canalizam milhões para os países, começam finalmente a perder a paciência. Porque a crise de 2015 não é a primeira, nem a décima vez que a Grécia viola os acordos, pedindo nova ajuda para finalmente resolver a situação, sem de facto nunca chegar a fazê-lo. 
Esta vez será diferente? O Syriza tem a enorme vantagem de apresentar caras e ideias novas para enfrentar o velho problema. Assim se deixe de poesias e encare com seriedade o drama grego.»
Quanto ao nosso governo, o que tem de fazer é defender bem os interesses de Portugal. Proteger o trabalho feito, para que os frutos não sejam deitados fora. Trabalhar em conjunto com o eurogrupo, pela estabilidade da zona euro. E, tal como irlandeses e espanhóis, espreitar as oportunidades de flexibilização que possam surgir e não comprometam a consolidação financeira e a recuperação económica. É o que já fez no passado, aquando de outros momentos de reavaliação global. Agora, de novo. Havendo sempre que ter presente que o Governo de Portugal é dos portugueses, não dos gregos. 

O que se passou, então, em Bruxelas, noutras capitais e em Atenas, por estas semanas e ontem de novo? Lembram-se da dança de Zorba? Foi o que foi. 

Mas tem de acabar. Agora, é fazer.

A Dança de Zorba (Syrtaki) - Jakub Zajaczkowski

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O ultimato


Bem vistas as coisas, eu creio que Yanis Varoufakis acerta na mouche, ao lamentar e criticar, ontem, à saída da reunião do Eurogrupo: «Na história da UE nada de bom surgiu com um ultimato.»

É bem verdade. Mas o único ultimato que se viu é o do Governo grego do Syriza: "Ou é como nós dizemos, ou batemos com a porta", tentando impor unilateralmente a quebra de todas as regras colectivas e a ruptura até do tratamento excepcional que a Grécia já tem tido. 

Isto não é dialogar; é querer impor: "é pegar ou largar".

Varoufakis rompeu mesmo, aparentemente, com os sinais de simpatia e tentativa de aproximação que se ouviram de lados diferentes, nos últimos dias. Não é por acaso que, como confirmou a nossa ministra Maria Luís Albuquerque, a posição do Eurogrupo foi unânime: «Houve 18 países no Eurogrupo e três instituições que unanimemente tomaram a mesma posição.»

Não sei se os pais do ministro das Finanças grego ainda são vivos. Mas se são (como espero), deverão ter comentado, ontem, orgulhosos, diante da transmissão televisiva, como na velha anedota do jovem recruta:
«Olhem para o nosso filho! Ali vai ele. Como o Yanis marcha bem! É pena os outros estarem todos com o passo trocado...»
Esperemos que o Syriza e os seus companheiros, à direita, do partido dos Gregos Independentes retirem o ultimato até à próxima sexta-feira e, entrando nas regras do jogo comum, aproveitem a margem de flexibilidade que o Eurogrupo de novo sinalizou, como já tem demonstrado no passado com a Grécia em termos únicos e excepcionais.

Há um lado muito positivo, saudável e encorajador nas últimas eleições gregas que até o último artigo da The Economist expressamente saúda: «He [Alexis Tsipras] has sound ideas on attacking corruption, fighting tax evasion and shaking up Greece’s cosy business elite.» 

Ou seja: atacar a corrupção reinante, combater a enorme, escandalosa evasão fiscal e sacudir a sério a cleptocracia grega, que se aproveitou enquanto levava o país à ruína. A queda do PASOK e da Nova Democracia abriram essa possibilidade de mudança fundamental. E toda a Europa apoiará o governo grego nesses desígnios. Mas é preciso aceitar as regras gerais e enterrar ultimatos unilaterais. A União Europeia e o euro são barcos comuns.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A roleta grega. Bluff? Ou não bluff? Suspense...


Assim, fica um pouco difícil de avaliar.

Há 15 dias, logo a seguir às eleições gregas, o futuro ministro Varoufakis confessava: «Houve um pouco de 'bluff' da nossa parte.» - notícia SOL, 26/1/15.

Hoje, dia decisivo, o mesmo Varoufakis, já ministro das Finanças e centro do star system internacional, vem assegurar: «Não estamos a fazer 'bluff'.» - notícia OBSERVADOR, 16/2/15.

