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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

O Estado da Nação Tutti Frutti

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído hoje no jornal i.
Os deputados, como os autarcas, são escolhidos pelos líderes partidários por razões de confiança pessoal e de compadrio. Assim, defendem o partido e os grupos de interesses que vivem na sua órbita.
O Estado da Nação Tutti Frutti 
Com notável ironia, a Polícia Judiciária batizou de Tutti Frutti uma importante operação de combate à corrupção que envolveu mais de 200 polícias, juristas e técnicos e que espero fique nos anais da investigação criminal portuguesa por, ao investigar as sedes de partidos políticos, ter chegado ao coração da corrupção em Portugal: o sistema político.

O líder da oposição ainda comentou “que se investigue tudo”, mas a maioria governativa usou um barulhento silêncio para fazer de conta que não compreendeu que, desta vez, não são políticos avulsos que estão a ser investigados, mas é o próprio regime político partidário que está em causa. Trata-se daquilo a que os juristas chamam usualmente uma rede criminosa, por envolver um amplo número de pessoas que atuam em conjunto de forma organizada para defraudar o interesse público e enriquecer. Apesar de a notícia não ser uma grande novidade para a generalidade dos portugueses, não deixa, contudo, de ser relevante.

Não menos relevante é o facto de, no já esquecido debate do estado da Nação deste ano, o governo e os partidos que o apoiam terem desconhecido a existência desta investigação, como da corrupção em geral, para mais num ano em que os meios de comunicação relatam novos casos a cada dia que passa e quando o Ministério Público não tem mãos a medir. Diferentemente, um qualquer governo com o mínimo de interesse em eliminar a corrupção e dar uma oportunidade à economia de mercado, à concorrência e à competitividade da nossa economia, sem os favores do Estado, faria do combate à corrupção uma causa nacional. Por alguma razão, isso não acontece.

Não se trata de um problema menor: a corrupção é o fator que mais contribui para o descrédito dos regimes democráticos e dos que mais afetam o progresso económico. Além da sua contribuição, já bem conhecida entre nós, para o empobrecimento dos portugueses durante os últimos anos e para a enorme dívida que mantém manietado o nosso processo de desenvolvimento.

Os portugueses poderão, portanto, perguntar-se a que se deve este silêncio ou a que se deve esta falta de vontade dos partidos – do PS em particular – para estudar, analisar e combater aquilo que é uma tragédia nacional, para mais no dia em que se debateu o estado da nação. Neste contexto, salvam-se as iniciativas meritórias de uma jovem, de seu nome Margarida Balseiro Lopes, a nova líder da JSD.

Aproximam-se agora as eleições legislativas e chegou o tempo da propaganda e da negação da realidade, o tempo de esconder os principais problemas do país, na tentativa de convencer os portugueses de que vivem melhor que no passado. Todavia, como o rendimento médio dos portugueses era, em 1999, 84% da média europeia e hoje é de 78%, a pergunta que os portugueses devem também fazer é onde está a melhoria? Nos rendimentos não é certamente.

Mas não só: a dívida pública atingiu em maio último o seu máximo, os impostos chegaram ao limite do tolerável, o sistema de saúde está em estado avançado de apoplexia, a educação é um caos organizativo e pedagógico e há semanalmente meios de transporte público a serem abatidos ao serviço dos utentes. Todavia, o governo do PS continua a acreditar que as vacas voam e que os portugueses andarão tão distraídos que darão ao partido a maioria nas próximas eleições. É obra. Esta, nem o Santo António que, sendo de Lisboa, deve conhecer bem o que cá se passa.

Pelo meio, António Costa informou o país da grande novidade: não há dinheiro. Pudera. Com tantas vias para o fazer desaparecer, com os funcionários públicos a trabalhar menos horas, com o pensamento económico em greve, entretido que está a hostilizar os empresários, e com tanta clientela para satisfazer, o espanto seria que houvesse.

Um exemplo: segundo os jornais, só em 2016, 528 organismos do Estado distribuíram por 92 558 entidades a módica quantia de 4306 milhões de euros – 4.2332 milhões em 2017–, de entre as quais 499 entidades distribuíram benefícios no montante de 3203 milhões, entidades que não cumprem a lei e não fazem a declaração fiscal, suponho que ao contrário dos leitores, que não têm outro remédio. Desta forma, não admira que não haja controlo dos gastos públicos ou não se saiba para onde vai o dinheiro, até porque muitos que o recebem fogem igualmente à lei, não publicando essa informação na internet.

Num único caso, que conheço melhor, o grupo de colégios privados GPS – o fundador foi deputado do PS – recebeu a maior fatia em 2016, 24,6 milhões de euros, apesar de os dirigentes estarem agora acusados pelo Ministério Público de corrupção, burla, peculato, falsificação de documentos e abuso de confiança. A acusação diz que estes dirigentes meteram ao bolso, entre 2005 e 2013, 30 milhões de euros dos 300 milhões recebidos do Estado nesse período. Já este ano – depois, portanto, da acusação –, a GPS fez contratos com o governo de António Costa no valor de mais 10 milhões. Apesar desta evidência, e na ótica deste governo, trata-se de gente merecedora da maior confiança, amigos do peito por assim dizer, por cujos interesses o PS deve obviamente zelar.

Estes exemplos só existem e são reais porque não vivemos numa verdadeira democracia do povo e para o povo, em que os nossos representantes cuidassem do dinheiro dos nossos impostos – o que, sabemos, não fazem. A razão é simples: os deputados, como os autarcas, são escolhidos cuidadosamente pelos líderes partidários por razões de confiança pessoal e de compadrio político, com o objetivo de defender o partido e os grupos de interesses que vivem na sua órbita, e não o interesse nacional. Assim, neste modelo de falsa democracia, os eleitores apenas podem colocar a cruz no boletim de voto criado à medida das oligarquias partidárias – ou não votar, o que já acontece com cerca de metade do eleitorado.

Perante este cenário, não surpreende que os partidos políticos portugueses não aceitem reformar as leis eleitorais, conforme reivindicado no “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade” – reforma que tem como objetivo dar a todos os eleitores o direito de serem eles a escolher os seus representantes e o direito de lhes recusar o voto no caso de acharem que estes o não merecem. É isso que os partidos políticos, sem exceção, não toleram, e defendem ao limite o controlo do processo democrático, principal causa do estado de degradação dos serviços públicos, da estagnação económica dos últimos 20 anos e da corrupção que mina os fundamentos da democracia portuguesa. Daí ao estado de Nação Tutti Frutti foi um passo.

Henrique NETO
Empresário
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Sobre a urgência de reformas e o primado da ética

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

A celeridade e a previsibilidade da ação judicial são aspetos determinantes da credibilidade e eficácia do Estado de direito – este, por sua vez, suporte incontornável da democracia –, não são motivos de controvérsia.


Sobre a urgência de reformas e o primado da ética
De acordo com o discurso oficial vigente, Portugal teria não só vencido já a grave crise de 2008-2011 – em que esteve a um passo da bancarrota – como teria encontrado finalmente o seu caminho, rumo ao tão almejado desenvolvimento sustentável e à convergência com os padrões vigentes na União Europeia. Portugal, finalmente, na rota do sucesso. Um novo oásis! Mas será, de facto, mesmo assim? Dificilmente alguém sabedor e independente poderá subscrever este veredicto, não obstante o progresso alcançado e traduzido por alguns indicadores significativos (défice orçamental das contas públicas, taxa de crescimento do PIB, saldo da balança de transações correntes, taxa de desemprego, etc.). Com efeito, a questão crucial da sustentabilidade desta evolução está longe de poder ser tida como adquirida.

Importa também ter consciência de que não só nos últimos cinco, seis anos as condições externas e a conjuntura internacional foram extremamente favoráveis como, neste contexto, o nosso desempenho fica aquém do conseguido por outros países do nosso espaço geográfico (nomeadamente, a Espanha e a Irlanda), o que faz com que, ainda há dias, a Comissão Europeia tenha vindo lembrar-nos que, em termos de rendimento per capita (e em termos de paridade dos poderes de compra), Portugal ocupa a 21ª posição; em 2000 alcançava a 16ª posição com um rendimento de 84% da média europeia, versus 78% atualmente. Convém igualmente ter presentes as diminutas taxas de poupança e investimento do país, fatores estes determinantes do desejado crescimento económico e que urge melhorar. Com efeito, o nosso Estado gasta em juros mais do que em investimento, o que diz muito sobre a eficácia da nossa gestão pública. Acresce que a taxa de juro dos nossos empréstimos externos é superior à taxa de crescimento do PIB, o que obviamente não contribui para a redução do peso da dívida.

A conclusão evidente é a de que não chega gerir o curto prazo, na base de uma conjuntura económica global favorável; há que ter igualmente em consideração o longo prazo, enquanto horizonte para a vivência das nossas aspirações coletivas. No nosso caso, tal implica a necessidade de não desprezar, mas antes de ter em conta a urgência de reformas estruturais.

Já aqui abordámos, por mais de uma vez, esta necessidade e o seu significado. Contudo, há dois domínios em que estas reformas são imperiosas, sob pena da eventual emergência de populismos: a reforma do sistema eleitoral e a da justiça, tendo em vista conseguir maior celeridade nos processos e um efetivo combate à corrupção. Hoje gostaria de pugnar sobretudo pela urgência da segunda, uma vez que a importância da primeira vem sendo semanalmente abordada neste jornal por vários autores no âmbito do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”.

Que a celeridade e a previsibilidade da ação judicial são aspetos determinantes da credibilidade e eficácia do Estado de direito – este, por sua vez, suporte incontornável da democracia – não é motivo de controvérsia. Que uma das vertentes básicas do Estado de direito assenta no combate à corrupção também não é motivo de discussão. A controvérsia resulta basicamente das atitudes públicas que lhe estão associadas: fatalismo versus resistência e ativismo. Fatalismo, porque a sua origem se perde na memória do tempo e, ao que tudo indica, assim continuará; resistência porque também desde sempre o seu combate e extinção foram eleitos como causas da cidadania, e o ativismo cívico um dos instrumentos ao seu serviço.

Do que precede pode decorrer algum conflito, fruto da necessária independência da justiça face aos demais poderes, mas que não pode e não deve ser confundida com judicialização destes. Independência da justiça significa a liberdade que esta deve ter para conduzir todo o processo judicial de acordo com as boas práticas legais, com vista à eventual condenação do(s) arguido(s) e determinação da(s) correspondente(s) pena(s). Tal não pode nem deve impedir que a cidadania analise, de um ponto de vista moral e ético, os atos ou ações praticadas por quem quer que seja. Criminalização é do estrito fórum da justiça; avaliação de comportamentos do ponto de vista moral e ético é um dever de cidadania. Esta distinção é fundamental num Estado democrático! Nas palavras de Oprah Winfrey (conceituada apresentadora e referência da TV norte-americana): “Nunca confunda o que é legal com o que é moral... Ou você é um indivíduo de princípios ou não.” Tudo isto para que se evite a “espiral do silêncio” que faz com que as pessoas receiem expressar pontos de vista pessoais por os julgarem “isolados” e não em consonância com o “politicamente correto”. Tais comportamentos podem obviamente redundar em detrimento do bem comum. Os média de âmbito social poderão e deverão, neste contexto, desempenhar um utilíssimo papel no revelar do “sentir” maioritário da opinião pública. Tal deverá igualmente contribuir para a melhoria do sistema político, no sentido de revelar que cidadãos indefesos, mas não necessariamente minoritários, são vítimas de forças políticas não controladas. Isto é particularmente grave quando os órgãos eleitos não representam de forma correta a vontade dos cidadãos, nomeadamente como resultado da captura dos partidos políticos por oligarquias partidárias e/ou significativa abstenção, como é atualmente o caso em Portugal.

A documentar o que fica dito cite-se a progressivamente crescente e elevada abstenção registada nas eleições legislativas e autárquicas, e os inúmeros casos de “presumida” corrupção e/ou de comportamentos menos éticos por parte de políticos, governantes e agentes do setor privado que têm sido revelados – casos estes que pelo seu número, custos envolvidos, gravidade dos mesmos e ausência de julgamento e aplicação das correspondentes penas deixam perplexos os cidadãos, mas não os órgãos do Estado, a começar pela Assembleia da República, sede do poder legislativo e onde supostamente se reúnem os representantes eleitos pelo povo. Pelo contrário, assistimos com frequência à desculpabilização e “branqueamento” de comportamentos e procedimentos por parte de governantes, ao mais alto nível da hierarquia, que a todos envergonham e seriam motivo de demissão em qualquer país com longa tradição democrática.

No que respeita a custos, basta ter em conta os montantes envolvidos na recuperação do sistema financeiro e falência/venda de bancos, que seguramente atingem várias dezenas de milhões de euros; quiçá poderão mesmo rondar 1/3 do PIB. Isto para já não falar nas consequências gravosas resultantes da perda de importantes centros de decisão nacional. Acresce a tudo isto a destruição de empresas emblemáticas da competência e competitividade nacional, como foi o caso da PT e da Cimpor, e a venda de empresas detentoras de monopólios naturais e rendas excessivas – caso da REN e EDP – na perspetiva enganadora de que privatizar significa racionalizar e libertar da influência do poder público. O oposto poderá ocorrer no caso de “privatizações” manipuladas por interesses específicos, com a conivência do poder político. Em resumo, assistimos a uma destruição impune da riqueza nacional só comparável com a ocorrida no âmbito do PREC. E nada acontece!

Façamos então votos para que tudo isto mude rapidamente, agora que o PS elegeu como seu estandarte a luta contra a corrupção. Que o atual “equilíbrio” de corrupção reinante – mas de que ele (importa dizê-lo) não é exclusivamente responsável – possa, a breve trecho, conduzir a uma clarificação e limpeza do mesmo, com base no maior dinamismo e empenhamento do poder judicial, nomeadamente por parte da Procuradoria-Geral da República – e que importa aqui assinalar –, alicerçado num comportamento mais determinado e voluntarista visando a sua erradicação. 

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 9 de maio de 2018

A falsa indignação

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.
O Partido Socialista quer fazer crer à sociedade portuguesa que apenas agora acordou para as evidências do compadrio, mentiras e aldrabices traduzidas em acusações de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação de documentos em que o antigo líder do PS e primeiro-ministro José Sócrates é figura central.

A falsa indignação

Chegar tarde é sempre sinal de um qualquer problema. É frequentemente a consequência de ineficiências e, não raras vezes, desrespeitos. O atraso significa, à partida, que não foram reunidas as condições de aproveitamento na plenitude das oportunidades que o tempo oferece e por alguma razão houve espaço para a deficiente utilização desse tão precioso recurso. Quando alguém se atrasa a chegar a um encontro está a incumprir na gestão do seu próprio tempo e, consequentemente, está a maltratar o tempo dos outros, contaminando desse modo a envolvente, pondo em causa, em última instância, o adequado aproveitamento do tempo da comunidade. O preço é sempre o mesmo: o atraso económico e reputacional. E atraso é oposto de desenvolvimento.

Quando um aluno na escola, por algum motivo, não passa de ano ou não passa a uma disciplina está a atrasar-se. O mesmo se passa com todo um conjunto de outras situações de atraso que correspondem a um verdadeiro aborrecimento e desgaste para quem a elas está sujeito – o autocarro, o avião, os projetos, as obras, a ambulância, o médico, o juiz, as conclusões do inquérito, as análises, a encomenda. O atraso é um excelente indicador de subdesenvolvimento económico e social. O atraso é um carcinoma económico e social revelador de desorganização e incompetência prática.

Em Portugal há uma tendência generalizada para desvalorizar e desculpar o atraso, nomeadamente quando é sucedido do também usual pedido de desculpas. Assim, desse modo banal, transforma-se um ato altamente prejudicial em algo perfeitamente aceitável. A sociedade finge condenar o atraso e convive pacificamente com ele – terríveis as consequências de tão aparentemente simples e corriqueira situação.

Assistimos hoje em Portugal a um medonho exemplo dessa cultura. O Partido Socialista quer fazer crer à sociedade portuguesa que apenas agora acordou para as evidências do compadrio, mentiras e aldrabices traduzidas em acusações de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação de documentos em que o antigo líder do PS e primeiro-ministro José Sócrates é figura central.

Pessoalmente, considero confrangedor ver hoje a (falsa) indignação e vergonha daqueles que, faz muitos anos, confrontados com toda a evidência, se foram acomodando às regras do sistema político apoiando de forma exuberante e exacerbada o homem para onde todas as evidências e a justiça, faz mais de dez anos, apontam como sendo um aldrabão profissional. Refiro-me às mais destacadas figuras do Partido Socialista que ocupam hoje lugares de altíssima responsabilidade na gestão do rumo e destino da nação. A quase totalidade do governo, com particular destaque para o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República, o presidente da Câmara de Lisboa e os deputados do PS com maior destaque público inserem-se nessa categoria. Hoje, por conveniência e em grupo, vêm todos mostrar a sua preocupação, vergonha e indignação pelo sucedido. Fazem-no, como quando ficaram em silêncio, apenas por conveniência pessoal. Fazem-no porque dependem do sistema e é no sistema que necessitam de assegurar a sua sobrevivência. É desta forma banal que a elite política credibiliza posições e silêncios eticamente inaceitáveis, transformando a mediocridade, o dolo e a intrujice em algo aceitável enquanto tal não prejudicar o grupo. Faz precisamente dez anos, e enquanto presidente de um partido político recém-criado, que tentei junto dos principais jornalistas deste país chamar a atenção para o ambiente de desconfiança relativo às suas práticas (licenciatura, caso Freeport, entre outros) que se vivia à volta do então primeiro-ministro. Ninguém se arriscou a dar-me voz. Hoje, muitos deles também aparecem a criticar o atraso do Partido Socialista. Também aqui sei, pela minha história e experiência pessoal, que se trata na maioria dos casos de falsa indignação. Na sua grande maioria, reverenciam e convivem em excesso de proximidade com o poder. E estes, com a obrigação de investigação e distância, chegaram também muito atrasados.

Uma democracia de qualidade exige novos modelos eleitorais, mas acima de tudo exige novos modelos de comportamento, ética e transparência na política, no jornalismo e na justiça.

Há muito para desenvolver e evoluir na democracia portuguesa.

Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político, Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"


NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 21 de março de 2018

Ensaio sobre a exigente actividade de político

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.
A atividade política é de tal forma importante e consequente na vida de todos que o dever que carrega é, em tese, considerado o mais nobre. 
 
Ensaio sobre a exigente actividade de político
Estou absolutamente convicto que o desenvolvimento de uma nação está intrinsecamente ligado à qualidade do aparelho de Estado e da respectiva governação; assim sendo e por maioria de razão é a qualidade dos seus políticos que determina, em grande medida, a qualidade da democracia e o consequente desenvolvimento social e económico. O livro “Porque falham as Nações” constitui uma base de investigação sócio-económica suficientemente robusta na demostração efectiva dessa tese.

A actividade política é de tal forma importante e consequente na vida de todos que o dever que carrega é, em tese, considerado o mais nobre. Por isso se espera dos políticos níveis de rigor e exigência comportamental com critérios e amplitudes mais rígidas das exigíveis aos outros cidadãos. De algum modo e por razões óbvias se espera dos juízes, em áreas muito especificas do quotidiano, normas de conduta e exigência comportamental muito idênticas.

Espera-se dos políticos visão, conhecimento e a capacidade de trabalho em prol da comunidade e do território. É deles que o sonho, a confiança, o exemplo de trabalho, entrega e rigor deve partir. Espera-se que sirvam e não se sirvam, cabendo-lhes o padrão na forma ética e frugal como gerem a sua posição relativamente a interesses e benefícios.

Espera-se que sejam incorruptíveis e consequentemente imunes a influências ou benefícios materiais ou de estatuto. É a sua independência relativamente a domínios que não sejam o estrito cumprimento da defesa dos interesses do povo e da nação que asseguram a tão ambicionada qualidade da democracia e governação e consequentemente do desenvolvimento e coesão económica e social. Importa sublinhar que não há outro princípio de liderança que funcione que não assente na liderança pelo exemplo.

No nosso mundo, assistimos ao desvirtuar desses fundamentos de forma corrente, amplamente aceite e até disputada entre pares.

É recorrente assistirmos (utilizo apenas como exemplo ilustrativo) à proximidade entre clubes de futebol e políticos. A forma amplamente visível como presidentes e dirigentes de clubes e políticos convivem e intervêm nos respectivos campos fragiliza a independência absoluta dos políticos relativamente aos interesses corporativos desses mesmo clubes.

Os políticos comentadores são tantos e provenientes de todas as amplitudes políticas que enumerar um caso ou dois seria tão ridículo para os visados como para quem o faça. Os dirigentes que saltam dos clubes para os partidos e dos partidos para os clubes constituem uma longa lista. O número daqueles que estão nos dois lados ao mesmo tempo é bastante significativo. É aceitável que esse convívio e proximidade exista? Considero um erro demonstrativo da falta de rigor ético que o nosso sistema político carrega. Os políticos quando aceitam beneficiar de benesses corpóreas e incorpóreas junto de outras fontes de poder económico e reputacional ficam consciente ou inconscientemente reféns e perdem efectivamente a liberdade e o poder a que estão obrigados pelos princípios éticos e representacionais. No que aos princípios éticos diz respeito, a fronteira entre compadrio e corrupção é muito ténue.

A gravidade do problema no sistema político português é bastante mais complexa que a anteriormente evidenciada no que aos clubes de futebol e política diz respeito. Essa tipologia de comportamento está presente na relação que os políticos foram ao longo de décadas estabelecendo com gestores, banqueiros, jornalistas, procuradores e juízes.

O nosso sistema vai com alguma regularidade mostrando casos e as respectivas consequências nefastas deste tipo de comportamentos amplamente conhecidos, reconhecidos e até aceites, para a democracia, para a boa gestão da causa e fundos públicos, e para a justiça.

O nosso sistema está efectivamente cheio de favores, amiguismos e interdependências.

É aos políticos, por serem isso mesmo – políticos, a quem mais se exige. Não nos esqueçamos que é ao povo que fazem promessas, que é ao povo que imploram pelo voto, e é o povo que em tese deveriam representar.

Uma democracia de qualidade exige novos modelos eleitorais, mas acima de tudo exige novos modelos de comportamento, ética e transparência no modo como os políticos actuam.

Há muito para desenvolver e evoluir na democracia portuguesa.

Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político, Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"


NOTA: artigo publicado no jornal i

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Democracia - Portugal e Angola

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído anteontem no jornal i.
Dificilmente se encontra hoje num outro país da Europa e mesmo em muitos outros países de democracia não consolidada, como Angola, um nível de compadrio, de nepotismo e de corrupção tão elevados como em Portugal.
Democracia - Portugal e Angola
A evolução recente da política angolana contém alguns ensinamentos que deveriam interessar a todos os portugueses, na medida em que precisamos tanto quanto os angolanos de uma limpeza dos estragos provocados na economia e na sociedade portuguesa pelo conluio entre a política e os negócios. Porque se é verdade que a corrupção foi, apesar de tudo, mais evidente em Angola do que em Portugal, não é menos verdade que o novo Presidente João Lourenço iniciou um processo de limpeza que nos deve fazer inveja.

Recentemente, o Presidente angolano anunciou numa intervenção pública que o MPLA, como órgão colegial, assume colectivamente a responsabilidade do que se passou e que se deveu à inacção do partido e cujas consequências “está hoje o País a pagar”. Que bom seria que António Costa e os restantes dirigentes do Partido Socialista dissessem o mesmo relativamente à tenebrosa governação do PS durante o consulado de José Sócrates.

Mas João Lourenço acrescentou mais na sua intervenção: “Que haja transparência na adjudicação das grandes empreitadas públicas, barragens hidroeléctricas, portos, aeroportos e que se respeite a necessidade de realização de concursos públicos.” Que bom seria que António Costa dissesse o mesmo e terminasse com a hecatombe dos concursos por ajuste directo, no Governo e nas autarquias, nomeadamente na de Lisboa, que é fruto da inspiração pessoal do Primeiro-Ministro.

Na mesma ocasião, o anterior presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, falando certamente sobre o que conhece bem, disse o seguinte: “a corrupção já tem sido definida como o segundo principal mal que afecta a sociedade depois da guerra, tendo em conta os excessos praticados por agentes públicos e privados, que obtinham de forma ilícita vantagens patrimoniais para si ou para terceiros.” Mais à frente e falando de nepotismo disse: “caracterizado como o favorecimento de parentes ou amigos próximos em processos de promoção profissional ou de nomeação para o exercício de funções.”

Ainda sobre o mesmo tema, soubemos há dias que o Presidente Macron da França publicou um decreto a proibir os ministros e outros governantes de nomearem familiares para cargos públicos. Se aplicada em Portugal, esta lei francesa arriscava-se a demitir metade do Governo português. Ou seja, dificilmente se encontra hoje num outro país da Europa e mesmo em muitos outros países de democracia não consolidada, como Angola, um nível de compadrio, de nepotismo e de corrupção tão elevados como em Portugal. E por mais que os governantes, com o Primeiro-Ministro à frente, se afadiguem a negar essa realidade, usando para isso todos os recursos da sociedade da informação e, em muitos casos, da desinformação, vamos continuar a assistir quase semanalmente a novos escândalos e o conhecimento de novos desastres, com ou sem consequências mortais. Contribui para isso um Estado tentacular, chefias em grande parte de familiares, amigos e afilhados do poder político, um Estado usado ao limite pelos partidos em seu benefício e dando os piores exemplos à sociedade. Recentemente, a Câmara de Lisboa demonstrou de forma simples como se gastam os dinheiros públicos para contentar as oposições, concedendo-lhes todas as mordomias possíveis. A fórmula é tragicamente simples: se não consegues convencê-los, compra-os.

Sabemos todos que, para serem democráticos, modernos e desenvolvidos, os países precisam de instituições fortes e independentes do poder político, como precisam de empresas libertas do Estado, mas responsáveis e respondendo perante os colaboradores, os clientes e a lei. Ora, o que acontece em Portugal na actual conjuntura é o inverso: as instituições são dominadas pela desconfiança, pela burocracia, pela instabilidade e pela má qualidade das leis, além de dependerem do dinheiro distribuído em profusão pelos governos, com critérios de reforço do poder partidário e pessoal e o objectivo de manutenção do poder.

Sobre tudo isto impera uma Assembleia da República cega e surda e que só não é muda porque há que simular o processo democrático. Razões mais do que suficientes para que um grupo de gente de boa vontade e que muito gosta de Portugal continue a lutar neste jornal por uma democracia de qualidade e pela reforma das leis eleitorais.
Nota: encontra-se já à venda o livro “Por um Democracia de Qualidade” que dá a conhecer os textos publicados às quartas feiras neste jornal.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade


NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O inimigo dentro de nós

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
Não há pior inimigo de uma democracia que se queira de qualidade e qualificada do que a corrupção. A corrupção é inimiga da democracia. Ponto final e bom Natal a todos.


O inimigo dentro de nós

Fez por estes dias 14 anos que em 11 de Dezembro de 2003 me desloquei ao México, à cidade de Mérida, para assinar em nome do Estado Português a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

A Conferência Política de Alto Nível em que a Convenção foi apresentada foi o palco de numerosos discursos inflamados contra a corrupção de altos responsáveis da maioria dos países do mundo. Confesso que me diverti interiormente a escutar príncipes árabes e ditadores africanos a fustigar a praga da corrupção…

No discurso de 3 minutos que me foram dados, tive tempo para dizer que a assinatura da Convenção e a sua subsequente ratificação seria a melhor prenda de Natal que poderíamos dar aos nossos filhos, legando-lhes um mundo menos corrupto.

Mal eu sabia que depois disso veríamos grassar a corrupção mais violenta que nunca no continente africano, na Argentina de Kirchner, na Venezuela de Maduro, no Brasil de Lula, na Rússia de Putin, no Portugal de Sócrates, um pouco por toda a parte e sempre em crescendo.

Apesar de todas as medidas de cooperação internacional, de combate aos paraísos fiscais, de combate ao branqueamento de dinheiro ilícito, de controlo das transferências internacionais, a corrupção tem vindo num crescendo, ao ponto de o The Economist ter feito há 15 dias uma capa sobre a corrupção na África do Sul e a ameaça existencial que ela constitui para a Nação do Arco Íris.

A corrupção é como um lento mas imparável subir da água, que vai tirando espaço à liberdade de actuação, à equidade no funcionamento do mercado, minando a confiança das pessoas nos seus políticos eleitos e nas suas instituições.

Não é um fenómeno repentino, que nasça com uma crise (se bem que elas ajudem), com um regime forte. É uma coisa que se vai entranhando perante a aquiescência, por vezes perplexa, dos cidadãos; e é cumulativa: quanto mais se entranha, mais aceite é. Cedo ou tarde mina os fundamentos das sociedades democráticas, cria as condições para todos os populismos, destrói a reputação das classes políticas, infiltra-se, de cima para baixo em todos os recantos da sociedade.

Portugal, como os seis anos do «consulado» Sócrates comprovaram, não é uma excepção, como não o são os restantes países da União Europeia, uns mais, outros menos, mas a mim o que me preocupa é Portugal.

Espanta-me, confesso, a facilidade com que numerosos membros do Governo de Sócrates, que não viram, ouviram ou souberam de nada, tenham transitado sem soluços nem escândalo para o actual governo de António Costa, ele próprio um ex-ministro da Administração Interna de Sócrates.

Espanta-me que ministros que participaram activamente nas “políticas” do Governo Sócrates e não viram nada, mantenham na opinião geral uma reputação de competência sem referência à sua participação no Governo que dirigiu sem escrúpulos nem hesitações Portugal para a bancarrota e para a maior crise desde o 25 de Abril de 1974.

Espanta-me que o actual Primeiro-ministro se rodeie impunemente de uma «coterie» de amigos do peito e velhos cúmplices e companheiros de armas, sem que isso suscite mais do que um ar de cepticismo nos observadores.

Espanta-me sumamente que perante a tragédia dos incêndios deste verão, o actual Ministro da Administração Interna proclame que tudo fará para combater os incêndios e declare com um ano de antecipação que fará os ajustes directos que for necessário fazer. Ajustes directos porquê?

Os ajustes directos, de experiência consabida, são o meio mais directo para a corrupção no Estado. A razão normal é a urgência e valha a verdade que os «incompetentes» são de uma competência extraordinária a inventar razões insindicáveis para as urgências.

Os partidos políticos que deveriam controlar e vigiar a acção do Governo, parecem ter entre si um pacto de regime: o de suportar e calar a corrupção que veem, porque como dizem os africanos, quando alternam no poder, o entendimento geral é que é «a vez deles de comer»…

Estas generalizações parecem e são duras e muitas vezes injustas, mas a verdade é que neste Natal de 2017 não me consigo impedir de pensar, verificar e aquilatar que em Portugal a corrupção mexe-se e move-se e alcança novos protagonistas, cede a novos interesses instalados, sejam investidores chineses (ver capa do The Economist desta semana e as denúncias muito adequadas do Bloco de Esquerda) sejam as novas empresas do regime que rapidamente ocuparam o vazio deixado pelo defunto Grupo Espírito Santo.

O pior de tudo isto é a impressão deletéria que a sociedade civil colhe, de impunidade de quem manda, de sucesso de quem corrompe, de que as rodas do nosso destino não são movidas por nós, de que somos meros espectadores das causas das consequências que nos acontecem, e de que, tudo visto, mais vale a pena jogar o jogo que ficar de fora.

Temo bem que, se continuar assim, cheguemos ao dia em que, como se diz no Brasil, «para os amigos tudo, para os inimigos justiça lenta e cara».

Não há pior inimigo de uma democracia que se queira de qualidade e qualificada do que a corrupção. A corrupção é inimiga da democracia. Ponto final e Bom Natal a todos.

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Hiper-mega-geringonça, uma ova!

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
O sistema eleitoral misto, também designado “representação proporcional personalizada”, é o que vigora na Alemanha desde o pós-guerra, com excelentes resultados. O modelo de reforma do nosso sistema eleitoral tem de ser por aí.

O Bundestag

Hiper-mega-geringonça, uma ova!
Nas jornadas parlamentares do PSD, em fim de Maio, a reforma do sistema político e eleitoral foi um tema em debate. Boa escolha, maus os ecos.

Um dos mais sonoros foi a afirmação do deputado Luís Montenegro, ainda líder parlamentar, a denegrir um sistema misto que, garantindo a proporcionalidade da representação parlamentar, contivesse círculos uninominais, em que os eleitores escolhessem directamente o seu deputado. Fustigou Montenegro: “É impossível governar Portugal com 100 deputados ‘limianos’. Isso parecerá não uma geringonça, mas uma ‘hiper-mega-geringonça’”.

O sistema eleitoral misto, designado também “representação proporcional personalizada”, é o que vigora na Alemanha desde o pós-guerra, com grande sucesso e excelentes resultados na óptica da qualidade da democracia. É o sistema que facilitou a integração política de toda a Alemanha após a queda do muro e a reunificação, garantindo, com grande plasticidade, a evolução do sistema partidário, sem sobressaltos. Com metade dos deputados eleitos de modo uninominal e a outra metade em listas plurinominais, existe sempre um Bundestag rigorosamente proporcional, com justa representação das correntes políticas, dos cidadãos e do território. Não há “limianos”, uma das mistificações mais tolas do nosso debate político, superficial e leviano. É o sistema que tem assegurado a tranquila governabilidade do país desde o final dos anos 1940; enquadrou a reconstrução da Alemanha e um invejável grau de desenvolvimento; fomenta o diálogo e a concertação política, tendo, ao longo de sete décadas de boas provas, gerado, democraticamente, ora maiorias de sentido diferente, ora coligações interpartidárias de diversos matizes. É um dos pilares da grande maturidade e solidez política da Alemanha. Vamos poder seguir de novo essa realidade a funcionar nas eleições alemãs de 24 de setembro próximo. Nada como ver.

