quarta-feira, 28 de junho de 2017

O desgoverno na oposição

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.
Um governo cheio de fragilidades e incompetências nos setores mais estruturantes da sociedade, dos quais destaco a economia, educação e administração interna, passa incólume, com invejáveis índices de popularidade.


O desgoverno na oposição
Pior que um mau governo é a ausência de oposição. Uma oposição em estado de coma reduz horizontes, tira a esperança e perpetua a incompetência governativa. A ausência de oposição é o primeiro passo para que um mau governo se converta quase automaticamente num aparente bom governo, promovendo e potenciando a sua reeleição. É precisamente o que se passa em Portugal. Um governo cheio de fragilidades e incompetências nos setores mais estruturantes da sociedade, dos quais destaco a economia, educação e administração interna, passa incólume, com invejáveis índices de popularidade. É a ausência de oposição credível que o permite.

Há muito que se fala nos “problemas estruturais” da economia portuguesa que, progressivamente, alargam o lastro e se enraízam em consequência de práticas governativas irresponsáveis e sem qualquer paradigma de responsabilização. Persiste e insiste a morosidade da justiça, a intensa burocracia, a ausência de desígnio económico e geoestratégico para Portugal, o endividamento a níveis estranguladores, o peso do Estado no emprego, a influência do poder político na proteção de cargos para pessoas, bem como nos contratos e rendas asseguradas para empresas e grupos de interesses.

A economia não aguenta e são esses os temas em atraso que o povo eleitor quer ver tratados.

Os partidos do arco governativo defendem e criticam enquanto oposição as práticas que os caracterizaram enquanto governo e às quais invariavelmente regressam, sem qualquer pudor, ao ali retornarem. Soma um modelo político de carreiristas em busca de lugares para as suas pessoas, ao invés de pessoas para os lugares. Um modelo político onde os dirigentes se sucedem num grupo fechado e impregnado de velhas más lógicas monárquicas transpostas para o sistema republicano. Ainda que a título meramente exemplificativo, basta lançar um olhar para os atuais primeiro-ministro e presidente da Câmara Municipal de Lisboa – ambos membros avalistas de um governo socialista que se revelou ter sido dos mais prejudiciais para o país – e, com simplicidade cristalina, se extrai o modo de funcionamento do sistema. Lembro aqui o simples facto de o atual primeiro ministro ter já sido ministro da Administração Interna. É bom lembrar factos relevantes... É um estranho caso de imunidade política imprópria ou atípica que se propaga no desgoverno e desorientação da oposição.

Em tese, sempre competiria à oposição desmembrar este não modelo de coisíssima alguma. Seria isto o que qualquer incauto e cumpridor cidadão reclamaria e esperaria de um partido com o peso histórico e com a responsabilidade que o PSD tem na e para com a sociedade portuguesa. Lamentavelmente, não se vislumbra uma alternativa arrumada e rumada. A visão destrutiva e a roupagem de comentador da sua atual direção são um claro reflexo da impreparação das pessoas que a compõem. O modus operandi também não os leva mais além. Os atuais PSD e PS tornaram-se decalques um do outro no modo como se sustentam e auxiliam no círculo vicioso em que o sistema político português se transformou. Ser a favor do contra é muito pouco para o PSD. Ao PSD exige-se criatividade, esperança, novos rumos e novos horizontes. Há muito mais no país para se estudar, debater e propor para lá do comentário brejeiro ao dia-a-dia da política e dos pequenos casos e tricas que o sistema, naturalmente, produz. Perdeu-se o sentido do Estado. Do PSD espera-se e é preciso mais, muito mais. Espera-se debate, trabalho e propostas que reformem o sistema político, a justiça, a economia, o emprego e a posição de Portugal no mundo.

O modo como a atual direção tem atuado, aparentemente cansada e descrente de si mesma, constitui um perigo para a democracia e para a economia. Transformar o PSD para que o PSD transforme Portugal num país de horizontes, moderno, justo, e numa referência de qualidade de vida é um dos principais imperativos da atualidade política. Para isso são necessárias novas pessoas, novos militantes, novo debate, novos horizontes. Portugal necessita de um PSD confiante, forte, moderno, social-democrata e reformista do sistema político na relação entre eleitos e eleitores e da estrutura de funcionamento do Estado e da administração pública. Portugal precisa e os portugueses merecem.

