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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

País em prisão domiciliária

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.

Sem grandes soluções à vista, vemos os ex-amigos e ex-companheiros de governo do ex-primeiro-ministro José Sócrates a governarem o país e a capital como se absolutamente nada os ligasse a essa desastrosa fase da democracia portuguesa.



País em prisão domiciliária
Portugal tem do atual regime aproximadamente o mesmo tempo de duração do regime anterior. Em tese, o regime já devia ter caído. Contudo, o país está, faz décadas, refém de um sistema partidário fechado em si próprio, tendo acabado por se habituar a viver assim. À imagem da síndroma de Estocolmo, passou de refém a detido em prisão domiciliária.
Sem grandes soluções à vista, vemos os ex-amigos e ex-companheiros de governo do ex-primeiro-ministro José Sócrates a governarem o país e a capital como se absolutamente nada os ligasse a essa desastrosa fase da democracia portuguesa. É notável a capacidade de resetting e de autoperdão da esquerda em Portugal. Não obstante, este tem sido um dos problemas do regime transversal ao conjunto das forças políticas do bloco central: a incrível capacidade de reciclagem dos resíduos políticos.
O país carece de reformas e mudanças profundas e, para isso, é importante que o PSD acorde do estado de apatia em que se encontra. O país precisa que o PSD conduza uma oposição com projeto reformador credível, com ideias claras, contemporâneas e ambiciosas para Portugal; para Lisboa, para o Porto, para o interior, para o litoral; para o papel de Portugal na Europa, para o combate à desertificação, para a reforma do Estado, para a reforma da justiça, para a educação; para a atração de empresas internacionais, para o crescimento económico, para a segurança, para a regionalização e, por fim, para o sistema político. Sem a reforma do sistema político não haverá democracia, nem o país se libertará da detenção de que foi alvo.
Portugal é um país detido por partidos e políticos que, por sua vez, são detidos por grupos de interesses. Os vários casos de justiça mostram bem a permissividade do sistema, e por mais inusitado que pareça estamos hoje, algumas vezes, mais próximos dos receios do Bloco de Esquerda que das práticas do governo. O tema das rendas das empresas de energia é uma clara demonstração.
É necessário que o PSD abandone o exercício da oposição focado em habilidades e no quotidiano, e que pense o país, a Europa e o mundo; pense Lisboa, pense o Porto, pense Setúbal, Faro, Braga e Évora; pense a modernização da administração pública, a agilidade e clareza na justiça, a ética na governação, a transparência na aplicação de fundos, a redução da burocracia, o equilíbrio das contas públicas, o desenvolvimento empresarial e a internacionalização do país. A realidade mostra, contudo, que o PSD insiste em não se atualizar e, infelizmente, não se apresenta como força galvanizadora de uma esperança fundamentada numa visão estratégica.
Enquanto esta cultura cinzenta de antiguidade apática persistir está facilitada a vida de quem faz da política um exercício essencialmente mediático. É por isso que parece que o governo resolve os problemas estruturais do país e que Lisboa não tem lixo e buracos nas ruas, que os autocarros da Carris não largam um fumo negro insuportável e que Fernando Medina não é um fraco presidente de câmara, produto de uma mediatização idêntica à de José Sócrates e António Costa.
O diagnóstico está feito, publicado e conhecido, não oferece grandes dúvidas. Consequentemente, aquilo de que o país necessita é de uma visão clara que ajude a resolver as enfermidades crónicas. Assim sendo, e como anunciado em artigos anteriores, apresento hoje uma pequena lista de áreas de intervenção que me parecem adequadas ao contributo da modernização e desenvolvimento do país.
No sistema político: Introdução de círculos uninominais para a eleição dos deputados à AR, abrindo a possibilidade de candidaturas independentes; redução do número de câmaras municipais para 180; transformação das juventudes partidárias em grupos de voluntariado e apoio social; introdução, como órgão de coordenação de política nacional, do encontro entre o governo e os presidentes de câmara. Estas mudanças, aparentemente pequenas, constituem em si um avanço na cultura democrática que permitirá ao país arejar, libertando-se do estado de detenção que os diretórios partidários impuseram. Devolverá a decisão e o escrutínio quanto à eleição e atuação dos deputados aos eleitores, retirando desta forma, e em definitivo, a autoridade ditatorial que os partidos possuem relativamente aos deputados eleitos.
Na posição de Portugal na Europa: Garantir que, dentro das forças armadas comuns, Portugal, por ser detentor da maior zona económica exclusiva marítima (ZEE), terá um papel central no que à armada europeia diz respeito. Esse objetivo pelo qual temos de bater-nos contribui para o desenvolvimento de atividades económicas várias, investigação e ensino, emprego e reforço da influência diplomática do país. Além disso, deixa claro que não pretendemos prescindir da soberania no que respeita à autoridade sobre o nosso maior ativo em termos territoriais. A ZEE tem potencial para constituir em si um desígnio de desenvolvimento que arraste centros de investigação e universidades, empreendedores e empresas, setor público e governo.
Há um enorme potencial desaproveitado em Portugal e nos portugueses. A ausência de desígnios estruturais, para além de desmotivadora, impede o crescimento estrategicamente sustentado da economia e da influência de Portugal na Europa e no mundo.
Não é excessivo sublinhar a ideia de que o desenvolvimento do país passa pela evolução qualitativa da democracia que apenas uma democracia de qualidade, real e sem disfarces, poderá resolver.

Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político, Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

À procura de rumo – factos e insuficiências

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

São as instituições políticas e económicas que estão subjacentes ao sucesso (ou insucesso) económico.


À procura de rumo – factos e insuficiências

O final de um ano e o dealbar de um novo são sempre ocasiões para fazer o balanço do que passou e conjeturas sobre o que começa. É assim que, no que respeita ao que terminou, o facto mais saliente de reflexão se centra na geringonça: mérito e sobrevivência da mesma contra as expectativas dominantes, o que, numa perspetiva alternativa, corresponde à descrispação e acalmia na vida político-social. Isso é indiscutivelmente positivo. Mas afigurar-se-á sustentável e, sobretudo, chegará para vencermos a crise interna com que há muito nos confrontamos?

Sobre as possibilidades e probabilidade de sobrevivência da geringonça, não me irei aqui pronunciar; deixo isso para os politólogos e jornalistas. Considero, aliás, que é a dimensão político-económica que é decisiva e que, sem uma visão estratégica para a questão económica, não será possível sair do círculo vicioso em que nos encontramos. No entanto, convém desde já salientar que existem neste domínio duas visões potencialmente conflituantes: a dos que defendem a premência de procurarmos resolver prioritariamente os problemas estruturais internos (visão reformista) e os que põem o acento tónico na dimensão externa da crise, a qual consideram impeditiva da melhoria das condições de vida dos portugueses e limitativa do exercício da soberania nacional (visão europeísta da crise).