A única crítica que o sistema alemão merece é a cláusula barreira de 5%: nenhum partido pode eleger deputados, se não tiver um mínimo de 5% – e algumas vezes, na verdade, partidos historicamente importantes, como os liberais do FDP, ficaram arredados do Bundestag por causa desse travão. Ainda assim, o sistema partidário alemão não é concentrado: tem cinco a sete partidos representados no Bundestag, como nós; e uma proporcionalidade de assentos parlamentares frequentemente mais próxima da proporcionalidade da votação do que na nossa Assembleia.

Essa regra dos 5%, porém, é inconstitucional e inaplicável em Portugal. Na Associação Por uma Democracia de Qualidade, chamamos mesmo a atenção para que, em Portugal, por via da matemática, é pior: em Portalegre, por exemplo, quem não tiver 30% não elege ninguém; e vários círculos há em que é preciso mais de 15%, ou 20%, ou 25%, para eleger 1 deputado. Por isso, na linha do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade, defendemos que, além de uma reformulação dos círculos territoriais, tenhamos, no topo do sistema, um círculo nacional de compensação, que corrija, de forma ainda mais justa, as distorções que possam ter sobejado do escrutínio uninominal/plurinominal no patamar territorial (distrital/regional). Ou seja, defendemos um sistema de tipo alemão, melhorado.

Tudo isto é possível no quadro constitucional. Podemos até dizer que a Constituição aponta para aí, pois a Constituição não abre portas para continuarem trancadas. Em 1989, a revisão constitucional permitiu a criação de um círculo nacional – ficou tudo na mesma. Há 28 anos! Em 1997, além do círculo nacional, a revisão constitucional permitiu “a existência de círculos plurinominais e uninominais, [em] complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional” – e tudo na mesma ficou. Há 20 anos!

Ou seja: o sistema que tanto choca o deputado Luís Montenegro é nada mais, nada menos do que o modelo constitucional por cumprir – basta ler o artigo 149º da Constituição. E o mais curioso é que o PSD já o defendeu, havendo apenas a lastimar que o metesse no lixo, em vez de aperfeiçoar ideias e convergir com outros para a reforma necessária. Luís Montenegro criticava a ideia de Rui Oliveira e Costa, convidado às jornadas parlamentares, o qual defende um círculo nacional com lista plurinominal de 100 deputados e, no Continente, 100 círculos uninominais. Ora, em 16 de Março de 1998, o PSD apresentou, na Assembleia da República, na esteira imediata da revisão constitucional de 1997, o Projecto de Lei n.º 509/VII, que propunha um círculo nacional com 85 deputados e, no Continente, 85 círculos uninominais. Exactamente a mesma coisa! A única diferença está no número, pois Oliveira e Costa aponta para uma Assembleia com 215 deputados e o PSD queria-a com 184.

Não defendemos esta proposta concreta por outras razões. Mas o modelo de reforma é por aí. E um líder parlamentar não pode ignorar ou caricaturar a história do seu partido. Quem eram os hereges do PSD que, ao subscrever o Projecto n.º 509/VII, propunham um quadro perpétuo de “hiper-mega-geringonça”? Leiam com atenção por favor quem eram os “limianos”: Luís Marques Mendes, Luís Marques Guedes, Carlos Encarnação, Barbosa de Melo, Carlos Coelho e Manuela Ferreira Leite – tudo figuras de peso, incluindo dois ex-líderes. E Guilherme Silva chegou a defender, nos debates, círculos uninominais também nas Regiões Autónomas. E esta, hein?

Deplorável é que este projecto, assim como a proposta de lei do Governo, ficassem pelo caminho, numa das mais funestas sessões parlamentares da nossa história democrática: a sessão plenária de 23 de Abril de 1998. Aí morreu a ansiada reforma eleitoral. Morreu de morte macaca, como diz o povo. Morreu, por desconversa intencional. Morreu, pela obsessão da redução brutal do número de deputados. Morreu, por fingimento, sabotando. Foi um debate na generalidade que matou uma reforma fundamental. Uma discussão para envergonhar os desconversadores de serviço – fizeram Portugal perder 20 anos.

Nas mesmas jornadas, o deputado Carlos Abreu Amorim também manifestou reservas, na linha de Montenegro, dizendo “ter muitas dúvidas de que, com deputados eleitos por este sistema, o Governo PSD/CDS tivesse conseguido ultrapassar os ‘anos de chumbo’ da troika.” Está a ver mal. A realidade é diferente. Na Alemanha, está lá Schäuble; e, bem antes, Schroeder pôde fazer todas as reformas imperiosas, logo a seguir à reunificação. Se tivéssemos um sistema eleitoral assim, verdadeiramente representativo e com deputados personalizados, provavelmente nunca teríamos tido a troika – não seria precisa. Não teríamos chegado ao precipício da falência, nem teríamos caído no pântano de corrupção em que nos atolámos e nos rouba a dignidade, o ânimo e as poupanças. Problema real é o nosso decadente hiper-mega-pântano, onde tudo amocha e que engole tudo, nada representa, ninguém acredita.

Como o meu colega Fernando Teixeira Mendes já criticou nestas páginas há algumas semanas, não há “hiper-mega-geringonça” de espécie alguma. Pelo contrário, o que haveria seria uma alameda de refrescamento, amadurecimento, recuperação e revitalização da democracia, devolvida à vontade e à escolha dos cidadãos.  
Temos mesmo de começar a construir a agenda da IV República. Portugal não pode continuar adiado.
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José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i


quarta-feira, 19 de julho de 2017

Solução: uma democracia de qualidade

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.

Há muito que não vivemos num verdadeiro regime democrático, do povo e para o povo, e há muito que a Assembleia da República, sede da democracia, deixou de representar todos os portugueses.

Solução: uma democracia de qualidade 

Os tristes acontecimentos das últimas três semanas, desde os fogos de Pedrógão Grande ao roubo de armas dos paióis de Tancos, passando pelos casos da divulgação antecipada do ponto de exame de Português e do Galpgate, bem como as notícias semanais de acusações por corrupção de políticos e de funcionários, mostram à evidência as razões do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade. De facto, é no excesso de concentração de todo o poder nos partidos políticos, com o equivalente controlo exercido pelo Estado sobre as instituições da sociedade, que deveremos procurar a explicação para todos estes acontecimentos.

No caso de Pedrógão Grande, foi evidente a ausência de capacidade de comando, que permitiu que o combate ao incêndio tivesse precedência relativamente à evacuação das populações em perigo, o que provocou a imensa tragédia que nos envergonhará para sempre. No caso de Tancos, a longa e humilhante desvalorização das Forças Armadas pelo poder político, nomeadamente com a menorização do fator competência relativamente à conveniência partidária na escolha das chefias militares, abriu a porta à degradação do serviço que permitiu o que agora aconteceu. O que não serve de justificação, mas que dá para compreender que o prestígio da instituição Forças Armadas não pode ser confiado aos desprestigiados partidos políticos portugueses.

Entendamo-nos: há muito que não vivemos num verdadeiro regime democrático, do povo e para o povo, e há muito que a Assembleia da República, sede da democracia, deixou de representar todos os portugueses, seja os que não votam, seja os que, votando, não se reveem na ação e na inação dos deputados escolhidos pelos líderes partidários. Deputados que não fiscalizam os governos e que nunca se preocuparam com as questões que mais interessam aos portugueses, como as que agora debatemos, desde o SIRESP às condições de trabalho e de comando dos bombeiros, dos recursos das Forças Armadas à sua desvalorização, da floresta ao vazio humano e económico do interior.

Há anos que existe um largo consenso na sociedade sobre a necessidade de organizar a floresta, de mapear a propriedade rural, de proceder ao emparcelamento da propriedade com a devida compensação aos proprietários que não tenham a suficiente capacidade económica para proceder à sua exploração, de repensar as espécies a desenvolver de forma a tornar a sua existência não só rentável, mas também ao abrigo de incêndios generalizados. A questão é, agora, a de saber o que foi feito pelos governos e pelo parlamento sobre tudo isso? Negócios, muitos negócios: no SIRESP, nos Kamov, nos aviões alugados, nas rendas pagas a empresas com relações privilegiadas com os partidos.

A base de Tancos há anos que não tem as condições mínimas de segurança: a videovigilância está desativada, as torres de vigia não têm vigilantes, a rede que circunda a base haveria de ser consertada um dia e os militares da ronda não têm munições para a sua própria defesa. Nada de grave, portanto, já que o primeiro-ministro sabe que as armas roubadas não serão usadas por terroristas ou quaisquer máfias mal-intencionadas.

Noutros países, com regimes democráticos credíveis, os bombeiros e as polícias, tal como os militares, são sujeitos a inspeções periódicas, fazem exercícios regulares para demonstrar aos seus superiores a sua competência e prontidão em situações extremas e tão próximas da realidade quanto possível, os acidentes são tentativamente previstos e, se necessário, combatidos com eficácia. Em Portugal, basta a ministra da Administração Interna chorar e o ministro da Defesa assegurar que não sabia de nada para que o primeiro-ministro lhes renove a sua confiança porque, obviamente, o que está em causa não é a vida e a segurança dos portugueses, mas a sobrevivência do partido, ou partidos, no poder.

Os signatários do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade tinham razão quando há anos defenderam publicamente que a raiz da má governação em Portugal residia nos partidos políticos e na forma como estes condicionam o acesso ao poder político, seja no acesso à Assembleia da República, seja nas autarquias, seja nos diferentes órgãos do Estado. Mas não só, também a forma como esterilizam a independência das instituições, desde as Forças Armadas às associações empresariais e até à própria Igreja, cada vez mais limitada a ser o complemento dos serviços sociais do Estado, atividade da maior relevância, mas que não deveria excluir a liberdade de opinião – a exemplo, aliás, do Papa Francisco.

Não será, portanto, necessário ser profeta para prever que os acidentes que agora estão a ser tão debatidos na sociedade portuguesa continuarão a acontecer. Pelo menos enquanto os portugueses não puderem escolher, um a um, os seus representantes, em plena consciência e liberdade, porque essa é a base de qualquer democracia moderna. É na qualidade e na verdade dessa escolha que reside a melhoria do nível de exigência dos cidadãos perante os seus eleitos e a representatividade, a qualidade e a disciplina das instituições.

Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

A captura pelo carteirista

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
Os CMEC asseguram para alguns uma arca do tesouro alimentada em contínuo por um moedeiro bem lubrificado. E onde liga o moedeiro? Aos nossos bolsos.


A captura pelo carteirista
Temos denunciado nesta coluna o mau funcionamento do sistema político e da representação parlamentar, às vezes com casos-tipo mais chocantes.

Uma das questões é a alienação dos deputados, arredados de problemas ou privados do exame prévio cuidadoso das decisões. Foi, em 2014, a “eutanásia social”, na expressão de Bagão Félix: a proibição de os reformados trabalharem mesmo sem remuneração, um caso que contei no prefácio da 1.a edição do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”. Ou, também de 2014, a proibição manhosa de os casais, em atraso, se apresentarem, como habitualmente, à tributação conjunta em IRS – o “caso do Zé Augusto”, que aqui relatei: milhares de contribuintes, de recursos médios, com o imposto brutalmente agravado em milhares de euros, em 2016 – interveio o provedor de Justiça e a lei foi revista.

Há casos de grande gravidade, todavia, em que a reação não soa nem prevalece. Está um na ordem do dia: os CMEC, tão longamente badalados quanto sobreviventes.

O cidadão comum tem dificuldade em saber o que são CMEC. Se o leitor, nas suas cogitações, pensar que um “C” significa “captura” e o outro “C” significa “carteirista”, não andará longe da verdade. O esquema, engendrado em 2004 e posto em marcha em 2007, significa “Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual”; mas o leitor revelaria faro e argúcia se, ao querer adivinhar, pensasse em “Captura Metódica pelo Esquema do Carteirista”.

O esquema consiste num laborioso enredo técnico, impenetrável aos pagantes e muito difícil de entender para quem não seja especialista ou lhe dedique horas de estudo. Ouvindo as explicações, a nossa alma divide-se entre, por um lado, admiração gulosa e, por outro, indignação irada por se ter construído um novelo normativo que, através da articulação entre uma dada engenharia de produção e um sistema de tarifas garantidas, assegura para os lucros de alguns uma arca do tesouro alimentada em contínuo por um moedeiro bem lubrificado. E onde liga o moedeiro? Aos nossos bolsos, aos bolsos dos consumidores de eletricidade.

São essas as engenhosas “rendas” não só “excessivas”, mas ilegais à luz do direito comunitário: um “pick pocket” que, sacando 5 euros aqui e 53 acoli, mais 29 euros ali e outros 44 acolá, consoante o nível dos consumos domésticos ou empresariais, alimenta, em todos os meses de todos os anos, uma torrente de milhões que vai parar aos bolsos de alguns. Os CMEC são milhões de porquinhos-mealheiro (os consumidores) a encher, por decreto, o gordíssimo cofre do Tio Patinhas. Benefício público? Zero. Ou questionável. Além disso, impedem a economia de funcionar.

Este esquema de privilégio nunca deveria ter começado – e devia ter acabado há muito. Faço parte de um grupo de portugueses (nos bancos do meio, pois não tenho habilitações técnicas especializadas) que já há alguns anos lutam politicamente contra os CMEC. Cremos que são ilegais. E, antes disso e além disso, são gravíssimo erro de política económica e de política energética, que fere as famílias, penaliza as empresas, atinge a nossa economia e a competitividade.

Nunca conseguimos o apoio suficiente para vencer. Sofre-se segregação. E houve quem pagasse mais o preço da verdade: o secretário de Estado Henrique Gomes, a quem presto homenagem, afastado porque queria ir mais longe, mais depressa. Os polos de captura do sistema são muito poderosos – sobretudo quando há muitos milhões em jogo –, hábeis a chegar a muito lado de várias formas, incluindo à comunicação social. Não digo necessariamente corrupção – chega, muitas vezes, o poder encantatório dos milhões ou a teia das redes de poder. Há espíritos que se deslumbram com facilidade. Há dependências que se criam, pela publicidade e por mecenatos. E há a sábia máxima dos prudentes: “Viver não custa, o que custa é saber viver.”

Em maio de 2013, organizei, para alguns colegas deputados no CDS, um seminário com excelentes especialistas na matéria. O seminário sucedeu a um outro, realizado em abril, onde tinha estado António Mexia e a sua equipa. O seminário de maio, contra as rendas ilegais, foi um contraditório arrasador. A explicação e a prova dos abusos e efeitos nefastos foram tão flagrantes que recordo não terem ficado dúvidas sobre o imperativo de acabar com isso. Pois bem… não se passou nada. A questão foi explicada a deputados do Parlamento Europeu – também nada se passou. As altas esferas, os centros de decisão aplicaram ao assunto o triturador habitual e a questão continuou dormente, para não dizer morta. Debate para uma decisão coletiva? Nem um. Tudo rola nos gabinetes, nos corredores, nos restaurantes, nos telemóveis – isto é, nos terrenos favoráveis aos mecanismos de captura.

A troika colocou repetidamente nos memorandos e relatórios esta exigência: “Tomar medidas de modo a limitar os sobrecustos associados à produção de eletricidade em regime ordinário, nomeadamente através da renegociação ou de revisão em baixa dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) paga a produtores do regime ordinário.” Quase nada se passou. O lóbi que vive disto tem conseguido resistir à própria troika. Podemos chamar-lhe o LDT: o Lóbi Disto Tudo.

Agora, face à ressonância de um caso judiciário, foi convocada a voz grossa dos “chineses”. Sabe-se que, embrulhada com o deslumbre alcunhado de “diplomacia económica”, a compra da EDP e da REN pelos chineses foi, nos corredores, um dos argumentos mais servis para manter o statu quo. Compreendo que os chineses possam estar inquietos: ter-lhes-ão vendido gato por lebre? Mas, aí, teriam de pedir contas a quem, começando pelos órgãos da empresa, lhes tivesse garantido que o direito comunitário é para violar, lhes tivesse escondido a controvérsia já existente, lhes tivesse dito que um esquema lesivo da economia nacional poderia manter-se eternamente ou lhes asseverasse que, em Portugal, o direito e a política democrática estão submetidos ao poder do dinheiro. O que não pode continuar é serem os portugueses, os consumidores de eletricidade, a pagar os custos de mais um logro.