Eduardo BAPTISTA CORREIA
Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 21 de junho de 2017

A captura pelo carteirista

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
Os CMEC asseguram para alguns uma arca do tesouro alimentada em contínuo por um moedeiro bem lubrificado. E onde liga o moedeiro? Aos nossos bolsos.


A captura pelo carteirista
Temos denunciado nesta coluna o mau funcionamento do sistema político e da representação parlamentar, às vezes com casos-tipo mais chocantes.

Uma das questões é a alienação dos deputados, arredados de problemas ou privados do exame prévio cuidadoso das decisões. Foi, em 2014, a “eutanásia social”, na expressão de Bagão Félix: a proibição de os reformados trabalharem mesmo sem remuneração, um caso que contei no prefácio da 1.a edição do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”. Ou, também de 2014, a proibição manhosa de os casais, em atraso, se apresentarem, como habitualmente, à tributação conjunta em IRS – o “caso do Zé Augusto”, que aqui relatei: milhares de contribuintes, de recursos médios, com o imposto brutalmente agravado em milhares de euros, em 2016 – interveio o provedor de Justiça e a lei foi revista.

Há casos de grande gravidade, todavia, em que a reação não soa nem prevalece. Está um na ordem do dia: os CMEC, tão longamente badalados quanto sobreviventes.

O cidadão comum tem dificuldade em saber o que são CMEC. Se o leitor, nas suas cogitações, pensar que um “C” significa “captura” e o outro “C” significa “carteirista”, não andará longe da verdade. O esquema, engendrado em 2004 e posto em marcha em 2007, significa “Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual”; mas o leitor revelaria faro e argúcia se, ao querer adivinhar, pensasse em “Captura Metódica pelo Esquema do Carteirista”.

O esquema consiste num laborioso enredo técnico, impenetrável aos pagantes e muito difícil de entender para quem não seja especialista ou lhe dedique horas de estudo. Ouvindo as explicações, a nossa alma divide-se entre, por um lado, admiração gulosa e, por outro, indignação irada por se ter construído um novelo normativo que, através da articulação entre uma dada engenharia de produção e um sistema de tarifas garantidas, assegura para os lucros de alguns uma arca do tesouro alimentada em contínuo por um moedeiro bem lubrificado. E onde liga o moedeiro? Aos nossos bolsos, aos bolsos dos consumidores de eletricidade.

São essas as engenhosas “rendas” não só “excessivas”, mas ilegais à luz do direito comunitário: um “pick pocket” que, sacando 5 euros aqui e 53 acoli, mais 29 euros ali e outros 44 acolá, consoante o nível dos consumos domésticos ou empresariais, alimenta, em todos os meses de todos os anos, uma torrente de milhões que vai parar aos bolsos de alguns. Os CMEC são milhões de porquinhos-mealheiro (os consumidores) a encher, por decreto, o gordíssimo cofre do Tio Patinhas. Benefício público? Zero. Ou questionável. Além disso, impedem a economia de funcionar.

Este esquema de privilégio nunca deveria ter começado – e devia ter acabado há muito. Faço parte de um grupo de portugueses (nos bancos do meio, pois não tenho habilitações técnicas especializadas) que já há alguns anos lutam politicamente contra os CMEC. Cremos que são ilegais. E, antes disso e além disso, são gravíssimo erro de política económica e de política energética, que fere as famílias, penaliza as empresas, atinge a nossa economia e a competitividade.

Nunca conseguimos o apoio suficiente para vencer. Sofre-se segregação. E houve quem pagasse mais o preço da verdade: o secretário de Estado Henrique Gomes, a quem presto homenagem, afastado porque queria ir mais longe, mais depressa. Os polos de captura do sistema são muito poderosos – sobretudo quando há muitos milhões em jogo –, hábeis a chegar a muito lado de várias formas, incluindo à comunicação social. Não digo necessariamente corrupção – chega, muitas vezes, o poder encantatório dos milhões ou a teia das redes de poder. Há espíritos que se deslumbram com facilidade. Há dependências que se criam, pela publicidade e por mecenatos. E há a sábia máxima dos prudentes: “Viver não custa, o que custa é saber viver.”