Vá lá a gente entendê-lo. E saber em que acreditar. O grego é mesmo uma língua difícil.

Logo saberemos.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A União Europeia à beira do abismo

Um artigo que publico, hoje, no jornal PÚBLICO, num momento bem inquietante e muito complexo da Europa.


A União Europeia à beira do abismo

Há um mês apenas, entre 7 e 9 de Janeiro, viveu-se o horror em Paris. Foi o massacre no Charlie Hebdo, seguido de dois dias de caça ao homem e do atentado ao supermercado judeu. O terrorismo voltou a ferir o coração da Europa. As ruas encheram-se de indignação e de protesto. De solidariedade imensa, que convergiu de todo o mundo para Paris, naquele domingo 11 de Janeiro, que pareceu inesquecível e inapagável.
Dir-se-ia que o terrorismo iria marcar a actualidade europeia e centrar todas as atenções. A sua brutalidade e frieza, a memória de atentados anteriores em Londres e em Madrid (para lembrarmos só os europeus), a cobardia velhaca com que ataca, a ameaça global que constitui, o contexto temível do fundamentalismo islâmico que não cessa de agravar-se – tudo apontava para que o terrorismo centrasse todas as atenções.
E, na verdade, logo se anunciou que a próxima Cimeira Europeia – o Conselho Europeu de 12 e 13 de Fevereiro – seria dedicado ao terrorismo e que outra Cimeira mundial ocorreria em Washington, em 18 de Fevereiro. Bem seriam precisas. E oportunas.

A realidade, porém, cavalgou mais depressa. A vitória do Syriza nas eleições gregas de 25 de Janeiro colocou de novo o euro na linha de mira e a questão da Grécia e da dívida outra vez no centro da agenda. Sucederam-se os telefonemas, as viagens, os contactos, as medidas e contra-medidas, os blogues e os tweets, os comentários e as especulações, os mentidos e os desmentidos, os jogos e os contra-jogos – a incerteza cresceu. Por estes dias próximos, as salas do eurogrupo e a sua ansiedade parecem já ter suplantado a agenda contra o terrorismo.
Na mesma altura, o agravamento assinalável da crise na Ucrânia, com a persistência e o crescimento do desafio da Rússia, incentivando o separatismo, abocanhando pedaços do território do vizinho e pondo em causa toda a ordem internacional, puseram-nos mais perto de uma crise militar clássica. Terrível! Já lá vão 5 mil mortos; e pode ser muito pior.
A senhora Mogherini logo convocou uma reunião de emergência dos ministros de Negócios Estrangeiros da União Europeia sobre a crise ucraniana, para 29 de Janeiro. Por coincidência, a reunião que, antes, fora pensada como preparatória da planeada cimeira anti-terrorista de 12 e 13 de Fevereiro. E, por coincidência também, uma reunião em que logo se cruzaram os novos sinais da agenda grega com os sopros do vento Leste, como se uma e outro se pudessem cruzar já, num cocktail de consequências que ninguém quer prever.
A seguir, enquanto ouvíamos as declarações dramáticas do Presidente Poroshenko, vimos uma cimeira em Moscovo com Putin. Quem lá estava? Tusk? Juncker? Mogherini? Não. Foram Angela Merkel e François Hollande. A U.E. existe? 
Centremo-nos, porém, no fundamental, que é o de conseguirem ter êxito, em representação sem dúvida de todos os europeus. Tê-lo-ão? Estiveram em Kiev e em Moscovo. Entretanto, Washington andou aí; e Merkel por lá também. Avançou-se? Merkel e Hollande estarão de novo em Minsk. Evitar-se-á o que já se diz poder ser a “guerra total”?
No meio disto, domingo passado, prosseguindo a sua agenda nacionalista e reafirmando a linha aparentemente mais dura, o novo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, anuncia o programa de governo diante do Parlamento grego e puxa do canivete reclamando 162 mil milhões de euros à Alemanha por indemnizações pela ocupação nazi. 


O tempo mediático acelerado em que vivemos provoca uma tremenda erosão das notícias e da actualidade. Parece que nada dura; e que tudo é superficial e passageiro. Mas distrai-nos também dos perigos em que vivemos. Quem diria que, apenas um mês depois, a pavorosa tragédia do Charlie Hebdo já estaria sepultada debaixo de outras inquietações? E estará? Estará mesmo sepultada? Ou apenas dormente?
Na correria dos acontecimentos destes dias, na voragem dos telejornais e dos tweets, não nos damos conta de que estas três frentes questionam directamente os três fundamentos da União Europeia, desafiam-nos frontalmente e colocam-nos à beira do abismo. 
A guerra da Ucrânia e a crise perigosíssima com a Rússia ameaçam-nos a paz, que é o fundamento maior do projecto europeu. Desde 1945, é preciso voltarmos às memórias da crise de Berlim ou da crise dos mísseis, para lembrarmos outra altura em que, como agora, a paz tenha estado tão perto de poder acabar.
A crise do euro e as questões da dívida, de novo reacendidas com a vertigem grega, questionam o segundo fundamento do projecto europeu: integração económica, prosperidade, coesão, bem-estar. 
E o terrorismo ataca e fere violentamente o terceiro fundamento da construção europeia – a liberdade e a democracia, a segurança e o Estado de direito –, ao mesmo tempo que, pelos extremismos que alimenta ou pelos excessos securitários que convoca, cava a sua erosão.
Desde o Charlie Hebdo e do HyperCacher, é este o saldo do mês de Janeiro europeu. Não é coisa pouca. A paz, a prosperidade e a liberdade na linha de fogo – os três pilares europeus no fio da navalha. A coesão e a solidariedade postas à prova em ponto de desafio-limite – os dois cimentos sob teste decisivo. E, diante disto, o que nos dizem os líderes europeus? O que nos contam os deputados europeus? O que nos garantem os chefes dos Executivos? O que nos animam os líderes das instituições?


Nos últimos anos, releio, volta e meia, os Preâmbulos dos dois tratados europeus. Está lá o fundamental. Quantos líderes europeus acreditam nisso? E quantos fazem por isso? 
Neste Conselho Europeu, gostava que relessem em voz alta os dois Preâmbulos. E os decorassem todos outra vez. De Merkel a Tsipras, de Stubb a Renzi, de Cameron a Victor Ponta, de Enda Kenny a Orbán, de Rutte a Hollande.
Podemos continuar à beira do abismo sem nele nunca cair. Mas o melhor é afastarmo-nos do abismo. E retomar a estrada que faz a Europa terra de paz, de liberdade e bem-estar.
José RIBEIRO E CASTRO
Deputado do CDS-PP
Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Europeus

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Tostões e milhões


Pode até parecer demagogia. Mas é o que se foi ouvindo por aí, entre gente comum. E é um dos pensamentos que primeiro me ocorre - e ecoa - depois do resultado das eleições na Grécia e da vitória clara do Syriza e de Alexis Tsipras.

Eu não acredito nas políticas do Syriza; e receio pela Grécia (que não é directamente da minha conta) e pelos reflexos que possa ter no resto da Europa, cá também. 

Eu acredito, no fundamental, no caminho de rigor e reequilíbrio que temos seguido - e importa seguir - e que nos tem aproximado de porto seguro. Se a Grécia o tivesse seguido - e podido seguir - não teria chegado tão fundo quanto ainda chegou.

Mas, infelizmente, com os escândalos que grassam e explodem no sistema financeiro (nos Estados Unidos, em Espanha, cá também, na Grécia, em Chipre, na Islândia e noutros países europeus) e com a corrupção que vai sendo exposta (na política e em grandes empresas dominantes), ninguém pode estranhar que estas viragens aconteçam. 

Há uma natural dificuldade em entender que uns não possam ter tostões, enquanto outros esbanjam ou desviam milhões.

Nos Estados Unidos, ao que se lê, a justiça ainda funciona - depressa e com mão pesada. Noutros países, parece que também menos mal. Mas, no geral, há uma sensação difusa de impunidade para os maiores responsáveis. E de que os problemas de fundo de má operação do sistema político e financeiro não foram resolvidos e que mantêm corredores de manipulação e manobra. 

É aí que as pessoas se zangam. Gerando até inesperadas alianças entre as esquerda e direita mais radicais.

Vamos ver o que isto dá.