Tenho verificado que as maiorias, fossem as do PS, fossem de PSD e CDS, nunca resolveram o problema. Caíram nos mecanismos de captura e, muitas vezes, participam neles. Por isso, defendo a reforma do sistema eleitoral: nos CMEC, a informação técnica disponível já é tanta que bastariam três ou quatro deputados com pelo na venta e independência pessoal e política para arrasar esta manipulação no prazo máximo de dois a três anos. Se tivéssemos um sistema eleitoral misto à alemã, conjugando círculos uninominais e plurinominais, o eco daquele seminário de maio de 2013 não teria desfalecido. Os deputados não seriam manietados ou condicionados. E, se quisessem agarrar essa luta, ninguém os poderia parar, com o que os partidos também ganhariam. Os partidos ganham com deputados assertivos, que enfrentam problemas, interpretam causas, animam questões; não ganham nada com os que vestem o bibe dos poderosos e dos endinheirados.
José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 1 de março de 2017

Eleições justas, eleições verdadeiras

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
Capturados os partidos, é fácil capturar a democracia pelo poder na formação das listas. Chegadas as eleições, o povo vota entre partidos, não entre representantes. Ou seja, o povo não escolhe, carimba.
Eleições justas, eleições verdadeiras

1. Quando um dia se fizer a história de como chegámos ao pântano em que nos atolámos, o sistema eleitoral figurará como circunstância principal. A forma como o sistema partidário, nos partidos de poder, se apoderou do sistema proporcional e aprendeu a manipulá-lo constitui o contexto dos males que cresceram e da incapacidade para os vencer. Caciquismo, interesses de negócios e doentia tribalização favoreceram a consolidação de oligarquias cristalizadas ou de tiranetes que tudo foram submetendo sob aparência democrática. Capturados os partidos, é fácil capturar a democracia pelo poder na formação das listas. Chegadas as eleições, o povo vota entre partidos, não entre representantes. Ou seja, o povo não escolhe, carimba.

Assim caminhámos de eleição em eleição até à troika final, no meio da corrupção endémica no sistema público e no sistema financeiro. Ainda aí estamos, dançando à beira do precipício. Só sairemos de vez se, além de sanear o sistema, o reformarmos para não voltar às rotinas do desastre.

A maioria já se deu conta. Ouvimos a rua. Vemos a abstenção. Os portugueses votam com os pés: afastam-se das urnas.


2. É urgente passar do tempo do descrédito ao tempo da mudança. No Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade, cremos que é aqui que estamos. Há que mobilizar para um novo desenho do sistema eleitoral que devolva poder à cidadania, reponha a confiança e salve a democracia. Importa vencer fantasmas e falsidades que as oligarquias instaladas usam para confundir as pessoas e prolongar a captura.

O sistema que defendo, no quadro da Constituição, é um sistema proporcional inspirado no modelo alemão, mas melhorado - um sistema misto que, na minha proposta, teria círculos eleitorais de três níveis: círculos uninominais de base, círculos plurinominais regionais e um círculo nacional, também plurinominal.

É essencial desmistificar o “papão” dos círculos uninominais num sistema que é misto. Há quem reaja de forma epidérmica, sem pensar sequer, atacando-os como se o sistema fosse uninominal e maioritário. Não é assim: o sistema mantém-se proporcional, e até melhor e mais justo do que temos hoje. Nos sistemas mistos, os círculos uninominais cumprem tão-só a função de assegurar a efetiva representatividade dos deputados, quer naqueles que são individualmente eleitos, quer no efeito político democrático que essa maré tem na formação das listas plurinominais regionais. Os círculos uninominais não decidem a composição parlamentar: a repartição dos mandatos na Assembleia faz-se rigorosamente de acordo com as percentagens das listas nos círculos regionais.

Imaginemos uma área regional a que coubessem 20 deputados. Será subdividida pela metade, em 10 círculos uninominais. Cada eleitor vota para 1 deputado no círculo uninominal e para o partido no círculo regional, plurinominal, com listas de 10 deputados. Se um partido tem 20%, teria direito a 4 deputados dos 20 da região: se elegeu 2 uninominais, vai buscar mais 2 à lista; se não elegeu nenhum uninominal, vai buscar os 4 à lista; se elegeu 5 uninominais, já não vai buscar nenhum à lista e guarda esse mais 1 eleito diretamente, chamado deputado supranumerário.

Os círculos regionais, com apuramento proporcional e listas plurinominais, continuam a ser, como temos hoje, a coluna vertebral da eleição, definindo a justa representação do país, sem truques nem manipulações. Mas recuperam a sua saúde. A articulação com os círculos uninominais, no seu interior, devolve-lhes respiração e autenticidade, contrariando a captura por aparelhismos e amiguismos.

O círculo nacional não existe no sistema alemão. Permitido pela nossa Constituição, vejo-o como modo adicional de garantir representação proporcional ainda mais rigorosa, à semelhança do círculo regional introduzido nas eleições açorianas desde a reforma de 2006. Tem efeito compensatório, corrigindo eventuais insuficiências na repartição de mandatos nos patamares inferiores. É um círculo virtual, no sentido de que não se vota para ele; os seus resultados são a soma das votações, por partido, nos círculos regionais. E, na minha tese, seria duplamente virtual, no sentido de que, embora plurinominal, esse círculo não teria listas.

Como atribuir os mandatos do círculo nacional? Imaginemos que lhe caberia distribuir 20 mandatos. Atribuídos os mandatos da distribuição regional, uninominais incluídos, verifica-se que, considerado o globo da votação nacional, o partido A está em débito de 3, o B em débito de 5, o C em débito de 4, os D e E em débito de 2 e que há ainda quatro com direito a eleger 1 cada. Estes mandatos serão atribuídos aos mais votados não eleitos das respetivas listas regionais, dando-se preferência aos círculos em que esse partido ainda não elegeu deputados. Vantagens deste sistema? Primeiro, evitar que o círculo nacional se torne na limusina onde viajam “deputados de luxo” - todos os eleitos têm de ter base e provir das listas regionais. Segundo, premiar o território.


3. Temos sido burlados na ideia de o nosso sistema assegurar boa representação. Não é verdade. Na Alemanha, partido que não alcance 5% dos votos não elege para o Bundestag. Em Portugal, esta regra seria inconstitucional - e ainda bem. Mas, na prática, o nosso sistema é muito pior, em larga parte do território, por mero efeito matemático. Em Portalegre, que elege 2 deputados, partido que não tenha, pelo menos, 30% não elege ninguém. Em Bragança, Beja ou Évora, com 3 deputados cada, só com um mínimo de 25% se elege alguém. Em Castelo Branco e Guarda, com 4 deputados, ou nos Açores e Vila Real, com 5, ou na Madeira e Vila Real, com 6 deputados, quem não consiga, respetivamente, 20%, ou 15%, ou 11%, é quase certo que fica a ver navios: votos para o lixo. E há outro efeito negativo que a experiência confirma: por razões sociológicas ou de peso relativo, aqueles que são eleitos acima desse limiar elevado são, predominantemente, das capitais ou impostos pelos diretórios, sem palavra a dizer pelo eleitor. Ou seja, também a representação territorial é afunilada.

O sistema que temos desenvolvido no Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade - um sistema proporcional com articulação justa entre círculos uninominais, círculos regionais e círculo nacional - repõe a justa e verdadeira representação democrática sob três ângulos: dos cidadãos, do território, das correntes políticas. É o que assegurará o reencontro da democracia com a cidadania e a salvação nacional em liberdade.

Quanto mais poder efetivo tiverem os eleitores, melhor funcionarão os partidos e mais arredaremos essa hidra que é a corrupção. Porquê? Simples. Afastamos o poder de captura.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

O país que temos responsabilidade de mudar


Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído hoje no jornal i.
Portugal só melhorará o nível da sua democracia quando tivermos deputados independentes das estruturas partidárias na Assembleia da República.

Composição da Assembleia da República,
após as eleições de 4 de outubro de 2015

O país que temos responsabilidade de mudar 

Escreveu há dias o eloquente jornalista José Gomes Ferreira que “o país está, possivelmente, de regresso ao subdesenvolvimento sem o percebermos”. E mais adiante, que “o país está a gangrenar de corrupção, que estamos a descobrir, mais uma vez”. E José Ribeiro e Castro, um político exemplar, declara-nos que “só um Movimento Democrático pode mudar o atoleiro a que chegámos”.
São declarações que, pela sua importância, não podem ser esquecidas e devem motivar-nos para uma profunda reflexão e ação.

Os graves acontecimentos de agosto impediram-me de desligar do seguimento do dia-a-dia do país e acabei por assistir, revoltadíssimo, a escândalos que continuam em desenvolvimento. Não seguir os acontecimentos e não protestar seria aceitar de ânimo leve o que se passou. E isso nunca!

Assistiu-se a uma nomeação do conselho de administração do nosso banco público, a Caixa Geral de Depósitos, feita de forma perfeitamente amadora. Chega-se ao ponto de ser Bruxelas a alertar o nosso governo para o facto de a listagem dos administradores (elaborada por esse mesmo governo) não cumprir as leis do nosso próprio país. Depois, assiste-se a uma saída, muito a bem, de vários profissionais de um banco privado para a administração do banco público. Todos muito radiantes.

Vindo da indústria e do comércio, lá me vou perguntando se este assunto não interessa à Autoridade da Concorrência, dadas as quotas de mercado em jogo? Talvez não, porque parece-me que em tudo o que está relacionado com a banca, o nível de exigência é bem menor. Não fosse assim e seguramente uns 80% da banca nacional não teriam sido geridos como foram, com péssimas consequências para a nossa classe média em benefício de grandes oportunistas.

De facto, estou cada vez mais preocupado com a situação da banca nacional, e gostava de, na medida das minhas possibilidades, alertar os portugueses para o que se vai passar nos próximos meses. Vamos ter de contribuir com cerca de 4 mil milhões de euros para o aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos! É altura de os portugueses afirmarem alto e bom som que não podem aceitar mais aumentos de impostos, nem mais cortes nas pensões nos próximos anos. Preocupa-me saber pela comunicação social que o governo já anda a trabalhar para reduzir mais uma vez as pensões das pessoas que efetuaram os seus descontos ao longo das suas carreiras – uma atitude que, a ser verdade, considero desumana e ignóbil e que a sociedade civil tem de impedir.

Nestas linhas, gostava, como contribuinte do Estado português, de pedir às autoridades para explicarem aos portugueses qual é a percentagem do crédito malparado referente a clientes da Caixa Geral de Depósitos que é irrecuperável e que ainda não foi executada? Será justo que os portugueses sejam chamados a suportar, com muitas dificuldades, a entrega de mais dinheiro seu ao Estado e mais cortes nas suas pensões, quando muitos ostentam uma vida de luxo baseada em negociatas com os bancos que, muitas vezes, são autenticamente de pôr os cabelos em pé?
Não me parecem nada aceitáveis as soluções aplicadas por vários governos. Desejo que a comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos atue com eficácia e celeridade e que consiga enviar todos os processos duvidosos ao Ministério Público para investigação. Igual iniciativa se espera da nova administração da Caixa Geral de Depósitos, se os gestores tiverem as características que, até hoje, se lhes reconhecem.

Sobre outro assunto, o dos incêndios que alastraram no país este verão, mais uma situação vergonhosa. Quem duvida de que, com políticos competentes, o assunto já estaria há muito resolvido? Como é possível que tantos se deixem bater por um conjunto de pirómanos que a sociedade civil quer que sejam presos por longos períodos para serem sujeitos a tratamentos exemplares?

O nosso governo e os atuais deputados da nação sabem quais são as vontades do povo português. Relativamente a este e a outros assuntos, tudo fica na mesma porque, infelizmente, valores mais altos se levantam.

Portugal só melhorará o nível da sua democracia quando tivermos deputados independentes das estruturas partidárias na Assembleia da República. É muito importante que candidatos independentes se possam apresentar ao eleitorado em círculos uninominais (por exemplo, 130 círculos, como são apresentados em vários estudos independentes que já li), e que, no seu conjunto, cubram o território nacional. A estes acrescentar-se--iam uns 100 relativos a um círculo nacional.

Teríamos, assim, uma enorme melhoria do nível de prestação da Assembleia da República e, por conseguinte, da nossa democracia como um todo.

Estou certo de que, com um grupo de umas 2 mil pessoas no território nacional, se pode começar a trabalhar para alterar o atual sistema, verdadeiramente de distorção democrática na escolha de deputados para a nossa Assembleia da República. Não esqueçam ainda que o sistema eleitoral em vigor hoje impede que a sociedade se desenvolva apoiada em reais valores democráticos e impede, além disso, que o nosso dinheiro seja usado efetivamente para potenciar o crescimento económico de Portugal.
Informações sobre a subscrição do nosso "Manifesto Por uma Democracia de Qualidade", contactos e outras perguntas podem ser feitos através do email: porumademocraciadequalidade@gmail.com
Fernando TEIXEIRA MENDES
Empresário e gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Investimento público - mais do mesmo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.
As diferentes clientelas do poder político utilizarão a sua influência para concretizar projetos de interesse pessoal e deixarão Portugal ainda mais pobre do que já está.
Investimento público - mais do mesmo
O programa de investimentos e apoios diversos desenhados pelo governo, que prevê gastar 10 500 milhões de euros em quatro a cinco anos, em grande parte com origem nos fundos comunitários, representa a continuidade do pensamento de governos anteriores, segundo o qual o investimento público promoverá o desenvolvimento económico e social do país. Ora isso, podendo ser verdade noutras circunstâncias, não acontecerá agora, seja porque não existe um programa coerente de desenvolvimento, mas uma lista de objetivos em grande parte questionáveis, seja porque não existe nenhuma estratégia que oriente esse investimento, seja porque, mais uma vez, as diferentes clientelas do poder político utilizarão a sua influência para concretizar projetos de interesse pessoal e deixarão Portugal ainda mais pobre do que já está. 
A ideia peregrina de fazer um debate público para influenciar os investimentos a fazer só pode piorar a situação, porque não havendo uma estratégia de crescimento económico, tal debate conduzirá fatalmente a uma enorme diversidade de projetos sem massa crítica para as mudanças necessárias na economia do país. Por exemplo, promover o mercado interno em vez das exportações, gastar mais dinheiro público, ou dos trabalhadores através da Segurança Social, com o objetivo de recuperação do parque imobiliário das cidades - objetivo infelizmente desprezado no passado -, ou a obsessão com as energias renováveis, nomeadamente eólica, são o resultado de algum primarismo estratégico ao serviço das diversas clientelas interessadas apenas em si próprias.
Mesmo os gastos previstos com objetivos meramente sociais, sendo desejáveis e compreensíveis em vista da pobreza existente, não são sustentáveis sem uma forte base de crescimento económico e de criação de empregos, isto é, sem uma nova estratégia e sem um novo modelo económico. De facto, este modelo baseado no investimento do Estado já foi usado no passado recente e falhou economicamente, além de ter promovido o desperdício e a corrupção. 
É por estas e por outras razões que, neste jornal, tem sido enfatizada a necessidade política de desenvolvimento de uma democracia de qualidade, verdadeiramente democrática, com instituições fortes e independentes, de forma a desenvolver em Portugal o pensamento estratégico, o estudo sério dos problemas nacionais e o fim da promiscuidade entre a política e os negócios, fator este suficiente, só por si, para conduzir ao fracasso este novo programa, que corre o risco de repetir os erros do passado e pelas mesmas razões. 
Por outro lado, o hábito de criar objetivos financeiros, para mais previamente divididos por setores, é um erro revelador da ausência de cultura profissional dos governos. De facto, a metodologia correta passa por, primeiro, definir a estratégia de desenvolvimento, depois elaborar os projetos que melhor e de forma mais competitiva possam servir essa estratégia e só depois tratar da melhor forma de financiar cada projeto, tendo em conta as suas prioridades relativas. O debate público tem certamente utilidade, mas principalmente na fase de consensualizar a estratégia e, no final, para criticar a hierarquização das prioridades. 
Este hábito nacional de definir envelopes financeiros para setores concretos, fazendo-o sem estratégia e sem uma visão global das metas de maior impacto no desenvolvimento do país, faz com que o primeiro objetivo a atingir pela burocracia nacional seja gastar o dinheiro de cada envelope, em que o primeiro beneficiário da distribuição do dinheiro é o próprio Estado, central e autarquias, além de incentivar o aparecimento de projetos tão desnecessários como pouco ou nada rentáveis. Para mais, sabendo-se que não existe a tradição de avaliar cada projeto realizado com o dinheiro dos contribuintes portugueses e europeus. 
Em resumo, a intenção do governo de consumir uma tão elevada quantia dos fundos europeus de forma leviana e pouco profissional, para mais quando não existe uma ideia clara e consensual sobre o nosso modelo de desenvolvimento, só pode dar mau resultado. O que terá consequência graves, nomeadamente porque se trata de uma última oportunidade para, no nosso tempo, mudar para melhor o destino coletivo dos portugueses.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.