É óbvio que a crise com que nos confrontamos tem uma dimensão europeia (ou mesmo global), que constitui a sua envolvente externa. Mas pretender defender que esta é a causa única (ou decisiva) dos problemas com que nos debatemos há décadas, ignorando o papel determinante dos condicionalismos internos que bloqueiam o nosso desenvolvimento e crescimento, é um claro atentado à inteligência dos portugueses. Não faltam estudos, análises e reflexões sobre as falhas, deficiências e lacunas das nossas instituições político-administrativas e empresariais, causadoras de graves distorções na esfera socioeconómica e de comportamentos impeditivos de uma salutar concorrência e de uma competitividade criativa. E esta competição é decisiva no contexto da globalização, com vista a facilitar a mobilidade seja de bens e serviços, seja das pessoas e ideias. Sem ela não haverá lugar ao crescimento, ao progresso e ao desenvolvimento económico-social. Claro que isto não elimina a importância da repartição do rendimento no processo de progresso e melhoria das condições de vida, mas põe em evidência a indispensabilidade do crescimento económico enquanto fator determinante dos fins a atingir. Este é um ponto essencial a ter em conta na formulação da política em geral e das políticas públicas em particular.

Ora, como todos bem sabemos, não pode haver crescimento (sustentável) sem confiança dos agentes económicos no sistema político e suas instituições. E todos nós estamos certamente bem conscientes também das limitações quer de umas quer de outras, entre nós. Pondo para já de lado as questões relacionadas com as deficiências do sistema político, que estão, aliás, na origem do Manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade” - e na base dos artigos que semanalmente vêm sendo publicados neste jornal sobre esta temática -, são conhecidas as insuficiências e a má qualidade das instituições em Portugal. Não só de natureza estritamente pública, mas igualmente de supervisão, reguladoras, empresariais, cooperativas, etc., sem esquecer as de natureza judicial, todas elas atingindo níveis de ineficiência que deveriam ser motivo de repúdio e vergonha por parte dos responsáveis políticos, tal como, aliás, sucede já com uma grande parte (maioria?) dos cidadãos.

Dito isto, deveremos começar por não esquecer os ensinamentos contidos nessa obra fundamental, da autoria de D. Acemoglu e J. Robinson, “Porque Falham as Nações”. São as instituições políticas e económicas que estão subjacentes ao sucesso (ou insucesso) económico. São as sociedades que conseguem organizar-se por forma a criar incentivos e compensar a inovação, assim permitindo a todos participar nas oportunidades económicas que daí resultam, e simultaneamente garantir que o sucesso e o progresso daí emergentes se torna sustentável, através de uma governança responsável (accountable), capaz de dar resposta aos anseios da grande maioria dos cidadãos, que triunfam; caso contrário, o seu falhanço é inexorável. Quão longe estamos em Portugal de alcançar este desiderato? Queremos nós continuar a ignorá-lo?

Sem isto também não será possível formular políticas públicas apropriadas e portadoras de futuro, uma vez que há que pôr cobro às distorções resultantes de interesses mesquinhos e lóbis de compadrio, e apostar decisivamente em políticas que promovam o investimento eficiente e de qualidade que está subjacente ao progresso - nomeadamente em pessoas (capital humano) e locais de trabalho que garantam a qualidade de vida e a dignidade dos cidadãos.

Abandonemos, pois, as visões parciais que resumem tudo a slogans e fazem depender tudo de medidas pontuais, que já provaram a sua incapacidade para resolver os problemas das sociedades contemporâneas, sejam elas as que põem ênfase na contenção de défices nas contas públicas, na privatização, na eficácia dos mercados, na liberalização do mercado do trabalho, etc., sem ter em consideração uma visão integrada dos problemas que confira dimensão humana e de justiça à solução. Só por essa via conseguiremos enfrentar os populismos e pôr cobro à demagogia!

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

November surprise

"A Europa, os países e os cidadãos europeus terão que fazer-se à vida, pois o guarda-chuva americano irá provavelmente acabar."

A surpresa

November surprise


O ambiente é de “day after”. Da euforia dos prosélitos “trumpistas” à incredulidade esmagada dos adeptos “clintonianos”, passando pela geral perplexidade dos observadores, mais ou menos terceiros, as reacções falam por si. Ninguém estava à espera. A não ser talvez Donald Trump, ele próprio. Mesmo os apoiantes mais fervorosos não creio que acreditassem – queriam muito que ganhasse, o que é coisa diferente de acreditar.

Este 8 de Novembro fica como o DTPF, o Dia em que Todas as Previsões Falharam. Realmente, falharam todas, mesmo ao fecho das urnas e já com a contagem a decorrer. A mais significativa é a que se precipitou a interpretar a muito elevada afluência às urnas como um sinal positivo para Hillary: os americanos acorriam a votar para barrar o caminho a Trump. Isso terá talvez acontecido com muitos. Mas também aconteceu ao contrário; e em maior número. Foram muitos que afluíram a votar para assegurar que a mudança iria mesmo produzir-se e não voltariam a uma administração Clinton, uma espécie de “kirchnerismo” norte-americano.

Talvez se tenha dito demasiado mal de Trump. E é bem possível que isso o tenha beneficiado. Com o profundo desprestígio do “sistema” – na Europa, nos Estados Unidos, no mundo, no Ocidente – é bem possível que muitos tenham concluído: «Se dizem tão mal dele, então deve ser bom.» E votaram em consequência.

Trump representou eleitoralmente o campo à direita. Num sistema completamente bipolarizado, era o único que o fazia. E, por conseguinte, não posso estar horrorizado ou totalmente desagradado com a sua vitória. Há qualquer coisa ali que me interpela e me chama para o benefício da dúvida.

O discurso de vitória – bem pensado – deu surpreendentes bons sinais. Mas não é possível fazer de conta que quem venceu é, por exemplo, um John McCain. Não, não é: foi Donald Trump quem ganhou, não outro. Trump com os seus excessos, com propostas inaceitáveis, com uma perigosa atracção pela provocação. Um personagem que inquieta e assusta. A mim também.

Se calhar, era preciso isso para ganhar. Se calhar, foi por isso que John McCain não ganhou e ele sim. Se calhar, o sistema é tão poderoso que só um boxeur coriáceo o bateria. Se calhar... É preciso rejeitar e detestar muito o “sistema” para eleger um Presidente que fez a campanha que vimos. Possivelmente era necessário cabedal de granito para resistir a todo o tipo de golpes baixos e sujos como desenterrar uma gravação pirata de 2005 carregada de conversa grosseira. O mesmo também quanto a Hillary, sejamos justos, que teve de enfrentar um FBI que desenterra e arquiva e-mails na recta final da campanha, ora prejudicando, ora favorecendo. Que sistema é este que a isto chegou?