Em maio de 2013, organizei, para alguns colegas deputados no CDS, um seminário com excelentes especialistas na matéria. O seminário sucedeu a um outro, realizado em abril, onde tinha estado António Mexia e a sua equipa. O seminário de maio, contra as rendas ilegais, foi um contraditório arrasador. A explicação e a prova dos abusos e efeitos nefastos foram tão flagrantes que recordo não terem ficado dúvidas sobre o imperativo de acabar com isso. Pois bem… não se passou nada. A questão foi explicada a deputados do Parlamento Europeu – também nada se passou. As altas esferas, os centros de decisão aplicaram ao assunto o triturador habitual e a questão continuou dormente, para não dizer morta. Debate para uma decisão coletiva? Nem um. Tudo rola nos gabinetes, nos corredores, nos restaurantes, nos telemóveis – isto é, nos terrenos favoráveis aos mecanismos de captura.

A troika colocou repetidamente nos memorandos e relatórios esta exigência: “Tomar medidas de modo a limitar os sobrecustos associados à produção de eletricidade em regime ordinário, nomeadamente através da renegociação ou de revisão em baixa dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) paga a produtores do regime ordinário.” Quase nada se passou. O lóbi que vive disto tem conseguido resistir à própria troika. Podemos chamar-lhe o LDT: o Lóbi Disto Tudo.

Agora, face à ressonância de um caso judiciário, foi convocada a voz grossa dos “chineses”. Sabe-se que, embrulhada com o deslumbre alcunhado de “diplomacia económica”, a compra da EDP e da REN pelos chineses foi, nos corredores, um dos argumentos mais servis para manter o statu quo. Compreendo que os chineses possam estar inquietos: ter-lhes-ão vendido gato por lebre? Mas, aí, teriam de pedir contas a quem, começando pelos órgãos da empresa, lhes tivesse garantido que o direito comunitário é para violar, lhes tivesse escondido a controvérsia já existente, lhes tivesse dito que um esquema lesivo da economia nacional poderia manter-se eternamente ou lhes asseverasse que, em Portugal, o direito e a política democrática estão submetidos ao poder do dinheiro. O que não pode continuar é serem os portugueses, os consumidores de eletricidade, a pagar os custos de mais um logro.

Tenho verificado que as maiorias, fossem as do PS, fossem de PSD e CDS, nunca resolveram o problema. Caíram nos mecanismos de captura e, muitas vezes, participam neles. Por isso, defendo a reforma do sistema eleitoral: nos CMEC, a informação técnica disponível já é tanta que bastariam três ou quatro deputados com pelo na venta e independência pessoal e política para arrasar esta manipulação no prazo máximo de dois a três anos. Se tivéssemos um sistema eleitoral misto à alemã, conjugando círculos uninominais e plurinominais, o eco daquele seminário de maio de 2013 não teria desfalecido. Os deputados não seriam manietados ou condicionados. E, se quisessem agarrar essa luta, ninguém os poderia parar, com o que os partidos também ganhariam. Os partidos ganham com deputados assertivos, que enfrentam problemas, interpretam causas, animam questões; não ganham nada com os que vestem o bibe dos poderosos e dos endinheirados.
José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 14 de junho de 2017

A perversão da eletricidade

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Durante o mandato de José Sócrates criou-se um sistema elétrico monstruoso que protege a energia eólica. Quem paga esta proteção? Todos os consumidores de eletricidade em Portugal.


A perversão da electricidade

Uma Democracia de Qualidade tem como objectivo eleger políticos sérios que exerçam os seus cargos com competência e ao serviço dos cidadãos.

No caso da política energética portuguesa, o objectivo prioritário é o de se conseguir uma base energética que fomente o emprego na economia e, em especial, nos sectores transacionáveis.

Ora, em Portugal, durante o mandato de José Sócrates, criou-se, em 2007, um sistema eléctrico monstruoso, pela inclusão simultânea de duas componentes legais:

a) Promoveu-se a instalação de 5.600 MW de potência eólica intermitente, toda ela protegida legalmente por tarifas “feed-in”;

b) Manteve-se em vigor, e nalguns casos reforçou-se, os CMEC, que eram destinados a “proteger do mercado” as receitas de exploração das centrais que anteriormente serviam de base à produção eléctrica.