Os tempos são de prudência e de atenção. Muita atenção. Viva a democracia, sempre, é certo. E há o famoso sistema dos “checks and balances” – com um Congresso que, continuando Republicano, não é “trumpista”. Todavia, convém não esquecer a substância e o conteúdo da campanha, fazendo de conta que é tudo rosas e que estas rosas não têm espinhos. Sim, é verdade que “tudo está bem, quando acaba bem” – mas não acabou; em verdade, ainda não começou sequer.

Estando à direita, celebrarei que não se confirmem as piores previsões que tantos fizeram sobre o futuro Presidente dos Estados Unidos da América. Também me inquietam. Detestaria que fossem verdade. Espero ser surpreendido – e dizer que me enganei. Mas não estou só com um pé atrás. Estou com os dois.

Na agenda americana, incomoda-me a política quanto à aquisição livre de armas ou a ideia de partir a galope para fazer revogar o Obamacare. E agrada-me o empenho (positivo, a vários títulos) que manifestou quanto à obra pública e à modernização e reconstrução da infraestrutura. Mas isso é menos da minha conta. Tocam-me mais aspectos que têm a ver a segurança mundial. E também o efeito Trump na política global. Tenho muitos pontos de interrogação, a que só o tempo concreto dará respostas.

Uma coisa parece certa: a Europa, os países e os cidadãos europeus terão que fazer-se à vida, pois o guarda-chuva americano irá provavelmente acabar. Se formos capazes de o perceber a tempo e formos inteligentes e lestos na forma de o fazer, menos mal. Esta é uma percepção urgente. Estamos sempre melhor com as nossas próprias forças. Os amigos e aliados são bons para nos socorrer, não para nos sustentar ou levar ao colo.

Não podemos continuar, como nas últimas décadas, a dizer sempre mal dos americanos, mas a viver sistematicamente à custa dos seus riscos, das suas perdas e do seu orçamento. Temos de assumir a coragem do nosso destino. Temos de parar de alimentar os nossos fantasmas e de viver de prosápia, sobranceria e indolência. Chegou o tempo de assumir mesmo os nossos sonhos – e servi-los. Ora, os sonhos só se servem com a realidade. Sem esta, desfazem-se – e morrem. 

9 de Novembro de 2016

José Ribeiro e Castro

domingo, 10 de abril de 2016

O ano de todos os perigos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído na passada sexta-feira no jornal i
As coisas desmoronam-se, o centro não aguenta, a anarquia está à solta no mundo, aos melhores falta convicção, enquanto os piores estão cheios de paixão intensa…

O ano de todos os perigos
O ano de 2016 já corre acelerado, passamos do inverno para a primavera sem nos darmos conta de como a vida passa rápido, mas ainda há muito ano para viver e muitos cabos das tormentas para dobrar.

Há dias, Nouriel Roubini, o mago que “adivinhou” a crise de 2008, escrevia no site Project Syndicate um curto artigo intitulado “2008 revisited?”.

Também no Project Syndicate, Anatole Kaletsky escreveu um artigo intitulado “When things fall apart”, em que nos remete para os versos de W. B. Yeats, “The Second Coming”:
“Things fall apart; the center cannot hold/ Mere anarchy is loosed upon the world…/ The best lack all conviction,/ while the worst are full of passionate intensity…”
“As coisas desmoronam-se; o centro não aguenta/ A anarquia está à solta no mundo.../ Aos melhores falta convicção,/ enquanto os piores estão cheios de paixão intensa…”
Esta é a verdade. As coisas desmoronam-se ou podem desmoronar-se facilmente.

Roubini identifica vários perigos potenciais:

A crise da Eurozona, um possível Grexit, uma aterragem violenta da economia chinesa e o seu possível impacto nas bolsas mundiais.

Os sérios problemas que enfrentam os mercados emergentes, que decorrem do menor crescimento da economia chinesa, a queda dos preços das commodities (petróleo, minérios, etc.) que conduzem a um défice gémeo das balanças de pagamentos e orçamentos (ver o caso do Brasil), inflações em aceleração e baixo crescimento económico ou mesmo recessão;

A emergência de graves riscos geopolíticos, dos quais o mais evidente é a completa desestabilização do Médio Oriente;

A queda dos preços de produtos de base como o petróleo, que provoca a queda das bolsas mundiais, bem como subidas súbitas dos spreads para os países menos desenvolvidos e mais dependentes desse tipo de exportações e, portanto, maiores riscos de incumprimento por parte desses países;

A situação aflitiva da banca mundial, confrontada com incumprimentos sucessivos, queda acentuada de lucros, políticas de juros negativos por parte de alguns bancos centrais (Europa, Japão) e as resoluções bancárias através do bail-in dos accionistas e credores institucionais, que põe uma pressão adicional na obtenção de crédito;

Finalmente, a Europa, que pode entrar em erupção a qualquer momento, entre a crise grega, a situação problemática dos seus bancos, a crise dos refugiados e a pressão que está a causar no sistema Schengen, com a concomitante subida de movimentos nacionalistas, a possível saída do Reino Unido da União Europeia, a pressão russa nas fronteiras europeias…

Como se não bastasse este quadro de fundo deprimente, Portugal, que é um pequeno país à escala europeia, tem ele próprio problemas intrínsecos, endógenos, relacionados com a estabilidade do seu sistema político, a sua economia anémica, os riscos orçamentais criados pelo actual governo, que fazem antever a possibilidade real de nos mantermos em incumprimento das normas europeias, para além de um completo bloqueio das soluções que nos permitiriam ultrapassar esta situação.

Esse bloqueio tem duas origens: uma Constituição datada, que parece não permitir qualquer evolução, e um sistema político bloqueado entre dois contendores principais que dizem o contrário um do outro, consoante estejam no governo ou na oposição.

A qualquer momento, qualquer um dos riscos enunciados pode verificar-se e iniciar-se um processo de desmoronamento da economia mundial a que só os mais fortes sobreviverão sem traumas sérios. Em relação a esses riscos não podemos fazer nada, ainda que nos fosse possível um diálogo maior e mais interventivo com os nossos parceiros europeus em situação mais parecida com a nossa.

Mas há coisas que só dependem de nós: disciplinar as contas públicas, ter uma estratégia coerente e consistente para baixar a dívida pública de forma significativa, vigiar de forma eficiente e atenta o sistema bancário para evitar novas destruições de valor pagas pela comunidade no seu todo, lançar um conjunto de reformas coerente que liberte as forças produtivas do país do colete-de-forças das “taxas e taxinhas” e “regras e regrinhas” com que lidam, no seu desespero, as pequenas e médias empresas que fazem o essencial do tecido produtivo do país.

Os sinais estão todos aí e chegou a altura de os “melhores” se dotarem de forte “convicção” e vencerem “os piores”, cuja “paixão intensa” ameaça Portugal e o mundo. Sem forte convicção e espírito de patriotismo capaz de ultrapassar diferenças de mero interesse pessoal, não vejo como seja possível resistir e vencer.

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Alors là, oh là là!

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, hoje saído no jornal i.
Gorda, achacada, excessivamente agasalhada, comodista e sem fibra, nervo ou vontade, esta Europa é uma desilusão para quem a imaginou outra coisa.


Alors là, oh là là!
Começa a ser difícil aos seus mais extremos defensores defender a Europa. Gorda, achacada, excessivamente agasalhada, comodista e sem fibra, nervo ou vontade, esta Europa é uma desilusão para quem a imaginou outra coisa.

Os europeus, para o pior ou para o melhor, não necessitam de dar mais provas das suas virtudes marciais Não está em causa a sua capacidade tecnológica, o seu PIB, que é o mais alto do mundo, a sua população de 500 milhões de pessoas educadas, capazes, diligentes e trabalhadoras.

Individualmente consideradas, as forças armadas da França, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da Itália, da Espanha, para dar alguns exemplos, são consideráveis, modernas e bem equipadas; os serviços de segurança destes países são reconhecidamente capazes, argutos e eficientes.

Sendo assim, é caso para espanto que a Europa não possa e não consiga ao menos influenciar os acontecimentos na sua esfera de acção directa, sendo disto exemplo a vergonha por que passámos no Kosovo, em que os EUA intervieram em nome da decência (dos efeitos não falo agora), a Líbia, a Síria, a desorganização que reina no Magrebe e no Próximo Oriente (próximo de nós!), a completa incapacidade da Europa para influenciar acontecimentos no Líbano, em Israel, no conflito com os palestinianos.

A que se deve isto? Na minha opinião deve-se ao pathos que os europeus desenvolveram depois da II Guerra Mundial e das suas atrocidades, em que de repente nos considerámos culpados de todos os males do mundo, que em grande medida colonizámos ou influenciámos durante séculos, assumindo um multiculturalismo e uma interracialidade que a situação de poderes colonizadores poderia justificar, mas que hoje já nada justifica.

Assumimos sobre as nossas cabeças pecados há muito expiados, cobrimo-nos de cinzas e pomos cordas ao pescoço de cada vez que nos relacionamos com o mundo e, sem qualquer orgulho pelos nossos feitos passados, por termos dado novos mundos ao mundo e termos sido os construtores do mundo moderno, um mundo muito mais livre e generoso que aquele que existia, vergamo-nos à chantagem moral dos outros como se algum fado nefasto a isso nos obrigasse.

Diz o “Financial Times” de ontem que o multiculturalismo não é naïf, é uma realidade do mundo de hoje. Vão dizer isso aos árabes, aos chineses, aos japoneses, a todas as nações do Sudoeste asiático e de África, porque eles não sabem e ninguém lhes disse.

O que eles sabem é que uma unidade política, uma unidade cultural que não se defende a ela própria não merece ser defendida. Se os nossos valores e as nossas raízes são bons, cabe--nos a nós defendê-los.

No “Público” de ontem vi uma fotografia que define tudo: no malfadado bairro de Malbeek, em Bruxelas, viam--se pelo menos oito mulheres de véu islâmico posto. Na Bélgica, tal como em França, é proibido…

Em contrapartida, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou há poucos anos a Itália por não proibir uma escola católica de afixar crucifixos nas paredes, expondo assim algumas criancinhas à perniciosa propaganda cristã.

Verdade!

Valéry Giscard d’Estaing, presidente da convenção europeia que se incumbiu de fazer uma Constituição para a Europa, opôs-se ferozmente a que se fizesse no seu preâmbulo a menção às raízes judaico-cristãs da Europa.

Assim é fácil perder a batalha cultural: derrotamo-nos a nós próprios. Pior do que tudo, são os nossos líderes, eleitos por nós, supostamente, que lideram esse combate contra nós próprios. Há poucos anos, a esquerda francesa opôs-se veementemente a algumas medidas em relação aos imigrantes ilegais que Sarkozy se propunha adoptar. Hoje falam já de retirar a nacionalidade francesa aos radicais islâmicos que tenham dupla nacionalidade. Quem? Hollande, um socialista. Veremos quanto tempo lhe dura este assomo de virilidade…

Não vou aqui falar da traição das elites, nem contra os pobres dos refugiados. Não são culpa nossa, mas temos a obrigação cristã de lhes acorrer na hora de maior necessidade. Ao que me refiro é à política absolutamente irresponsável que consistiu na abertura de todas as fronteiras a hordas indocumentadas e desordenadas de refugiados, sem qualquer preocupação de os identificar ou fazer qualquer triagem. Essa política foi defendida pelos nossos eleitos, foi sufragada histericamente pelos nossos parlamentos; o resultado está à vista e muito mais se verá.

Ao que me refiro é à completa demissão que a União Europeia teve na Síria, permitindo que aquilo se transformasse num alfobre de terroristas aqui à nossa porta. Ao que me refiro é a que, em nome do politicamente correcto, estados párias como o Kosovo, vestido e alimentado pela União Europeia, se transformem em placas giratórias do terrorismo e da bandidagem internacional.

E já agora, que a grande preocupação e a nova frente de batalha do multiculturalismo consistam na imposição de etiquetagem dos produtos israelitas provenientes dos colonatos, propondo-nos um embargo desses produtos. O facto de pormos no desemprego dezenas de milhares de israelitas e palestinianos é apenas um detalhe… Isto em relação ao único estado democrático do Próximo Oriente. Triste Europa esta. É a que queremos?
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado
ex-secretário de Estado da Justiça

NOTA: artigo publicado no jornal i.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Estamos bloqueados na Europa


Para além da parte económica, que não se tem conseguido resolver, nesta Europa, existe uma total falta de lideranças e de leaders, o que temos são simples “chefes de grupos”.

A Queda da União Soviética, tão aclamada na altura, além de deixar o Ocidente numa deriva – faltou o inimigo comum - que poderia ter sido construtivo, contudo, desactivou o espírito da política e dos verdadeiros políticos, que havia no depois II Guerra Mundial até meados dos anos oitenta do século passado, sem nada os ter - capazmente- substituído.

A Nato ficou a ser governada e paga pelos EUA, e tudo na Europa, até a participação nesta, passou a miragem.

E a riqueza industrial que ainda por cá se fazia foi enviada para a China e para a Índia – excepto a Alemanha que conseguiu, ainda, ficar com uma boa parte – e tudo a todos os níveis, se desconjunta.

O Estado Social estava muito suportado no desenvolvimento económico, e quando este se foi abaixo, todos, ou quase, os países europeus fizeram como se nada tivesse acontecido – e aqui, por muito que a muitos incomode, os do Norte estiveram melhor que os do Sul, as verdades por vezes deviam ser mentiras -  e para manter tudo na mesma, endividaram-se.

Entretanto, deram-se as Primaveras Árabes, que terão tido alguns bons e positivos resultados na Tunísia. De resto, um desastre, a ver pela Líbia, e não só.

E, não esquecer, o Presidente Bush, acolitado por uns quantos “chefes de grupo” europeus, inventou um pretexto para invadir o Iraque e vender armamento, gastando, utilizando-o.

A tal Líbia sem Kadhafi, este um ditador dos mais apurados, mas que a dada altura era recebido de tenda e tapete vermelho por todo o lado – petróleo -, até pela Europa, desmoronou-se num bando, de sem rei nem roque. E a Europa a ver, sem ver!

O auto-denominado Estado Islâmico vai-se impondo com base em mortes à toa, chacinas, com fanáticos, até jovens europeus, lá e cá, a ajudar e fazendo ponte para a Líbia.

E nós, europeus, em todas as vertentes cada vez mais desunidos, mais desentendidos, muitíssimo individualistas, sem futuro.

A Rússia, em desespero do Czar Sr. Putin, olha-nos, mas vê-nos em pânico, o que lhe dá jeito: a Crimeia já é dele e ver-se-á a Ucrânia.

E, quando pelo Mediterrâneo formos atacados, quer por fanáticos vindos da Líbia, quer por Pessoas a fugir em desespero, não vai ser nada agradável! De se viver e de se morrer!

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
25 de Março de 2015

quinta-feira, 12 de março de 2015

A anexação da Áustria pela Alemanha em Março de 1938


Num tempo em que a História e a Memória, insistentemente, não passam dos acontecimentos mais mediáticos e mediatizados da semana anterior, talvez fosse chegada a época de querermos todos aprender com o passado, não muito longínquo, mas também não excessivamente recente, para não ter que estar sempre a repetir os mesmos erros.

A unificação da Europa não tem sido fácil, e tendencialmente parece estar a ser cada vez mais difícil. Sempre havendo que haver diferenças inerentes a cada País que faça – faz? - parte da chamada União Europeia, para “isto” não se continuar a desfazer a cada dia que passa, haveria que não passarmos o tempo, a alegremente sempre dizer mal uns dos outros, e agora já não é Norte contra o Sul, é o próprio Sul conta parte do mesmo. 

A Europa sempre teve dificuldade em se entender. E foi sempre um Continente de Guerras, de partilhas à força e na última Guerra tivemos o louco, o fanático austríaco que dominou, primeiro em eleições livres, e depois pelo Nazismo a Alemanha a caminho do anexar a Europa à força das armas.

Não conseguiu felizmente. Pena hoje não estarmos a conseguir voluntária e pacificamente, fazê-lo. Ficaremos a perder, todos, até a Alemanha, para já, mais ou menos democrática.

Bem, mas para recordar a História e a Memória e em mais um mês de Março, temos que ir forçosamente a Adolph Hitler que nasceu na Áustria, foi posto de lá para fora por menos correctas posições e combateu na I Guerra Mundial como cabo já na Alemanha. E entre as duas Guerras – a II por si originada – em 1933 tornou-se chanceler da Alemanha, em eleições livres, e depois quis uma raça pura, excluindo todos que não tivessem uma certa altura – não a tendo o próprio – religião, cor de olhos, e tudo o que se possa imaginar para uma superior raça pura.

E a 12 de Março de 1938 deu-se o Anschluss que foi a “anexação” da Áustria pela Alemanha. Convirá também não esquecer que na Áustria já havia muitos Nazis que colaboraram e regozijaram-se com este “acto “ do seu ex-compatriota.

Os que não concordaram, e claro judeus, ciganos e mais “diferençados” –  não raça pura – se não foram conduzidos para campos de concentração, para o Holocausto, conseguiram fugir. Não tendo que para aqui puxar casos familiares, e se calhar nem o devendo fazer, faço-o pela Memória e pela História de muitos – não minha que ainda não a esqueci -, dado minha mãe, minha avó terem para cá fugido e meu avô para Londres.

E se não quisermos lembrar estes acontecimentos e evidentemente, sem ter que fazer festas ou festinhas, mas lembrando unicamente, escrevendo, fazendo passar às gerações mais novas, “isto” esquece ou parece uma “coisa” que aconteceu na época dos dinossauros, e a Guerra acabou faz agora 70 anos e não foi assim tão distante, dado que foi aqui na “nossa” Europa. E se quisermos esquecer tudo, mesmo havendo quem ainda reste directa ou indirectamente desse tempo, vamos, talvez reviver ao vivo e a doer novamente, tudo. 

E não será só a Ucrânia em Guerra, mas mais Europa na mesma situação dramática. E continuemos, jovialmente, em vez de pensar no Anschluss, a ter estes nossos políticos e estas nossas políticas destes últimos tempos que, de tão maus e más, só conseguirão que venha outra guerra, para a Europa se desfazer de vez.

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
12 de Março de 2015

terça-feira, 3 de março de 2015

Putin, a nova ameaça contra o Estado Social

O orçamento da Defesa e dos programas sociais serão os únicos
que não sofrerão cortes, na Rússia - legenda JN

Perguntarão: o que tem uma coisa a ver com a outra? E perguntam muito bem. A pergunta tem toda a razão de ser. É uma boa pergunta; espero dar uma boa resposta. Explico. 

Na sua crónica da passada sexta-feira, no PÚBLICO, Vasco Pulido Valente escreve sobre a Rússia e arremete contra a estratégia de Putin. Ronda algumas previsões catastrofistas, o que seria o menos: não é o único a fazê-las e inquietam muitos espíritos, incluindo o meu; mas poderão ou não verificar-se, sem que pouco possamos fazer a esse respeito. 

Porém, no meio do anúncio da III Guerra Mundial, VPV tem um comentário en passant, em que vale a pena pararmos um bocadinho. Escreve ele: 
«O que não seria importante [o perigo Putin], se depois da implosão do comunismo a Rússia não permanecesse a segunda potência militar do mundo. E se a Europa não se tivesse desarmado, como desarmou, para pagar o Estado social. A Inglaterra, por exemplo, gasta em defesa menos do que 2 por cento do PIB, no momento em que Putin (...) embarcou numa política claramente agressiva e revanchista
É este o problema: a Europa desarmou-se para pagar o Estado Social. 

Desde há anos que a quebra de investimento europeu na defesa é comentado, medido e criticado, sem que nada se faça a respeito do problema. Conversa-se. O optimismo da paz eterna e o "guarda-chuva americano" no quadro da NATO alimentaram esse plano inclinado, ao mesmo tempo que, curiosamente, cresciam as críticas contra o "americanismo" e se enchiam pulmões com a plena autonomia europeia em matéria de defesa comum. Balelas! O desinvestimento prosseguiu e cresceu até o anti-militarismo interno. A pomposa PCSD - Política Comum de Segurança e Defesa tem muitos problemas políticos; e é sobretudo uma miragem, para não dizermos um completo logro. 

As tristes figuras que a Europa tem feito nos últimos anos, face a repetidas crises internacionais, incluindo na sua vizinhança, não deixam dúvidas. O máximo que, as mais das vezes, consegue é encher o peito de ar... antes de chamar os americanos. E inventou a doutrina do soft power (aliás, uma boa doutrina), apenas para se ir consolando.

A pergunta, então, é esta: se fosse confrontada com uma crise militar séria, está a Europa em condições de defender-se? A resposta é simples: não está.

É aí que entra Putin, rondando com contínuas provocações a fronteira Leste e dando já umas dentadinhas na Ucrânia. 

Há poucos dias, apesar da crise económica por que passa a Rússia, Putin defendeu o rearmamento russo para responder a pressões: «Está a realizar-se com êxito o programa de rearmamento do Exército e das Forças Armadas, incluindo o reforço do sistema de defesa espacial e do poderio nuclear. Isto é garantia de paridade global», disse. E concluiu: «Ninguém deve ter a ilusão de que é possível ter supremacia militar sobre a Rússia, exercer sobre ela algum tipo de pressão. Teremos sempre uma resposta adequada para tais aventuras.»

Ora, se a Rússia se rearma para aumentar a pressão política, a Europa não pode deixar de fazer o mesmo - para manter o equilíbrio e a sua liberdade. E, se a Europa tiver que reinvestir a sério na Defesa (como, há muito, aliás, creio ser indispensável), aumentam exponencialmente as dificuldades em suportar o Estado Social, no diagnóstico incisivo de Vasco Pulido Valente.

Depois do desvario financeiro e do declínio demográfico, Putin é capaz de ser, na verdade, a última ameaça ao nosso modo de vida, o "modelo social europeu". Não é nenhuma tenebrosa conspiração - é somente simples aritmética. Tempos difíceis.


sábado, 18 de janeiro de 2014

Reflexões sobre um referendo de ocasião (5): referendos em fila de espera


Está claro que esta coisa do referendo sobre a adopção e a co-adopção estendidas às uniões homossexuais não passou de um expediente parlamentar para superar as dificuldades da bancada do PSD. Um expediente que, como está a ver-se, veio criar muitas outras dificuldades (incluindo internas), sem resolver propriamente nenhuma.

No plano do Estado, esta decisão é ainda mais deplorável.

O referendo poderia ter resultado de um movimento em que a sociedade portuguesa pedisse para ser ouvida ou de uma iniciativa política séria em que se explicasse a essencialidade de querer ouvi-la e porquê. Nada disso.

E, todavia, é bem longa a fila de referendos em que a sociedade portuguesa gostaria de ser ouvida directamente e não o foi. Ou em que seria da maior importância e utilidade política e social fazê-lo. São matérias da maior seriedade e importância.

Primeiro, o referendo constitucional. É a ideia mais antiga de todas: remonta a 1980 e foi lançada pela AD - Aliança Democrática. Ficou pelo caminho pelo efeito conjugado do desastre de Camarate e da não eleição presidencial de Soares Carneiro. Hoje, poderia ganhar actualidade pelo impasse em que caiu a revisão constitucional e os choques frequentes entre Governo e Tribunal Constitucional. Para o fazer, haveria ainda que remover obstáculos jurídicos. Porém... nada.

Segundo, o referendo europeu. Nunca foi feito: nem na adesão à CEE, nem aquando do Tratado de Maastricht que tudo mudou e criou a União Europeia. Os movimentos para o fazer esbarraram sempre em grandes resistências de quem manda. Aquando do Tratado de Amesterdão, a consulta chegou a ser aprovada na Assembleia da República, mas tropeçou no Tribunal Constitucional. Mais tarde, foi feita, em 2005, uma revisão constitucional unicamente para permitir a realização de referendos directamente sobre tratados europeus. Mas, chegada a hora, quer quanto à chamada Constituição Europeia (2005/06), quer quanto ao seu sucedâneo Tratado de Lisboa (2007/08), os líderes e direcções políticas assobiaram para o lado... e nada se fez. Uma vez mais, o povo ficou à porta. A falta desse referendo está entre os factores que mais contribuem para o desconhecimento e alheamento geral dos portugueses e do país quanto à Europa - o  mal que chamo de a nossa "periferia mental". A actual crise geral europeia recomendaria até que o fizéssemos para saber para onde vamos e queremos ir. Nada disso. É assunto tabu e continua matéria proibida.

Terceiro, um referendo sobre a estrutura territorial da Administração. Tivemos um referendo sobre a Regionalização, que, em 1998, deu com os "burrinhos na água". E há quase quarenta anos que temos este vazio - ou mesmo um caos - no patamar intermédio da nossa Administração Pública, tanto desconcentrada, como autárquica: por um lado, na Constituição de 1976, temos distritos extintos que continuaram a existir; e, por outro, Regiões constituídas que nunca foram criadas. Ao mesmo tempo, desenvolvemos as CCR ou CCDR e as NUT II e NUT III, a par das CIM e outras coisa que houve, no entretanto. As Áreas Metropolitanas também andam por aí, à espera de melhor clima para respirarem e medrarem como é indispensável. E, agora, abate-se uma pressão fortíssima, dita financeira, sobre as freguesias e até já sobre os municípios, ouvindo-se mesmo vozes que tudo querem definir a regra e esquadro ou pela simples aritmética, reduzindo-os pela metade!... Impõe-se parar para pensar. E, sendo necessário, convocar um referendo para sancionar grandes orientações ou as principais linhas de reforma, preservando a matriz municipalista do país. Mas, aí, também não.

Quarto, um referendo sobre a estrutura da família. Quando avançou a legalização dos casamentos homossexuais, houve um forte impulso da sociedade portuguesa exigindo ser ouvida previamente. Uma iniciativa popular de referendo recolheu cerca de 100 mil assinaturas e deu entrada na Assembleia da República, que veio a bater com a porta na cara do povo. O Parlamento inviabilizou o referendo e pôs o povo na rua. Ora, a agenda que agora se discute é uma decorrência disso mesmo; o que está em causa é a questão e o problema da relevância, sim ou não, das uniões homossexuais para a estrutura e o direito da família. Poderia (e deveria) organizar-se uma consulta popular séria para auscultar a consciência social sobre a matéria e definir caminhos e limites legislativos. Nada disso também.

Todos esses referendos - queridos e porventura necessários, para nos esclarecer e andar - continuam a ficar à porta, ou no tinteiro, senão no caixote do lixo. E, em vez disso, avança um referendinho de ocasião, trôpego e oportunista, sobre a parte menor de uma agenda mais ampla, apenas porque o PSD não quer dizer-nos o que pensa sobre a co-adopção.

sábado, 20 de abril de 2013

O apagamento dos registos cristãos na União Europeia



É cada vez mais difícil ter dúvidas de que existe uma agenda europeia escondida no sentido de, pé aqui, pé acolá, apagar os registos cristãos do nosso continente. É uma manifestação do que muitos designam de cristofobia.

Aquando do fracassado projecto de Tratado Constitucional, foi muito acalorado o debate sobre apagar, ou não deixar apagar, qualquer referência histórica ao Cristianismo no preâmbulo da Constituição Europeia. Nessa altura, participei num vasto movimento transeuropeu contra esse apagamento, que vinha proposto pela Convenção. Entregámos mais de 1 milhão de assinaturas à Presidência italiana, em 2004, afirmando a herança cristã da Europa - a luta saldou-se por um empate, consagrado pela Presidência irlandesa, em 2005: não ficou menção expressa às raízes cristãs,  mas o Preâmbulo caiu todo, sendo substituído por um texto mais simples onde se falava em geral da espiritualidade. A querela geral mereceu vários comentários como do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura ou do Cardeal Ratzinger, futuro Papa Bento XVI.

Há dois anos, foi a vez da forte polémica em torno na descoberta e denúncia de que a Comissão Europeia há anos que editava anualmente uma agenda escolar, onde constavam as festas judaicas, muçulmanas, hindus, etc., mas de que as festas e feriados cristãos haviam sido meticulosamente apagados. Houve protestos fartos. A agenda foi recolhida e substituída. 

Agora, chega nova notícia: na Bélgica francófona, estão a ser eliminadas por ordem do Governo todas as denominações cristãs associadas a férias escolares, substituindo-as por referências às estações do ano. Roça o ridículo, mas é sinal de extremismo - extremismo soft, mas extremismo na mesma. 

Deve dizer-se, aliás, que não é facto novo Antes integra a crise geral de descristianização que atingiu a Bélgica e, mais intensamente, as regiões francófonas. Já há vários anos, por exemplo, que o próprio partido democrata-cristão francófono mudou de CDC para CDH, isto é, de Centre Démocrate-Chrétien para Centre Démocrate Humaniste...

No meu caso, não me esqueço da minha primeira sessão no Parlamento Europeu, quando lá entrei pela primeira vez como deputado, na semana de plenário em Estrasburgo. É um episódio que gosto sempre de contar. Foi em Dezembro de 1999. Era uma 2.ª feira ao fim da tarde, na abertura da última semana de sessão, antes do Natal. Entro na sala e deparo com uma discussão armada entre um deputado dinamarquês, e um deputado alemão de origem turca. O detonador da discussão tinha sido uma interpelação à Mesa sobre os cartões de Boas Festas editados pelo Parlamento Europeu.

E o que discutiam eles? Discutiam se o Natal era, ou não era, uma tradição europeia. O dinamarquês dizia que sim; o turco-alemão berrava que não. Vários deputados molharam a sopa na discussão. Passados alguns minutos, quem presidia à sessão tirou as conclusões: o Natal não era uma tradição europeia. Fiquei esclarecido sobre o sítio onde estava a chegar.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Europa kaput!


 
Há alguns semanas, dei uma entrevista que o jornal i escolheu intitular com uma das frase que disse: «Esta União Europeia não presta.»  Para quem ainda duvide, bastará olhar à realidade que, hoje e desde há anos, continuamente observamos e reler algumas das linhas de força escritas nos Tratados. Recordemos trechos emblemáticos do Tratado de Lisboa:

Do Preâmbulo do Tratado da União Europeia (TUE): 
  • RECORDANDO a importância histórica do fim da divisão do continente europeu e a necessidade da criação de bases sólidas para a construção da futura Europa,
  • CONFIRMANDO o seu apego aos princípios da liberdade, da democracia (...) e do Estado de direito,
  • DESEJANDO aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua história, cultura e tradições,
  • RESOLVIDOS a conseguir o reforço e a convergência das suas economias (...),
No artigo 3º, n.º 3 deste mesmo TUE:
  • A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros.
Do Preâmbulo do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE):
  • DECIDIDOS a assegurar, mediante uma acção comum, o progresso económico e social dos seus Estados eliminando as barreiras que dividem a Europa,
  • FIXANDO como objectivo essencial dos seus esforços a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos seus povos,
  • PREOCUPADOS em reforçar a unidade das suas economias e assegurar o seu desenvolvimento harmonioso pela redução das desigualdades entre as diversas regiões e do atraso das menos favorecidas,
Será que, lendo isto, toda a gente percebe como estamos, hoje, tão longe do caminho extraordinário que foi aberto com o velhinho Tratado de Roma e o projecto que arrancou, na CEE, em 1958?
 
Está doente o espírito europeu. Avariou. Andam a matar o sonho europeu. Europa? Coitadinha desta Europa.

Resgate por resgate, é a própria Europa, o seu espírito e o seu sonho, que importa resgatar.
 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Conversas com Vida

A jornalista Marta Rangel fez-me uma entrevista diferente no Económico TV, o canal de televisão por cabo associado ao jornal Diário Económico.

Foi uma conversa diferente do habitual, discorrendo sobre vários temas da minha vida, da política e da actualidade: o meu pai (eng.º Fernando Santos e Castro), Angola, o curso de Direito, a entrada na política, os primeiros tempos do CDS, a democracia-cristã, o jornalismo, a TVI, a crise actual, a Europa, a premência da situação financeira  - são algumas das áreas abordadas.

A entrevista foi primeiro para o ar às 22:00 horas de 15 de Março passado; e repetida, depois, noutros dias e horários. Fica registada aqui, para quem ainda queira ver ou rever.

A 1.ª parte da entrevista...



... e a 2.ª parte



terça-feira, 1 de maio de 2012

Ciclos da Férin: Mário Soares, a Europa e Lucas Pires


Pode ouvir aqui, clicando no link em baixo, a gravação da conferência-debate de Mário Soares sobre a "A Europa na encruzilhada", partindo da apresentação do  livro de Francisco Lucas Pires«Amsterdão - Do Mercado à Sociedade Europeia?».



Este programa não chegou a ser emitido pela Antena Um, uma vez que a gravação ficou com baixa qualidade. A Antena Um retransmite normalmente estas sessões, no quadro da parceria que mantém com a Livraria Férin e o "Avenida da Liberdade", quanto ao ciclo POLÍTICA & PENSAMENTO: A VOZ DOS LIVROS

conferência realizou-se no dia 5 de Março.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O futuro é de África

[clique para ampliar]

Estou farto de ouvir que «África é um continente perdido». Só gente sem visão pode pensar e dizer esse tipo de coisas. Sempre pensei o contrário. 

Acharão talvez que exagero na minha "africofilia". E não compreenderão o título deste post, quando são tão más - ainda - as notícias dominantes que nos chegam do continente africano. Perguntarão por que digo eu que o futuro é de África.

É fácil. Basta analisar e estudar os números e quadros das previsões demográficas das Nações Unidas, constantes do "World Population Prospects: The 2010 Revision". Basta olhar para o gráfico acima, cujo original pode ser consultado aqui. Que nos diz o gráfico?

O continente africano tem, hoje, apenas 14,8% da população mundial. Subirá para 23,6% em 2050 e  para 35,3% em 2100 - por outras palavras, África corresponderá a 1/4 e a 1/3 do mundo, respectivamente a meio e no final deste século. Conhecerá sensível melhoria da situação sanitária, contínuo crescimento económico, progresso social e assinalável aumento do peso político global. Mora aí o futuro. 

A Europa é que, se não se cuida, coitadinha... Cairá de 10,7% da população mundial, para 7,7% em 2050 e 6,7% em 2100. Ainda por cima envelhecida e fraca.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Europa: de utopia a pesadelo?


O comentário de há dias atrás de Miguel Sousa Tavares na SIC é um bom ponto de partida. Podia haver vários, tantas têm sido, nos últimos meses, as notícias que adensam o dia-a-dia europeu e os horizontes da União Europeia. Mas este comentário que evoca a Europa como “a maior, a melhor, a mais atraente utopia política” do nosso tempo é um excelente referente. 

Vale a pena ouvi-lo e meditar uns minutos, retendo as suas palavras:


Já em 2009, no final de dois mandatos no Parlamento Europeu, ouvi, nos corredores, um comentário entre jovens que me marcou e nunca mais esqueci: “The EU, what a magnificent concept!” (“A UE, que conceito magnífico!”).

Era um grupo de jovens, multinacional, produto do que chamo a “geração ERASMUS”. Respiravam frescura e optimismo, energia e confiança. Conversavam sobre a União Europeia e, repudiando o clima de crise que, já então, era sensível,  remate unânime da conversa foi aquela interjeição do “magnificent concept” que é esta Europa em construção foi o. 

Este comentário vem-se sempre à memória quando ouço – e corroboro – os comentários constantes sobre as actuais lideranças tacanhas, fechadas ou medíocres, sem a visão e a determinação fundadora de Adenauer, Schuman ou De Gasperi, ou sequer a envergadura de grandes estadistas europeus de Helmut Kohl, Mitterand, Delors, Willy Brandt, Schmidt, Delors. É dramático – e pode tornar-se trágico – que as lideranças actuais, encerradas em pequenas agendas focadas, centradas nos calculismos eleitorais nacionais estão a erodir, desacreditar e desmantelar o processo europeu. E esses calculismos são, aliás, tudo o indica, totalmente inúteis, senão contraproducentes. Fraca gente! 

Pior que isso, atentando contra o presente dos europeus e contra a esperança daqueles jovens, esses líderes destroem e impedem a respiração daquele “sonho europeu” que, à semelhança do tão mítico, quanto espantosamente real “american dream”, é o cimento e a alavanca indispensável para alimentar e construir a Europa contemporânea e do futuro. 

Várias vezes, ao longo do meu último mandato no Parlamento Europeu, vendo emergir preocupações medíocres, falta de visão democrática europeia e lideranças tão pedantes e cheias de si, quanto ausentes de densidade e projecto real, veio-me ao espírito a assombração de que o processo de integração europeia, que começou no rescaldo de uma guerra terrível, pudesse vir a terminar, afinal, noutra. 

Seria uma pesada e terrível ironia da História que a Europa, que laboriosamente se construiu na ressaca da II Grande Guerra e, por isso, se inspirou crucialmente na Paz (além da Liberdade e Prosperidade), viesse a querer provar outra vez essa mesma catástrofe por ter passado a beber de novo exactamente do mesmo veneno: egoísmo e divisão. 

Quando muitos negam, de modo simplista, a simples possibilidade desse risco, eu sempre dizia – e digo: lembrem-se da Jugoslávia. 

A crise da Jugoslávia o que foi, afinal? Foi uma federação supranacional que se desagregou. E a crise da Jugoslávia, como foi? Foi como sabemos. Lembremos que, um ano antes daquela desgraça terrível, que desenterrou à escala própria, os piores horrores de 1939/45, toda a gente desdenhava de que uma só bala pudesse ser disparada entre os que durante décadas tinham vivido em comum. Mas… foi o que foi… 

Ao longo dos dois últimos anos, a assombração jugoslava tem vindo, de modo recorrente, ao meu espírito, diante do agravar contínuo da crise do euro e dos sinais gravíssimos que não cessam de se acumular. Ao mesmo tempo, a pergunta: e, perante isto, o que fazem os dirigentes? Nada!!?? 

Hoje, de manhã, estremeci ao ler o apelo do ministro dos Negócios Estrangeiros polaco. Gostei da gravidade – e sobretudo da oportunidade – do seu apelo. Mas a mesma assombração jugoslava, que me tem inquietado desde há anos, lá aparece. E muito bem. 

A Europa não é somente o “sonho europeu”, que tem que abraçar de novo, sob pena de morrer. Nem é só a Liberdade, ou a Democracia (já doente), ou a Prosperidade (já tão abalada). É também e, diria, sobretudo, a Paz. Importa nunca o esquecer. Sobretudo os que realmente não querem voltar a provar da guerra. 



Está anunciado que a chancelarina alemã, Angela Merkel, fará um importante discurso sobre a Europa na próxima sexta-feira. O que dirá Merkel, desta vez? O egoísmo que tem sido o seu costume, inspirando sempre medidas fracas e retardatárias? Ou, finalmente, um golpe de asa corajoso, ousado e empreendedor, reconstruindo a esperança da Europa, Casa Comum? 

É triste que a Europa que, para tornar a guerra impossível, começou pela inteligência prática de pôr em comum o Carvão e o Aço, as matérias-primas do belicismo, esteja a revisitar os fantasmas negros da guerra por não saber pôr em comum e gerir em comum uma moeda e as suas consequências.