As tarifas feed-in garantem, por Lei, duas vantagens fundamentais aos produtores de eletricidade de origem eólica intermitente:

- Um preço garantido, muito acima do preço de mercado - e asseguram esse preço mesmo que não haja consumo no momento da produção.

- Prioridade à energia eólica produzida de forma intermitente, em termos de entrada na rede, afastando assim outras fontes de energia que estejam disponíveis nesse momento e a preços muito mais baixos.

E quem paga, por Lei, estas proteções é o conjunto de todos os consumidores de electricidade em Portugal.

Para melhor se perceber o absurdo deste quadro legal, vejamos dois exemplos:

1) - Consideremos que a Central de Sines se encontra a fornecer eletricidade ao sistema a 35 euros/MWh mas que surge, entretanto, um aumento de vento que introduz no sistema 1.000 MW de potência que beneficia dum preço garantido de 100 euros/MWh. Então, o sistema tem que comprar esta electricidade, deixando de comprar a que estava disponível mais barata.

O que significa que, em cada hora, esta substituição provoca um sobrecusto de 65.000 euros, ou seja, um custo adicional de 1,6 milhões de euros por dia…

Só que os prejuízos que esta descida de produção provoca na Central de Sines também serão pagos pelos consumidores, dado que esta Central está protegida por um CMEC que visa exatamente eliminar estes impactos negativos na respectiva exploração.

2) - O segundo exemplo da irracionalidade económica deriva de que, se, num dado momento, houver excesso de produção eólica e o sistema elétrico português não a puder absorver, ela poderá ser exportada para Espanha.

Só que, aqui, o produtor eólico já está pago pelos referidos 100 euros/MWh que a Lei lhe garante, à custa dos consumidores portugueses, que, neste caso, não vão consumir essa eletricidade, a qual, depois, pode ser vendida a consumidores espanhóis a preços de mercado, como o MIBEL prevê.

O que significa que os consumidores espanhóis podem, depois, pagar a apenas 5 euros/MWh esta eletricidade, que já tinha sido paga aos produtores eólicos por 100 euros/MWh.

É este cocktail explosivo, derivado das limitações tecnológicas da intermitência eólica e dum quadro legal absurdo, que também originou a famosa Dívida Tarifária, que continua a atingir quase 5.000 milhões de euros.

Como é possível o consumidor pagar a eletricidade tão cara e ser-lhe atribuída em cima disso a responsabilidade por uma Dívida Tarifária?

Porque os sobrecustos deste sistema monstruoso são de tal forma elevados que, em vários anos, os responsáveis optaram, por razões políticas, por não fazer pagar todos esses custos nesse mesmo ano e, em vez disso, diferi-los para serem pagos em vários anos futuros.

Só que, com estas regras, os sobrecustos continuam a ser tão altos que a Dívida Tarifária permanece, apesar das tarifas serem tão elevadas.

É como se tivesse criado uma perversão para evitar que a eletricidade produzida em Portugal possa ser usada para criar empregos no nosso país.

E o que se pode fazer para se atenuar este desastre?

Em primeiro lugar, acabar em absoluto com a atribuição de tarifas feed-in a quaisquer tipos de novos produtores, para que o problema não aumente ainda mais.

Em segundo lugar, renegociar as tarifas feed-in e os CMEC ou, pelo menos, não criar mais qualquer tipo de CMEC, que assim se extinguirão a prazo, começando já em finais deste ano com o CMEC da Central de Sines que, ao passar a mercado, será um contributo para reduzir as tarifas.

E, em terceiro lugar, pressionar a Europa, juntamente com Espanha, para que as interligações Península Ibérica/França sejam reforçadas e, assim, se possa vender electricidade quando ela for cá excedentária, ou comprar em França quando ela for mais barata do que na Península Ibérica, melhorando, assim, o custo da base energética em Portugal.

Eis pois um excelente objectivo a alcançar por uma Democracia de Qualidade em Portugal.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Círculos uninominais nas eleições legislativas – uma necessidade premente

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído hoje no jornal i.

O que não é nada normal, e é mesmo vergonhoso, é assistirmos em Portugal ao aumento da abstenção nas eleições dos deputados para a Assembleia da República.

Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD,
nas Jornadas Parlamentares do seu partido - Algarve , fins de Maio de 2017

Círculos uninominais nas eleições legislativas – uma necessidade premente
O ex-candidato à Presidência da República Henrique Neto fez importantes referências no seu artigo desta coluna, na semana passada, à obra de Manuel Braga da Cruz “O Sistema Político Português”, da iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Trata-se, de facto, de um livro de grande importância, cuja leitura é indispensável, e é um apoio importante à tese de necessidade urgente de uma reforma do sistema eleitoral que preveja círculos uninominais para a eleição dos deputados para a Assembleia da República. Aliás, a nossa Constituição já o permite desde que António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa proporcionaram a revisão de 1997, ou seja, há já 20 anos…! E os dois sabiam certamente o que estavam a fazer.

A introdução de círculos uninominais é um princípio que os subscritores do “Manifesto: Por uma Democracia de Qualidade” defendem ativamente desde 2014.

Aproveito para lembrar os leitores que sistemas eleitorais com círculos uninominais não são sistemas não testados, bem pelo contrário. França, Inglaterra, Irlanda, Dinamarca, Alemanha, Suécia e muitos outros países já utilizam sistemas eleitorais com esses círculos, como forma imprescindível de aproximarem os eleitos dos seus eleitores, há muitos anos.
O que não é nada normal, e é mesmo vergonhoso, é assistirmos em Portugal ao aumento da abstenção nas eleições dos deputados para a Assembleia da República – 8,34%, em 1975, 44,14%, em 2015 – e permitirmos que se mantenha a forma ditatorial como os diretórios dos partidos procedem à escolha de todos os deputados que constituem a assembleia legislativa da nossa República. É, aliás, uma forma que interessa a muitos políticos, mas que não interessa, seguramente, à sociedade civil, porque, como se vê pelo nível de abstenção, ela não se sente adequadamente representada.

Os partidos deviam ser responsabilizados pela sociedade civil por não estarem a defender os interesses da nação. Porque continuam a insistir em não aceitar a concorrência de candidatos independentes das suas estruturas para que, em candidaturas espontâneas, se possam candidatar a deputados?

A situação vai a este extremo: ainda há uma semana, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, segundo a comunicação social, ter-se-á manifestado contra a criação de círculos uninominais em Portugal considerando que “tal sistema podia criar uma hipermegageringonça”. Hipermegageringonça quando existiria sempre um círculo nacional de compensação de uns 100 deputados?

Os partidos tendem a não gostar de círculos uninominais porque teriam de arregaçar as mangas para se dedicarem à escolha do melhor candidato a deputado em cada um dos, por exemplo, 115 círculos uninominais no Continente. Isso obriga a conhecer muito bem os candidatos e os desejos das populações em cada um desses círculos uninominais porque, em cada um deles, só o candidato mais votado entraria no hemiciclo. E isso é, obviamente, uma ameaça de monta para fracos candidatos. Mas porquê o termo hipermegageringonça? Nascerá de alguma situação traumática?
Defende ainda Luís Montenegro a redução do número de deputados da Assembleia da República. O PSD tem falado numa redução de 50. Um grande erro, quanto a mim, porque tal medida vai prejudicar os pequenos partidos, beneficiando os grandes, tal como o PSD. Não me parece que seja uma boa proposta de início de negociações que, aliás, não me parece que esteja minimamente interessado em encetar.

Acho ridículo que os líderes partidários não tenham ainda compreendido que o primeiro ou os primeiros partidos a apoiarem a implementação dos círculos uninominais e a defenderem a apresentação de candidatos independentes das estruturas partidárias às eleições legislativas serão os que terão mais a ganhar em termos de apoio popular em sede de atos eleitorais.

Considero que, se os partidos não efetuarem atempadamente a reforma do sistema eleitoral, outras alternativas de poder político aparecerão, porque não acredito que a passividade da sociedade civil portuguesa se mantenha e não procure outras soluções, afastando do poder estes políticos que apoiam uma democracia por eles controlada de forma ditatorial.

Até quando a situação se vai manter, não se sabe. Só sabemos que a nossa não pára de se deteriorar! 

Informações sobre a subscrição do nosso “Manifesto: Por uma Democracia de Qualidade”, sobre contactos e outras podem ser pedidas através do email: porumademocraciadequalidde@gmail.com

Fernando TEIXEIRA MENDES
Empresário e gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade